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A imagem abaixo é uma foto da versão original da Performance conhecida como

“Names Project AIDS Memorial Quilt”, que começou nos Estados Unidos e se disseminou

trabalho, por meio da análise da encenação, fez um paralelo entre o “corpo político” e o “corpo posithivo”, metaforizado no tempo/espaço de uma doença social que se foi tema do meu TCC de graduação em teatro.

pelo mundo em contra resposta às necrometáforas que contaminavam o discurso sobre aids na época. Uma das marcas do início da luta contra a aids é a presença da arte em manifestos mundiais como este.

Figura 15 The Names Project AIDS Memorial Quilt, acervo digital Visual Aids.

Pensando de forma ampla e tentando pessoalizar a história da aids, se constrói um eco sobre a vida de quem a aids atravessou e atravessa. Assim, evoco o que ficou conhecido no Brasil como Projeto Nomes, que começou com a inquietação do Artista Cleve Jones21 e se ampliou em várias colchas de retalho países afora. Trazer essa imagem é antes de qualquer debate, mostrar que há uma marcante presença da arte nessa história, ainda que não se fale sobre isso diretamente.

Nos anos iniciais da epidemia, além dos alarmantes sensacionalismos pejorativos que nos custam caro até hoje, desenvolvemos tecnologias discursivas para monitorar e nomear grupos que estavam na mira da aids. Então é criada a expressão “grupos e comportamentos de risco” aos quais é associada uma ameaça iminente de morte, tendo em vista que os dados

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Ator e Ativista LGBT norte americano, conhecido pela criação do projeto performance “NAMES Project AIDS Memorial Quilt” (Projeto Nomes – Colcha de retalhos memorial da aids).

divulgados pela imprensa sobre a aids, muitas vezes, se resumiam aos números de óbitos e suas relações com os “grupos e comportamentos de risco”.

A noção de risco por sua vez, pressupunha perigo e taxava populações já estigmatizadas com mais e mais estigmas. Mas, a ação da feitura de uma colcha de retalhos, retratada na imagem em questão, atribuiu força às pessoas envolvidas de algum modo com a temática da aids, que foram interligando suas histórias na tessitura de uma colcha, onde cada retalho pessoalizava a história, mudando e bordando outras imagens, que até então eram apresentadas apenas em índices e descrições depreciativas. Naquele período, entre 1980 e 1990, em vez de buscar compreender a vulnerabilidade de corpos e suas práticas dissidentes diante da conjuntura sócio-cultural em que se encontravam, construiu-se um mecanismo discursivo, que propagou o vírus intrinsecamente associado a indivíduos particulares, cunhando historicamente mais estigmas e preconceitos aos citados indivíduos.

Os dados epidemiológicos, utilizados enquanto discurso de autoridade e, assim, convertidos como “história única”, promoveu uma obscura influência generalista sobre a noção da transmissão do vírus e seus efeitos. Os dados divulgados oficialmente giravam em torno do número das infecções e os índices de mortalidade, quase que tendenciosamente, eram colhidos e interpretados de forma a validar o estigma “costurado” em grupos específicos (homossexuais, travestis, prostitutas, haitianos) e suas práticas, condenadas moral e socialmente. Para mim, é evidente que entre as duas informações, de infecção e de mortalidade, há uma infinidade de discursos e divagações sobre a doença que não cabe em números e gráficos.

A espetacularização da morte, bem como sua especulação facciosa, organiza as metáforas da aids ou, antes, necrometáforas, nas quais as alegorias que constroem o imagético resultam na morte e/ou, diria que, por si só são a própria ideia de morte clássica, morte como o fim do corpo, fim do corpo que se contaminou e morreu de aids. Morrer de aids passou a representar uma “vergonha” uma “punição”, uma espécie de castigo por desvio da norma com fim programado, quase como na noção de destino pensada pelos gregos, na qual mesmo que se tentasse fugir, escapar do fim trágico, a morte seria inevitável.

Todas as coisas aconteceriam para completar o destino conforme estava pré-definido. No caso das necrometáforas da aids, somar-se-ão a noção grega de destino trágico às ideias cristãs da culpa e castigo, uma vez que, da forma como a aids nos foi apresentada, serviu de argumento para sustentar a punição de práticas e de corpos dissidentes. Essa categoria de metáfora é fundamentalmente cristã e funcionou muito bem no ocidente, que tem como base da construção de todas as suas culturas os sentimentos da culpa e do pecado.

No trabalho de Cleve Jones, em cada retalho foram costurados nomes de pessoas vítimas da aids, isto é, uma iniciativa de pessoalizar a discussão sobre o tema, fugir dos números e dados epidemiológicos e ressaltar que se tratam de pessoas. É de pessoas que estamos falando e, quando penso em falar sobre aids, é sobre as pessoas e sua relação com o mundo que quero falar. A Performance que inicia este tópico foi desenvolvida já se pensando na construção de uma imagem coletiva em resposta a aids.

A colcha como alegoria de “afetos”, que conectava as pessoas a uma história comum se faz presente até hoje e foi também uma questão que me despertou: como costurar e fazer conhecer uma história de uma doença não só pelos seus aspectos bioclínicos? São questões do início da epidemia que refaço hoje, tendo em vista que, mesmo com a possibilidade de vida diante das tecnologias disponíveis para tratar o hiv, ainda padecemos das necrometáforas.

3.3 - O VÍRUS IDEOLÓGICO E CARA DA AIDS PÓS