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Normas gerais em matéria tributária

No documento MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO (páginas 53-56)

A organização hierárquica da linguagem é uma forma do sistema de direito positivo lidar com suas contradições internas. Por isso, nos deteremos com mais detalhes quanto à receptividade da legislação anterior à Constituição de 1988 e da exigência de Lei Complementar para a alteração do sistema tributário.

Desde a Constituição de 1946 pode haver ruído de comunicação entre o que se entende como “normas gerais”. É possível tanto a interpretação de que se tratam apenas de termos inúteis, como de que é uma verdadeira limitação, para que se legislem somente normas “gerais”. Interessante atentar: o próprio autor do Código, Rubens Gomes de Sousa, entendia a preocupação política de Aliomar Baleeiro em

(...) atribuir à União competência para legislar sobre direito tributário, amplamente e sem limitação contida no conceito de normas gerais, desde que esta legislação tivesse a feição de uma lei nacional, de preceitos endereçados ao legislador ordinário dos três poderes tributantes: União, Estados e Municípios. Afora isto, ele não via e não achava necessário delimitar, de outra maneira, a competência que

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Cf. Fabiana del Padre Tomé, Comentários ao Código Tributário Nacional – Artigos 2º ao 5º, p. 29. São cláusulas pétreas as constantes no § 4º do art. 60 da Constituição Federal, que impedem a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais.

queria fosse atribuída ao Legislativo da União, que já então ele concebia, neste setor e em outros paralelos, não como lei federal, mas sim nacional.107

E que seriam as normas gerais? Este debate, oriundo das ideias de Geraldo Ataliba, dividiu os doutrinadores em correntes denominadas dicotômicas e tricotômicas, com consequências práticas bem diversas. Para os dicotômicos, as normas “gerais” dispõem sobre conflitos de competência e regulam as limitações constitucionais ao poder de tributar. Somente essas duas possibilidades. A Lei Complementar não o é somente por passar pelo rito legislativo que resulte em sua forma, mas também pelo conteúdo reservado à sua competência. Por isso, os dicotômicos entendem que tal documento normativo que legisle normas “não gerais” vale como simples lei federal (não-nacional), sem força obrigatória para os Estados e Municípios.

Vejamos a primeira parte do art. 146 da CF/1988:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.

Dentre os adeptos da corrente dicotômica, que aliás poder-se-ia chamar monotômica, Roque Antonio Carrazza108 resume:

Julgamos incontroverso que a Constituição não conferiu ao legislador complementar um “cheque em branco” para, por meio da edição deste ato normativo, traçar as competências tributárias, com suas limitações, da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Apenas concedeu que ele, de duas, uma: ou dispusesse sobre conflitos de competência entre as entidades tributantes, ou regulasse as limitações constitucionais ao exercício da competência tributária.

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Rubens Gomes de Sousa; Geraldo Ataliba; Paulo de Barros Carvalho, Comentários ao Código Tributário Nacional, p. 4-5.

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Esta primeira posição diminui bastante os poderes do CTN, para quem o entende como Lei Complementar. Ainda mais se somarmos que as “limitações constitucionais ao poder de tributar” já estão na Constituição, só precisando ser meramente “reguladas”, e que solucionar conflitos de competência é papel do Judiciário stricto sensu. Isso poderia também implicar na inconstitucionalidade de uma Emenda Constitucional, a 42 de 2003, que atribui ainda mais competência às leis complementares. Para quem entende o CTN como Lei Ordinária, isso impede ao menos as novidades por Lei Complementar, que assim ficam restritas às tais “normas gerais”.

Para os tricotômicos, as normas gerais são uma terceira competência, que, conforme disposto na Constituição Federal de 1988 e aumentado pela Emenda Constitucional 42/2003, inclui:

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.

Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que:

I – será opcional para o contribuinte;

II – poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado;

III – o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento;

IV – a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes.

Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo.

Justificando ainda mais a corrente tricotômica, defende Leandro Paulsen109 uma

quádrupla função da lei complementar: Cabe à lei complementar, nos termos deste artigo:

dispor sobre os conflitos de competência (inciso I), regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (inciso II), estabelecer normas gerais em matéria tributária (inciso III) e prevenir desequilíbrios de concorrência.

Quando se atribui competência, desenha-se um campo onde podem ser percebidos seus limites. Outorga-se para uma classe de possibilidades normativas, e não se outorga para

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Cf. Leandro Paulsen, Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência, p. 85.

uma outra classe de possibilidades normativas (todas as que não possuem o critério da

competência).

Graças à outorga constitucional, nos filiamos à corrente tricotômica. Já dissemos que cabe ao CTN (União como legisladora nacional em 1966, normas recepcionadas até hoje) dispor sobre tantas matérias e unificar as normas gerais. Não se trata de ferir o pacto federativo (tolhendo a competência dos Estados e Municípios), pois a própria Constituição autorizou a legislar dessa forma. É ela quem fornece o critério para a divisão de competências.

O inciso III do art. 146 da CF tem autonomia relativamente aos incisos I e II. Eurico de Santi entende que isto não arranha o pacto federativo, como querem aqueles que levam em consideração apenas os incisos I e II do art. 146. “Pelo contrário, funciona como expediente demarcador desse pacto, posto que, com sua generalidade, além de uniformizar a legislação, evitando eventuais conflitos interpretativos entre as pessoas políticas, garante o postulado da isonomia entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios.”110 Normas gerais são, portanto, exatamente as escritas no inciso III do art. 146. Por conseguinte, entendemos que tais acréscimos da EC 42/2003 não padecem do vício da inconstitucionalidade.

No documento MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO (páginas 53-56)