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Sistema jurídico e sistema da ciência jurídica

No documento MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO (páginas 37-41)

Desvinculamo-nos das coisas no seu espaço-tempo e chegamos à noção de “objeto”.67 Os objetos, ligados entre si por uma característica específica, formam um conjunto. Sistema indica um conjunto de objetos, dotado de certas relações. Leonidas Hegenberg68 assim descreve:

Quanto mais claramente possamos delinear as relações que tenhamos deliberado considerar, mais estruturado revelar-se-á o sistema. Em outras palavras, as relações estruturam o conjunto. O sistema é estruturado pelas relações que nele

65

Tácio Lacerda Gama, Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade, p. 180.

66

Lourival Vilanova, As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo, passim.

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Objeto designa algo específico, o que difere de algo abstrato, a noção.

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tenhamos “colocado”. O vocábulo “estrutura”, nesse caso, torna-se um quase- sinônimo de “sistema”, indicando conjunto de objetos em que valham certas relações.

Ou, nos dizeres de Lourival Vilanova,69 sistema “é a forma sintática de união de proposições dentro de um conjunto”.

Ainda que todos os entes estejam direta ou indiretamente interligados no Universo, precisamos fazer cortes metodológicos para estudarmos o mundo à nossa volta. Para tanto, adotaremos o sistema como melhor forma de conhecimento. Ensina Paulo de Barros Carvalho:70“Sistema é o objeto formado de porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário ou como a composição de partes orientadas por um vetor comum”. É um conjunto onde os elementos se relacionam perante uma referência determinada.

Ao analisar a classificação entre sistemas reais e proposicionais, Paulo de Barros Carvalho explica que os sistemas reais seriam formados de objetos extralinguísticos, e “aceitando que seja pequena a margem de conhecimento fora do âmbito da linguagem, todo sistema seria do tipo proposicional”.71 Divide então os sistemas em nomológicos (vertidos em simbologia severamente unívoca) e nomoempíricos. Estes, por sua vez, subdividem-se em descritivos (como a Ciência do Direito) e prescritivos (como o direito posto).

Eis a união de dois quadros sinópticos apresentados, a partir das ideias de Marcelo Neves,72 por Paulo de Barros Carvalho:73 as espécies e subespécies dos sistemas, e a linguagem por eles utilizada.

69

Lourival Vilanova, As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo, p. 167.

70

Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 46-47.

71

Ibidem, p. 46.

72

Marcelo Neves, Teoria da inconstitucionalidade das leis, p. 1-8.

73

Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 7; Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 42. Esta não é, rigorosamente, uma classificação, posto que dá saltos de ordem: não divide (também) os sistemas nomológicos em descritivos e prescritivos, por exemplo. Aliás, a divisão dos sistemas nomoempíricos só poderia ser em “descritivos” e “não-descritivos”. O que pode ocorrer é um “apelido” de uma subclasse oposta (chamarmos os não-descritivos de “prescritivos”, por exemplo). Em nome do rigor lógico, preferimos enxergar como “exemplos” de sistemas proposicionais nomoempíricos etc., assim podendo existir nomoempíricos descritivos, prescritivos e outros mais.

Sistemas (proposicionais)

Nomológicos Lógica Jurídica Linguagem unívoca

Nomoempíricos

Descritivos Ciência do Direito Linguagem científica

Prescritivos Direito Positivo Linguagem técnica

O suporte físico “sistema jurídico”, como visto no quadro, carrega ao menos dois significados como sistemas proposicionais nomoempíricos. O primeiro é de “sistema jurídico”, no sentido de ordenamento que encontramos a partir da leitura dos textos de lei. Este sistema é formado por normas jurídicas, e é composto por linguagem técnica, onde o rigor dos termos científicos se mistura com a vulgaridade da linguagem natural. A segunda acepção é de “sistema da Ciência do Direito”, o qual é formado por um conjunto de proposições que descrevem o sistema jurídico. A Ciência visa descrever o seu objeto, valendo-se da “linguagem científica”: um discurso que substitui locuções imprecisas por termos com pretensão de univocidade. Como o direito se manifesta através de uma linguagem, podemos dizer que a linguagem da Ciência do Direito refere-se à outra linguagem – a do direito positivo. É, portanto, metalinguagem.74

Escreve Kelsen75 que a interpretação do direito feita pela Ciência Jurídica não é autêntica, sendo apenas “determinação cognoscitiva do sentido das normas jurídicas”. Ainda que neste sentido haja interpretação verdadeira ou falsa (para o cientista), somente aquele a quem o sistema jurídico outorga poderes para criar normas é quem as faz ter validade: o intérprete autêntico, i. é, a autoridade competente.

1.6.1. A Ciência do Direito Tributário

A Ciência do Direito, em sentido estrito (dogmática jurídica), tem como objeto o conjunto de normas (válidas) em um sistema jurídico. Dentro do sistema jurídico não existe um conjunto de normas de direito independente, que não se inter-relaciona com os demais

74

Cabe ressaltar que é possível fazer metalinguagem dentro de um mesmo sistema linguístico, como ocorre com os princípios do direito (metalinguagem) em relação às normas (linguagem). Ambas são formadas pela linguagem técnica do direito positivo.

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subsistemas. O direito posto é uno, todo oriundo de uma norma que fundamenta o sistema

jurídico, a que alude Kelsen. É possível falarmos em Ciência do Direito Tributário? Ou tudo que há é uma autonomia meramente didática?

A dúvida aparece quando pensamos na indecomponibilidade do sistema jurídico. As várias Ciências do Direito (Ciência do Direito Civil, Ciência do Direito Tributário etc.) não possuem um objeto autônomo. Como exemplo, o Direito Tributário precisa ir ao Direito Civil saber o que significa propriedade, para só então estudar os impostos sobre a propriedade.

Contudo, cremos que há autonomia científica do Direito Tributário. Na Ciência do Direito Tributário, o objeto é o conjunto de normas jurídicas que trata, direta ou indiretamente, do tributo. Uma norma de direito penal militar, por exemplo, faz parte do sistema jurídico, mas não do sistema jurídico tributário. Queremos dizer com isto que é possível abstrair, sem desintegrar, um objeto (sistema tributário) a partir de um dado (sistema jurídico). Temos assim uma autonomia científica, e não somente didática.76

A depender do ponto de vista, o (sistema do) Direito Tributário está contido dentro do Direito Administrativo. Assim pensa Geraldo Ataliba,77 ao afirmar que “o tributo é um conceito primário, que funciona como categoria dentro do sistema de conhecimentos que forma esse segmento do direito administrativo”. Também é possível entendê-lo dentro do Direito Financeiro: este abarcaria inclusive o que é feito com a arrecadação (orçamento público). Tudo depende dos recortes efetuados pelo cientista na constituição de seu objeto: não existe regra para as delimitações metodológicas.78

76

Nesse sentido, Cf. Marco Antonio Gama Barreto, O conceito de tributo no sistema brasileiro, p. 4.

77

Geraldo Ataliba, Hipótese de incidência tributária, p. 38.

78

Cf. Aurora Tomazini de Carvalho, Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico- semântico, p. 142.

CAPÍTULO II NORMA JURÍDICA TRIBUTÁRIA

No documento MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO (páginas 37-41)