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Normas penais ambientais em branco e a importância dos

No documento Pedidos dessa obra: experteditora.com.br (páginas 156-159)

ambiental

Ao contrário da norma penal em branco, o tipo penal fechado é aquele que descreve por completo a conduta criminosa. Ao interpre- tar o tipo penal fechado, o operador do Direito não necessita buscar seu complemento em outra lei, em outra norma.

O art. 121 do Código Penal ao descrever a conduta “matar al- guém” e indicar a pena em seu preceito secundário, traz um tipo pe- nal completo, hermeticamente fechado. O intérprete ou o aplicador da Lei consegue vislumbrar, sem dificuldades, a subsunção da conduta delitiva ao fato típico, não havendo necessidade de se buscar em outra norma algum complemento para o crime de homicídio simples.

Por outro lado, segundo ensinamentos de Luiz Régis Prado, nor- mas penais em branco, são “disposições incriminadoras cuja sanção é certa e precisa, permanecendo indeterminado o seu conteúdo”. Neste caso, o conteúdo da norma penal em branco deverá ser complemen- tado por outra norma, seja de origem legislativa ou de origem admi- nistrativa, na maioria das vezes, norma de natureza extrapenal. A par-

tir deste momento, a norma complementar passa a integrar o tipo, preenchendo uma lacuna concretamente existente.

Citado na obra de Luiz Régis Prado, Edmund Mezger faz a dis- tinção entre tipo fechado (que, como já visto, traz em si mesmo todos os elementos do fato punível) e tipo aberto (tipos cuja descrição não é completa e que remetem a complementações exógenas), afirmando que as normas penais em branco seriam espécies do tipo penal aberto.

Mezger fez ainda uma divisão entre lei penal em branco em sentido amplo e lei penal em branco em sentido estrito, teoria ado- tada pela doutrina moderna que assim as classifica: enquanto as “leis penais em branco em sentido amplo” (ou impróprias) seriam aquelas normas que são complementadas por outra norma jurídica oriunda do próprio Poder Legislativo, as “leis penais em branco em sentido estrito” (ou próprias) são necessariamente complementadas por atos administrativos, tais como: decretos, regulamentos, portarias, resolu- ções, etc. Ou seja, são complementadas por normas jurídicas de outro poder, no caso, do Poder Executivo.

Ainda que a técnica legislativa que cria normas penais em bran- co seja relativamente frequente, o estudioso do Direito Ambiental já deve ter observado que as normas penais em branco são muito mais comuns no Direito Penal Ambiental que nas demais especializações do Direito Criminal. Isto porque, em razão das peculiaridades e es- pecificidades do bem jurídico tutelado, as normas penais ambientais necessitam de complementação por parte de outras leis, seja lei em stricto sensu ou lei lato sensu.

A forte relação de dependência entre as normas penais ambien- tais e normas complementares seria uma consequência das peculiari- dades que a proteção ao meio ambiente apresenta. Como visto acima, o meio ambiente é formado por um conjunto de universos complexos e distintos, razão pela qual a proteção e a promoção do Meio Ambien- te são, necessariamente, multidisciplinares, envolvendo, portanto, diversas áreas do conhecimento humano, gerando uma estreita e sim- biótica relação com as normas administrativas.

Ademais, em se tratando de um bem jurídico cuja tutela pelo Di- reito Penal é relativamente recente, atribuir ao legislador a missão de prever todas as situações em que uma conduta deve ser considerada um injusto penal é uma insanidade que nos levaria a uma situação de insegurança jurídica cujo resultado mais provável seria justamente a ineficácia e inefetividade das normas de proteção penal do meio am- biente.

De outro lado, como é sabido, todo tipo penal possui dentro de sua estrutura um verbo denominado núcleo do tipo. Ao descrever a conduta ilícita, o tipo penal traz um verbo cuja finalidade é mostrar qual a ação que, se praticada, poderá ensejar a responsabilização pe- nal do autor.

Portanto, o ato administrativo que complemente uma norma pe- nal em branco, seja ambiental seja de qualquer outro ramo do Direito Penal, poderá alterar uma norma penal ambiental para diminuir ou aumentar seu alcance, mas nunca para criar, alterar ou revogar um tipo penal ou para alterar o núcleo do tipo.

A fim de ilustrar a importância e impacto dos atos administrati- vos nos delitos ambientais, analisaremos as consequências da revoga- ção da Resolução CONAMA nº 264/1999 em relação ao alcance do cri- me ambiental previsto no inciso V, do § 2º do art. 54 da Lei nº 9.605/98. A Resolução nº 264 de 1999, antes de ser revogada, proibia a utili- zação de fornos rotativos de produção de cimento para queima de resíduos domiciliares brutos, resíduos de serviços de saúde e agrotóxicos, entre ou- tros, evitando-se, assim, a poluição do meio ambiente por meio da disper- são da fumaça ou do rejeito gerado pela incineração.

Perfunctoriamente, sem maiores elucubrações interpretativas, podemos afirmar que a Resolução nº 284/2001, ou sua revogação, afeta diretamente o crime previsto no inciso V, do § 2º do art. 54 da Lei nº 9.605/98218, que assim prescreve:

218 BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. 1998. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l6938.htm. 2020d>. Acesso em 10 set. 2020.

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mor- tandade de animais ou a destruição significativa da flora:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 2º Se o crime:

...omissis...

V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, lí- quidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabele- cidas em leis ou regulamentos:

Pena - reclusão, de um a cinco anos

Como veremos, a revogação da Resolução CONAMA nº 264/2001 atinge diretamente o conteúdo do crime descrito no inciso V, § 2º do art. 54 da Lei nº 9.605/98, pois a utilização de fornos rotativos de produção de cimento para queima de resíduos domiciliares brutos, resíduos de servi- ços de saúde e agrotóxicos não pode mais ser considerada uma qualificado- ra da conduta prevista no caput do referido artigo.

O inciso V transcrito acima é bem claro quando ressalva que a conduta proibida deverá estar em “desacordo com as exigências esta- belecidas em leis ou regulamentos”.

Portanto, ainda que da poluição, produto da queima “de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas” em fornos rotativos de produção de cimento, lançada no meio ambiente em níveis que “resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”, o crime de poluição será “simples”, não incidindo a qualifica- dora prevista inciso V, § 2º do art. 54 da Lei nº 9.605/98.

No documento Pedidos dessa obra: experteditora.com.br (páginas 156-159)