• Nenhum resultado encontrado

O princípio da taxatividade no Direito Penal

No documento Pedidos dessa obra: experteditora.com.br (páginas 81-84)

O Direito Penal, dentro de um Estado Democrático de Direito, assume uma função limitadora do direito de punir estatal, condicio- nando a legitimidade da intervenção ao cumprimento dos princípios e das regras que dispõem expressamente as fronteiras da atuação. Isto, no entanto, não retira seu caráter político, afinal, até mesmo a escolha de quais condutas serão objeto da tutela penal parte de uma opção.

É neste contexto que os princípios são essenciais para a delimitação deste, sendo bases fundamentais de interpretação, de criação e de aplicação das normas penais; apesar de amplamente difundidos, estes não são discutidos com a seriedade que deveria107. Para além dos princípios da intervenção mínima e adequada e da le- sividade, que são maculados com uma frequência maior e de forma mais evidente, a legalidade também resta em cheque, até mesmo por- que seu conteúdo está muito além da necessidade de determinação prévia do delito a ser analisado.

Prevista na Constituição, no artigo 5°, inciso XXXIX, da Consti- tuição Federal, a obrigatoriedade de que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal elenca a primeira per- cepção da legalidade: a necessidade de que esteja prevista em lei for- mal o crime a ser julgado, sendo impossível a imputação de conduta por lei vigente em data posterior108. Isto, no entanto, não restringe ou

107 Exemplo da necessidade da discussão firme de princípios de Direito Penal se deu no julgamento de 2019 das Ações Declaratórias de Constitucionalidade n. 43, 44 e 54, que debatiam os termos do artigo 283 do Código de Processo Penal e a constitucionali- dade da determinação da prisão em segunda instância como efeito automático de con- firmação da condenação, ainda que não estivessem presentes os requisitos da prisão preventiva. Da mesma forma no julgamento também pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 26 e o Mandado de Injunção n. 4733, que foi equiparado ao delito de racismo as ações criminosas que tenham por fundamento a discriminação com base em orientação sexual ou identidade de gênero. 108 Aqui cabe, ainda ressaltar a correlação com a vedação de retroatividade maléfica,

limita a aplicação da legalidade, uma vez que a simples previsão legal não exclui a necessidade desta ser feita da forma mais clara e direta possível.

A taxatividade é uma das esferas da legalidade, sendo esta de caracterização essencial para a legitimação de imputação penal à pes- soa. Por meio dela, há a garantia de que a lei penal determine com pre- cisão o comportamento proibido e a sanção penal a ser imposta pela prática deste109. Não cabe ao Legislador, portanto, editar uma lei pre- vendo uma conduta sem que seja possível a compreensão das nuances mínimas a ser proibida, sob pena de violação à liberdade individual e, reflexamente, ao Estado Democrático de Direito.

Esta exigência, de uma lei certa, determina que os tipos penais não possam ser construídos com base em elementos vagos ou genéri- cos, fazendo com que seu conteúdo seja de fácil acesso a todos110. Uma vez que os representantes do povo elegem a conduta como relevante o suficiente para ser tutelada pelo Direito Penal, cabe a eles a definição de todos os elementos que sejam úteis e necessários à compreensão dos limites de atuação individual. Um tipo penal que não permite reco- nhecer suas características plenamente seria, assim, um tipo nulo111.

A taxatividade atua, assim, na concretização da segurança ju- rídica, evitando arbitrariedades não somente dos que criam as leis, como também dos que as aplicam. Eventuais lacunas deixadas pela norma nunca poderão ser superadas por interpretações extensivas, no mesmo sentido da vedação de analogias112. Na falha da previsão

também esta prevista constitucionalmente no artigo 5°, inciso XL, da Constituição, sendo determinado: a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

109 GALVÃO, Fernando. Direito Penal: parte geral. 9 ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017, p. 143.

110 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a Lei nº 7.209 de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 29.

111 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general. Traducción y notas Diego-Manuel Lu- zón Peña, Miguel Días y García Conlledo y Javier Vicente de Remesal. Madrid: Civitas, 1997, tomo I, p. 141.

112 LOBATO, José Danilo Tavares. Acessoriedade administrativa, princípio da legali- dade e suas (in)compatibilidades no direito penal ambiental. In Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 18, n. 83, p. 120-162, mar./abr.

inadequada da situação elencada pela norma proibitiva, não cabe ao indivíduo o ônus de limitar sua liberdade pela indeterminação da lei, mas sim ao Estado o ônus de não punir por violação ao princípio fun- damental da legalidade.

São por estas razões que doutrinadores defendem a inconstitu- cionalidade dos tipos penais em branco113, uma vez que a taxatividade destas condutas resta maculada pela necessidade de consulta de ele- mento normativo do tipo em outro dispositivo, seja dentro da mesma legislação ou fora desta. Partindo do pressuposto de que a norma deve ser acessível a todos, em especial aos que defendem a legitimidade do Direito Penal pela ideia da prevenção geral114, a indeterminação que obriga o acesso a norma externa consta como real óbice para a difusão do conteúdo concreto proibido.

Não há, aqui, a presunção de se olvidar demais postulados da le- galidade, ou do princípio da reserva legal, que, em conjunto, impõem a necessidade não somente da determinação específica, mas da apli- cação coerente e restrita das normas, previamente dispostas em lei formal. Cabe tão somente ressaltar que a necessidade da disposição clara da lei é ponto fundamental e que, em tempos de expansionismo do Direito Penal, segue maculada.

2010, p. 125.

113 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21 ed. São Pau- lo: Saraiva, 2015, p. 52-53. Cezar Bitencourt analisa, neste ponto, os critérios adotados por Roxin para a análise da constitucionalidade de uma lei e o equilíbrio de seu con- teúdo e de sua abstração, mas conclui que estes são insuficientes para determinar os limites da proibição, recaindo em diversos abusos da legalidade. No mesmo sentido: LEONARDO, Marcelo. Crimes ambientais e os princípios da reserva legal e da taxati- vidade do tipo em direito penal. In Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 10, n. 37, p. 153-167, jan./mar. 2002, p. 157.

114 GALVÃO, Fernando. Direito Penal: parte geral. 9 ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017, p. 77. Segundo o autor, a teoria da prevenção geral parte da ideia da intimidação difusa da sociedade pela aplicação da sanção penal. Ao ver seus semelhantes serem punidos, haveria, por esta teoria, o desestímulo à prática delituosa, sendo este um exemplo para a sociedade.

3. Breves apontamentos sobre o delito de extração irregular

No documento Pedidos dessa obra: experteditora.com.br (páginas 81-84)