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CAPÍTULO 1 – COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA: PRODUÇÃO E DIFUSÃO

1.3 Nos meandros da sociologia da ciência: a importância da produção

LIDADE, O RECONHECIMENTO E O SUCESSO DO CIENTISTA

Quando consideramos o mundo científico num contexto actual, não queremos encarar o cientista como o indivíduo que trabalha enclausurado no laboratório, em busca de um interesse individual resultante de uma curiosi- dade intelectual dispersa. Se é verdade, que a natureza lúdica da investiga- ção científica motiva o cientista, também o prazer intelectual em inventar e inovar, solucionar problemas e puzzles do mundo que nos rodeia lhe serve de condição (Formosinho, 1992, p.193).

No entanto, sabe-se também que o cientista vive, à imagem de outras actividades profissionais, num contexto social competitivo, pautado pela obtenção de sucesso (Garvey, 1999). O reconhecimento de qualquer inves- tigador reside não só no conteúdo inovador da sua contribuição mas tam- bém, e essencialmente, na forma encontrada para comunicar essa informa- ção. Neste sentido, e para que a informação produzida seja um verdadeiro contributo para a ciência, ela terá que ser comunicada de modo a que seja compreendida e verificada por outros investigadores – quem sabe, também pelo público em geral – e posteriormente utilizada na criação de novas inves- tigações. A “sobrevivência” do investigador está dependente da avaliação que lhe é atribuída, e o desenvolvimento da sua carreira, em todos os seus

domínios – publicação da pesquisa, promoções, bolsas, etc. – é condiciona-

da pelo sucesso que vai obtendo. Se bem que, como adverte Garvey, cada investigador deve colocar em evidência a sua reputação de forma individual, mantendo também uma ligação directa ao grupo onde está inserido. Este compromisso para com o grupo tem uma componente relacionada com a atitude e uma outra relacionada com o comportamento. Como atitude, expressa-se em sentimentos de pertença e de partilha de objectivos e sucessos comuns. Enquanto comportamento, traduz-se em acções que par- tilham tanto os fardos como os benefícios da comunidade. Acabamos por encontrar, neste contexto, um indivíduo que se compromete a um determi- nado grupo porque acredita na sua actividade colectiva, mas que, simulta- neamente, estabelece uma luta no interior dessa comunidade para obtenção da sua própria reputação. Esta concorrência tem a sua razão de ser na pri- mazia das contributos científicos, isto é, a reputação só é alcançada se o investigador for o primeiro a divulgar o seu contributo. Na procura desta prio- ridade, o investigador tem consciência da importância da confidencialidade em determinadas fases do seu trabalho de pesquisa: se um outro investiga- dor fizer a mesma descoberta ao mesmo tempo, ambos terão que partilhar o sucesso (diminuindo, consequentemente, as reputações individuais). Se um outro investigador fizer a mesma descoberta algum tempo antes, não só o primeiro não obterá crédito pela contribuição que desenvolveu como também não será ele que terá a possibilidade de publicar os resultados do seu traba- lho. Neste sentido, a relevância científica de um investigador pauta-se pela complexidade das relações sociais que estabelece com o grupo em que está inserido. Nesta dualidade, o indivíduo trabalha em função do grupo a que pertence e o reconhecimento desse trabalho existe em função da sua rele- vância. Segundo explicação de Garvey (1979, p.17-18):

Each scientist […] depends on other scientists to provide information to enable him to proceed with his work so that he can earn a good reputation. At the same time, he is being depended on by other scientists for his good opinion of them and his provision of information to them […] Thus, individual scientists continually “control” one another by regulating information flow”

Na perspectiva dos especialistas da sociologia da ciência, entende-se que o cientista deve balizar o seu trabalho por parâmetros colectivos, pois só

assim será capaz de obter a aprovação do grupo e o fornecimento da infor-

mação que necessita para o desenrolar do seu trabalho.

Retomando esta mesma noção, o sociólogo Pierre Bourdieu (1983) admite que o universo científico “é um campo social como outro qualquer, com suas relações de força e monopólios, suas lutas e estratégias, seus interesses e lucros” (p.122). Diz o autor:

O que está em jogo especificamente nessa luta é o monopólio da autoridade

científica definida, de maneira inseparável, como capacidade técnica e poder

social; ou, se quisermos, o monopólio da competência científica, compreendi- da enquanto capacidade de falar e de agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade) (Bourdieu, 1983, p.122-123)

Denota-se, pois, uma dupla vertente nesta luta pela autoridade científi- ca: o cientista age em função de um interesse intrínseco – tendo em conta as pesquisas que ele mesmo acha interessantes – e de um valor extrínseco, que é colocado nessa acção, e que não deve ser de todo descurado. Bour- dieu afirma mesmo que:

[…] o que é percebido como importante e interessante é o que tem possibili- dades de ser reconhecido como importante e interessante pelos outros; por- tanto, aquilo que tem a possibilidade de fazer aparecer aquele que o produz como importante e interessante aos olhos dos outros” (p.125)

Na perspectiva de Bourdieu, o percurso científico delineado pelo indiví- duo espelha uma “imposição” da comunidade em que se insere e só sairá triunfante se esta o validar:

Não há “escolha” científica – do campo da pesquisa, dos métodos emprega- dos, do lugar de publicação […] – que não seja uma estratégia política de investimento objectivamente orientada para a maximização do lucro propria- mente científico, isto é, a obtenção do reconhecimento dos pares- concorrentes (Bourdieu, 1983, p. 126-127)

O investigador trabalha, pois, em função de uma acumulação de conhecimentos, simultaneamente individual e colectiva, e é nesta dupla aquisição que se conquista a autoridade científica:

[…] o campo científico deve, entre outras coisas, sua especificidade ao fato de que os concorrentes não podem contentar-se em se distinguir de seus prede- cessores já reconhecidos. Eles são obrigados, sob pena de se tornarem ultra-

passados, e “desqualificados”, a integrar suas aquisições na construção dis-

tinta e distintiva que os supera. (Bourdieu, 1983, p.127)

Assim sendo, o reconhecimento do cientista só é alcançado quando o produto da sua investigação é considerado e colectivamente reconhecido como uma mais valia – em termos de distinção e originalidade – para a colecção dos recursos científicos já acumulados. No termo dessa conquista, o investigador obtém a “visibilidade” que o realça no seio do grupo.

1.4 O PROCESSO DA PUBLICAÇÃO CIENTÍFICA E AS CON-