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CAPÍTULO 1 – COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA: PRODUÇÃO E DIFUSÃO

1.4 O processo da publicação científica e as controvérsias sobre os

“QUALIDADE” CIENTÍFICA: CONTEÚDO VS FORMA

A ciência moderna caracteriza-se, entre outras coisas, por constituir um corpus acumulado do conhecimento científico. De facto, a existência de um “arquivo da ciência” é imprescindível à sua própria evolução:

Gracias a la accessibilidad y al orden proporcionado por esse archivo, las nuevas investiagaciones pueden, de modo bastante fidedigno, tomar a las precedentes como punto de partida y aprovechar sus logros (Maltrás Barba, 2003, p.41)

É importante assinalar que não é apenas o sentido cumulativo dos conhecimentos que convém realçar, mas também a possibilidade deste arquivo proporcionar inspiração temática, apresentar novos problemas e evi- tar que o investigador enverede por metodologias de difícil acesso.

Para contribuir efectivamente para o enriquecimento do repositório científico, o documento produzido tem que passar por um processo de revi- são/avaliação que precede a publicação propriamente dita. Nesse sentido, alguns autores consideram que o documento científico pode ser analisado segundo duas perspectivas qualitativas diferentes (Rodrigues; Lima; Garcia, 1998). Na primeira perspectiva, a análise/avaliação é feita sobre o conteúdo, isto é, a relevância do tema e a congruência da redacção. Já na segunda perspectiva, a avaliação é efectuada tendo em conta o aspecto formal do documento, os elementos estruturais que o compõem.

A análise feita sobre o conteúdo é normalmente exercida tendo em

conta o processo de revisão pelos pares (peer review), que é caracterizado pela paridade, pela pluralidade e pelo anonimato (Maltrás Barba, 2003, p.46). Na verdade, este tipo de avaliação deve ser feita por colegas do autor que se encontrem no mesmo patamar científico e, preferencialmente, na mesma área de investigação. Em ciência, atesta-se a competência e a ade- quação do autor às normas e aos critérios estabelecidos de forma integrada e auto-controlada. Ou seja: a ciência evolui e avalia-se internamente, respei- tando a paridade entre os seus membros. Tal como refere o conhecido investigador espanhol, “la ciencia moderna se ha construido sobre la base del juicio experto compartido” (Maltrás Barba, 2003, p. 48). Este processo também é caracterizado pela sua pluralidade, ou seja, o processo não é efectuado apenas por um indivíduo. Para superar possíveis erros de avalia- ção do trabalho, a revisão é normalmente efectuada por, pelo menos, dois colegas do autor, repartindo-se desta forma a avaliação efectuada e aumen- tando a fiabilidade nela depositada. A última característica apontada por Mal- trás Barba (2003, p.47) para o processo de revisão pelos pares, reside no anonimato. De facto, antes da publicação dos trabalhos, e para que a avalia- ção seja feita de forma idónea e sem qualquer preconceito, é conveniente apostar no anonimato dos elementos intervenientes no processo: autor do trabalho e árbitros eleitos para a avaliação. Neste sentido, qualquer avalia- ção efectuada individualmente nunca terá em conta a opinião alheia sobre o percurso científico do autor do trabalho avaliado. Nem uns (autores) nem outros (avaliadores) são informados a priori das identidades mútuas, preser- vando e consolidando a pluralidade já defendida. A ênfase é colocada nos méritos intrínsecos do trabalho, na sua cientificidade, anulando-se qualquer hipótese de corrupção ou desvio no julgamento do avaliador.

Segundo Pedro Demo (apud Rodrigues; Lima; Garcia, 1998), a avalia- ção do documento científico é efectuada na base do binómio que atribui uma qualidade política e uma qualidade formal ao documento. Esta última quali- dade corresponde a uma propriedade lógica, tecnicamente instrumentada, dentro dos rituais académicos usuais: domínio de técnicas de recolha, manu- seio e uso de dados, capacidade de manipular bibliografias, versatilidade na discussão teórica.

Concluem as autoras:

A passagem por essas fases ritualísticas [percurso de graduação, dissertação de mestrado e tese de doutorado] de ingresso e aceitação na comunidade dos iniciados na ciência demanda não só a capacidade de defesa oral das comunicações em congressos, como também, principalmente, a capacidade de redacção e apresentação de trabalhos […] e outros tipos de documentos científicos (Rodrigues; Lima; Garcia, 1998, p.149)

Se bem que geralmente se privilegie a qualidade política na avaliação dos documentos científicos, a qualidade formal interfere na qualidade de um trabalho científico – não só no documento enquanto um todo, mas sobretudo na sua recepção/percepção junto da sua audiência. A informação que o investigador pretende transmitir deverá ser facilmente legível para que a sua recuperação seja facilitada. As autoras (Rodrigues; Lima; Garcia, 1998) afir- mam que o suporte metodológico da qualidade formal seria a própria norma- lização. Assim, mais uma vez, reforça-se a ideia que, de certa forma, funda- menta este trabalho: o uso de normas documentais tem um papel muito importante na qualidade da produção científica.

Na verdade, a efectivação de todo o processo comunicativo – que decorre desde o início da investigação até à fase final de divulgação dos resultados – assim o exige. Segundo Cunha (1973):

A rapidez e eficiência com que se opera a transferência da informação dependem de factores diversos, entre os quais figuram os que dizem respeito à estrutura e apresentação dos trabalhos redigidos […] Essa difusão de infor- mações precisa ser processada de alguma forma e através de sistema que permita pronta assimilação […] Em todas as fases do processo informativo […] a padronização ou normalização é altamente valiosa (Cunha, 1973, p.59) Na verdade, a produção científica só cumprirá a sua função de trans- missão e troca de informação se realmente for recuperável por quem a pro- cura. Um documento científico que apresenta lacunas na sua estrutura- ção/apresentação dificilmente será perceptível e consequentemente será posto de lado pelas dificuldades de leitura criadas. Para além disso, são per- tinentes as considerações das investigadoras brasileiras Vera Lucia Octa- viano, Carla Monte Rey e Kelly Cristina da Silva:

O sistema de comunicação científica se reveste, pois, de suma importância,

ao considerarmos o desenvolvimento técnico-científico como dependente da comunicação e assimilação dos resultados das pesquisas anteriores. A estru- tura dessa comunicação vem sendo controlada pela comunidade científica, com a adoção de um conjunto de normas que ela considera ideal e que exer- cem grande influência no desenvolvimento e na divulgação das pesquisas. Essa estruturação se faz necessária quando as pesquisas passaram a ser consideradas como uma actividade social proveniente de um trabalho colecti- vo […] (Octaviano; Rey; Silva, 1999, p.177)

Sabe-se que, desde os anos 70, vários estudos indicam a qualidade formal como factor determinante para aceitação ou rejeição de trabalhos para publicação e as instituições responsáveis pela publicação de normas documentais (nacionais e internacionais, IPQ, UNESCO, FID, IFLA, ISO) têm chamado a atenção para a importância da normalização documental no processo de comunicação científica. Em 1962, a UNESCO, em conjunto com outras associações (FID, ISO, ICSU, IFLA) foi pioneira na publicação de um código de boas práticas para publicações científicas. No referido código, a qualidade do documento científico já era tida em conta numa perspectiva normalizadora. A propósito da redacção de textos pelos investigadores, diz- se o seguinte:

In drawing up his text, the author should adhere to the international rules gov- erning the abbreviations of titles of periodicals, the order of bibliographical ref- erences, symbols and abbreviations, transliteration, terminology, and the lay- out of articles (UNESCO, 1962, p.4)

Qualquer revista científica, na actualidade, também exige parâmetros normativos para aceitação dos artigos que publica (as denominadas “instru- ções para autores”). Nessa linha de actuação, grande parte dos estudos que se têm aplicado à análise dos padrões de qualidade formal, dedicam-se sobretudo à avaliação de periódicos científicos (como se sabe, considerado o veículo mais importante para a difusão da informação científica). O traba- lho de Giménez Toldeo e Román Román (1998) ilustra esta preocupação com a avaliação de revistas científicas. Ao debruçarem-se sobre os proble- mas metodológicos de revistas científicas em Espanha, os autores tiveram em conta uma série de indicadores, agrupados em cinco blocos principais, entre os quais se destaca, logo em primeiro lugar, o campo da Normaliza- ção. Também Krzyzanowski e Ferreira (1998, p.165) assumem que a “falta

de normalização de artigos científicos e da revista como um todo” pode

determinar a falta de qualidade de desempenho (forma) na publicação de revistas científicas, dificultando o trabalho de investigadores, editores, auto- res, serviços de indexação, centros de documentação e bibliotecas. Alguns autores vão ainda mais longe quando afirmam o seguinte:

La normalización de publicaciones periódicas […] se há revelado no solo co- mo un elementos eficaz de mejora de la comunicación, la difusión y la visibili- dad, sino tambiém como un factor clave en la producción, análisis y uso de las revistas científicas. Es decir, la normalización se há convertido en un elemen- to de mejora de todo el sistema de transferencia de la información científica (Devís Devís et al., 2004, p.38)

Nesta perspectiva, podemos afirmar que a normalização do documen- to científico não só facilita a sua comunicação/difusão para o exterior como também constitui um factor imprescindível para o estudo da avaliação da produção científica, nomeadamente através do estudo de citações (bibliome- tria e cienciometria).

CAPÍTULO 2 – NORMALIZAÇÃO DOCUMENTAL: