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Nossa, era uma alegria, era uma liberdade que corriam nas paredes,

porque a gente tinha bonequinho, brinquedo tudo novo e não tinha liberdade para brincar. Quando ficaram livres, um jogava brinquedo no outro, eles corriam muito, que eu acho que eles tavam preso, porque o que faltava era isso, era a liberdade, era sinal de liberdade. [...] E uma coisa que eu percebi é, que você pode dar o brinquedo mais caro, mais maravilhoso que tem, eles gostam de sucata, eles brincam mais com sucata, mais simples.

Auxiliar 1: Primeiro, inicialmente, com a A. M., tiramos cinco berços e foi deixando os

outros “pros” menorzinhos, porque tinha aqueles bem pequenininhos, de quatro meses que entrava e aqueles maiorzinhos já ia lá, ou pisava em cima, ou puxava a mãozinha ou alguma coisa assim. Então, inicialmente, foi ficando assim. Depois, em 92 até meados de abril, por aí, tinha berço, aí a gente conversando, “tava” faltando, precisava espaço na sala e foi tirado todos os berços. Todos não, minto, “ficou” três berços, aí deu aquele espaço enorme. Aí com mais um ano depois, aí eliminou todos os berços, o chiqueirinho já não existia mesmo. O chiqueirinho do berçário maior foi abolido logo quando nós viemos para cá, que foi assim a grande diferença que nós sentimos e com os berços também.

Marilda: Por que você acha que mudou bastante com…?

Auxiliar 1: Em nível de espaço.

Marilda: E aí o que as crianças ganharam com isso?

Auxiliar 1: Espaço, autonomia, foi completamente diferente. Nossa, foi assim, as

crianças mais calmas, mesmo porque até “veio” umas crianças da outra escola também, da creche. Mas, pra trabalhar foi outra coisa. Bem mais tranquilo e com orientação das professoras, né? (referindo-se ao trabalho de orientação das auxiliares e de estimulação dos bebês, que as professoras desenvolviam).

Às vezes a gente pegava uma caixa de ferrinho e “se” colocava ali no chão, aí a S. chegava, todo dia ela chegava e falava “Oi, gente bom dia tudo bem?”. Ela falava assim: “Olha, e se vocês colocarem um paninho, se vocês colocarem a tábua de passar roupa?”. E a gente era meio resistente né? “Não, mas eles vão se machucar,

vai machucar a mão”. Ela falou: “Não, coloca só um. Vamos ver o que que dá. Coloca uns tecidos assim em cima do colchão, vamos ver o que as crianças fazem”.

Auxiliar 2: [...] Ninguém sabia, tinha chiqueirinho, por causa disso (referindo-se ao

choro dos bebês), olha que esquisito pareciam uns porquinhos né? “Eles se sentem mal, ficar ali dentro sem ninguém”.

Marilda: Por conta do chiqueirinho né? Auxiliar 2: Chiqueirinho

Marilda: As crianças ficavam muito tempo ali? V., no chiqueirinho?

Auxiliar 2: Às vezes punha ali, dava brinquedo, só pegava na hora de comer, que a

gente ficava em volta. Como você ia brincar ali? Falava assim: "A gente não tem nem como ficar com contato, T.” (referindo-se ao que disse à diretora). "Eu vou resolver" (disse a diretora). Que ela era assim, você falava e ela ia atrás pra ajudar e ela ia no departamento, falava: "Não, tem como tirar, tem que pôr outras coisas porque eles ficam como se tivessem numa cadeia, eles estão inseguros, eles não conseguem ficar. Só carrinho, também não pode, tem que ter a movimentação do corpo, né?”.

Marilda: E em relação as brincadeiras entre as crianças, porque no começo eles

ficavam todos no berço. Quando tiraram os berços e eles puderam se movimentar, como foi?

Auxiliar 2: Nossa, era uma alegria, era uma liberdade que corriam nas paredes,

porque a gente tinha bonequinho, brinquedo tudo novo e não tinha liberdade para brincar. Quando ficaram livres, um jogava brinquedo no outro, eles corriam muito, que eu acho que eles tavam preso, porque o que faltava era isso, era a liberdade, era sinal de liberdade. [...] E uma coisa que eu percebi é, que você pode dar o brinquedo mais caro, mais maravilhoso que tem, eles gostam de sucata, eles brincam mais com sucata, mais simples.

Um aspecto comum nos relatos das auxiliares é o incômodo gerado pelo choro dos bebês quando ficavam nos berços e chiqueirinhos. Esse foi um dos fatores que contribui para a reestruturação do espaço, porém, nota-se no relato da auxiliar 1 que havia ainda a preocupação de que os bebês maiores machucassem os pequenos e isso foi por muito tempo motivo de resistência para a retirada completa dos berços. Nos relatos é possível perceber, que no início o espaço não era compreendido como terceiro educador, um ambiente que pudesse promover aos bebês possibilidades de exploração, escolha e aconchego, a retirada dos berços foi compreendida como oportunidade de ampliação do espaço. Essa compreensão, do

espaço como um educador, começou a se construir a partir de ações formativas e reflexões sobre as necessidades dos bebês. Foi necessário conhecer de fato quem eram as pessoas que ocupavam aquele espaço, para transformá-lo em ambiente. “ Ao pensar no ambiente é preciso conhecer os seres que o habitam e construir com eles uma experiência de vida temporal nele enraizada” (BRASIL, 2009, p.91).

A percepção de que os bebês tinham preferência por brincadeiras com sucatas é um ponto a ser destacado porque revela um olhar atento da educadora sobre a forma como os bebês empreendem suas brincadeiras.

Quadro 9: Tema Corpo e linguagem – Diretora

Corpo e linguagem – Diretora

Diretora: Porque pra retirada dos berços a gente não podia deixar um espaço vazio, a

sala toda grande sem nada, a gente precisava introduzir os cantos também. Pra introduzir os cantos tinha que ter material para fazer pequenas divisórias que conseguissem ver as crianças do outro lado, mas que seria assim praticamente "aqui é um local mais pra descansar, aqui é pra dormir mesmo, aqui é pra contar uma história, aqui esse canto é pra brincar" queríamos que elas também se apropriassem disso, né? (referindo-se às auxiliares).

Diretora: [...] Naquela época não se preocupava assim que tivesse que ler um livro

para as crianças de história, que eles precisavam ficar frente ao espelho pra ter essa parte do desenvolvimento corporal... que mais? [...] O sofá que elas faziam de caixa de leite, os móbiles, as divisórias eram assim encantadoras.

[...] eu penso, que os bebês ficaram numa situação tão confortável depois que a gente entrou e conseguiu fazer todo esse trabalho com os berços, com os carrinhos, com os cantos, que eles não eram mais presos e que eles, a gente, sentia até mais alegria assim, tanto nas auxiliares que não tinham mais aquela obrigação de tá ali, o bebê tá chorando, ela tem que tirar do berço enquanto que eles mesmos se entendiam no chão porque um chorava, mais há pouco outro estava sorrindo e aquele movimento já não favorecia só a questão do choro né? Favorecia a outra parte de alegria deles, isso mexeu muito com a gente, comigo.

A diretora revela em suas falas que os espaços vazios começaram, intencionalmente, a transformarem-se em ambientes, pensados e construídos com a participação das auxiliares apoiadas nas observações que faziam dos bebês. Segundo Forneiro (1998), apesar de estreitamente relacionados, há distinção entre espaço e ambiente. Considera-se que o espaço compreende os locais onde ocorrem as propostas, incluindo materiais, mobiliários e decoração; já o ambiente abarca o espaço físico e as relações que nele se estabelecem, permeadas por afetos entre os envolvidos, crianças e adultos. Ambiente é lugar de encontros. A preocupação em envolvê-las na organização dos espaços era parte das ações formativas desenvolvidas pelo Projeto Bebê 2000 e contribuiu para que as educadoras pudessem percebê-los como espaços de aprendizagens. A compreensão de que os bebês se comunicam por meio de muitas linguagens é uma premissa na docência de bebês. A linguagem corporal é sem dúvida a mais expressiva forma de comunicação dos pequenos. Nos primeiros anos das creches em São Caetano do Sul, essa linguagem estava de certa forma silenciada e o choro foi a linguagem utilizada pelos bebês para expressar o desconforto dos corpos silenciados.

Observa-se que as educadoras foram a partir das demandas do dia a dia aprendendo a ler o que os bebês comunicavam por meio de suas muitas linguagens. As hipóteses que as educadoras levantavam eram testadas de forma empírica. Um exemplo foi a percepção de que estar preso nos berços era o que, possivelmente, provocava o choro; deixá-los soltos foi uma tentativa de solucionar o problema, oferecendo um espaço amplo onde pudessem se movimentar. A organização dos espaços transformando-os em ambiente foi um segundo passo que exigiu não só observação atenta das educadoras sobre como as crianças atuavam no espaço, como também formação para que houvesse a compreensão de que o que transforma um espaço em ambiente é a intencionalidade do(a) educador(a) na busca de oferecer situações promotoras de exploração, interação e autonomia. Tardif (2014, p.39), ao tratar dos saberes experienciais dos professoras diz que no exercício de sua prática profissional o professor “desenvolve saberes específicos, baseados em seu trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio. Esses saberes brotam da experiência e são por ela validados”. Nesse sentido, as educadoras foram constituindo sua forma de conceber os bebês a partir das vivencias diárias.

5.2 Escuta e interações - “porque eles... são eles que têm as minúcias, os

pequenos”

Quando falamos de corpo e linguagens é impossível não adentrarmos na discussão sobre escuta e interações, porque a escuta do(a) educador(a) é o elemento mais potente de comunicação com os bebês e a interação bebê- educador(a) é resultado dessa comunicação. Porém, não trataremos aqui, exclusivamente da interação entre educador(a) e bebê, mas de outras formas de interação que emergiram dos relatos das educadoras, uma vez que o berçário é um espaço de múltiplas interações: entre os(as) educadores(as) e os bebês, entre os bebês, entre os bebês e as crianças maiores, entre as auxiliares, entre professora (quando há a presença dessa profissional) e auxiliares, dos bebês com o espaço e materiais, entre educadoras e famílias, entre educadoras e gestoras (diretora e proaudi) e entre educadoras e equipe de apoio (lactaristas, merendeiras, serventes e provedores (as))etc. É possível dizer que as interações tem reflexos na vida dos bebês e também na constituição da identidade profissional das educadoras, pois envolve, atribuições e pertenças. Para Dubar (1997), a socialização é um processo de identificação de constituição da identidade. Socializar-se é assumir o sentimento de pertença ao grupo, isto é, “assumir pessoalmente as atitudes do grupo que, sem que nos apercebamos guiam as nossas condutas” .

O processo de socialização vivido pelas educadoras em suas diversas interações, foram modificando sua forma de se relacionar com os bebês, as famílias, as professoras e gestoras.

Quadro 10: Tema Escuta e interações - professoras

Escuta e interações - Professoras