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Olha, complicado É fazer papel de primeiro: mãe, professora, amiga, é

como que eu falo? Impor respeito, cuidado, o cuidado principalmente né? É, não sei se é disso que você tá falando? É, não deixar que nada acontecer, dá importância pra quando acontecer alguma coisa, não é nunca é nada. Não é porque o bebê não fala que você acha que nunca é nada, às vezes uma coisinha de nada é mais grave né? Tem, o foco é olhar muito, bebê de berçário se tem que olhar muito o rostinho dele, muito que ele fala com o olhar, não fala com a voz, você bate olhar você sabe o que ele tem, o que ele quer.

No relato da auxiliar 1, a passagem da gestão da creche pela Secretaria de Assistência Social para o Departamento de Educação e Cultura trouxe o “pedagógico” que promoveu o desenvolvimento das crianças e organizou a rotina. É possível pensar que o “pedagógico” refere-se às propostas que eram desenvolvidas com os pequenos; as ações de cuidados parecem não se encaixarem nessa categoria. A auxiliar 2 relata como principal atribuição da auxiliar o cuidado, a proteção de não permitir que nada aconteça à criança. Esse cuidar do qual se refere a educadora é também educar.

Quadro 18: Tema Cuidar-Educar – Diretora

Cuidar-Educar – Diretora

Marilda: Pra trabalhar com bebê o que você acha que é necessário, o que o educador de

bebês precisa ter? Existem requisitos necessários para trabalhar com os bebês? Elas precisam conhecer, saber....

Diretora: Ah na verdade, como elas já vêm de uma experiência, porque não são pessoas

chegam na escola, na verdade, hoje continua novamente a mesma coisa, elas voltaram a cuidar então, que a gente precisa fazer todo trabalho novamente dentro da escola com elas, dizendo que os bebês não são só para serem cuidados na escola, porque elas vêm pra nós sem essa percepção, mesmo do que fazer e a gente que tem que fazer o cuidar e educar novamente.

Marilda: Tivemos momentos na Rede que havia professoras e havia uma fala muito

recorrente de algumas professoras, elas diziam que não se sentiam professoras nos berçários, por que que você acha que elas pensam assim? Por que que você acha que elas têm essa fala?

Diretora: Ai realmente eu não consigo entender muito isso porque o berçário é uma fase

difícil realmente pro professor que vem de uma pedagogia, ele já pensa em estar junto às crianças com outros tipos de fazeres, né? E no berçário como tem primeiro essa parte do cuidar logo no começo do ano não tem como ser diferente, primeiro você tem que conhecer cada criança, tem que se inteirar de como é cada um, os horários deles são totalmente diferentes, uns dormem outros estão acordados, então são muito diferentes das crianças maiores, que já entendem até o que você fala né? Eu acredito mesmo que para um professor deve ser muito difícil, assim, se inteirar de toda essa situação e também porque tem as auxiliares que têm prática na verdade com os bebês, que já estão acostumadas com aquela dinâmica da sala, porque quando a gente faz as escolhas no início do ano, lógico que a gente seleciona realmente quem vai para o berçário, quem vai para o grupo I porque a gente já tem esse feeling pra perceber quem realmente vai conduzir melhor aquela sala né?

Marilda: Quando vocês iniciaram esse projeto, as auxiliares que trabalhavam com os bebês,

já tinham uma vivência da prática de sala de aula e como foi isso, como vocês lidavam com essas experiências que elas já tinham, que elas já traziam?

Diretora: Sim, a gente sempre tirava um pouquinho, um pouquinho não, muito do que já

tinham de experiência porque pra lidar com bebê tem que ter experiência também, mas elas se preocupavam muito com o cuidar. Naquela época não se preocupava assim que tivesse que ler um livro para as crianças de história, que eles precisavam ficar frente ao espelho pra ter essa parte do desenvolvimento corporal... que mais? A gente fazia tanta coisa assim desses campos, que nós fomos montando... e muitas músicas direcionadas para os bebês que a gente tinha na época e tem até hoje, mas que elas não imaginavam que aquilo poderia ser uma dinâmica da escola no dia a dia para um bebê, então para elas era aquela coisa só do cuidar mesmo, não tinha o cuidar e o educar. Foi aí que a gente começou a introduzir, e a gente sempre falava para elas que elas cuidavam e educavam, mas que a gente tinha uma outra forma que poderia ser feito de tudo que elas já sabiam.

Semelhante ao relato das professoras, é possível notar no discurso da diretora a oposição cuidar X educar. Em um trecho do relato a diretora diz: “elas voltaram a cuidar” referindo-se ao momento atual. Porém o cuidado nunca deixou de existir; somos seres que cuidam e que precisam de cuidados, e isso se faz necessário no espaço dos berçários, devendo ser entendido de forma não dicotomizada da dimensão do educar. Pensar o cuidar e o educar em uma perspectiva de oposição pode levar ao engano de que o cuidado não exige intencionalidade e qualificação. Essa dicotomia produz marcas que são elementos da identidade profissional da educadora de bebês. Na trajetória profissional das auxiliares, as práticas referentes ao cuidado (alimentação, higiene, sono e proteção) não tinham a mesma relevância daquelas consideradas como educativas ou pedagógicas (propostas de exploração de materiais, música, brincadeiras, contação de histórias). Há, porém, nas duas, elementos do cuidar e do educar por isso são indissociáveis o que evidencia que não há uma única ação desenvolvida nos berçários que não seja pedagógica que não se configure como cuidar e simultaneamente educar. No relato, a expressão: “os bebês não são só para serem cuidados” é preciso ser entendida como: as ações de alimentar, higienizar e proteger não podem ser as únicas práticas realizadas nos berçários, se considerarmos o potencial dos bebês.

Chegamos aqui a algumas reflexões sobre a maneira como vem se dando a constituição da identidade das educadoras de bebês em São Caetano do Sul. Há atribuições que, de certa maneira, foram impostas às educadoras, pelas próprias demandas do trabalho com os bebês e pela ausência do professor; tais atribuições foram sendo assumidas como pertenças e se configuraram como parte da identidade profissional dessas educadoras. Nesse sentido, Dubar (1997, p. 108) observa que “a construção das identidades faz-se, pois na articulação entre os sistemas de ação que propõem identidades virtuais e as trajetórias vividas, no interior das quais se forjam as identidades reais a que aderem os indivíduos”.

Durante a trajetória profissional dessas educadoras, houve momentos nos quais as atribuições foram assumidas como suas, em outros, foram questionadas ou negadas, o que revela que o processo de constituição da identidade é dinâmico e se transforma de acordo com os diferentes contextos e momentos históricos.

Dentro desse processo, alguns elementos constitutivos dessa identidade podem ser observados a partir dos temas levantados para análise. A concepção de que os bebês se comunicam por meio de muitas linguagens foi construída, como apresentado até aqui, através das práticas e de ações formativas que colocavam as educadoras diante de reflexões sobre os seus fazeres. Além disso, as educadoras foram desenvolvendo a capacidade de ler essas diversas linguagens, através de uma escuta atenta compreendida por elas como “olhar” e “observação”.

O sentido de interação foi ampliado, uma vez que as interações se davam nos primeiros anos, essencialmente entre educadoras e bebês, porém essas interações aconteciam em uma relação verticalizada, que dependia unicamente das ações do adulto em direção às crianças. Dentro de um processo que envolveu a escuta e o reconhecimento do potencial dos bebês, foi possível dar outro significado às interações. É possível dizer que as educadoras de bebês concebem hoje os bebês como seres potentes que se expressam por meio de muitas linguagens e que utilizam essas linguagens para interagirem com o mundo.

No que se refere às famílias, observa-se que há o entendimento por parte das educadoras de que são reconhecidas por elas como “cuidadoras”. É possível perceber que as educadoras negam o papel de “cuidadoras” atribuído pelas famílias não tomando como pertença. Essa negação se revela nos materiais que produzem para compartilhar com as famílias nas reuniões.

A rejeição à atribuição de “cuidadora” revela a maneira como os cuidados são compreendidos pelas educadoras. O que de certa maneira reafirma a dicotomização identificada nos relatos. É possível dizer que os cuidados dentro do contexto de São Caetano do Sul são considerados como de menor importância e não como prática educativa. Esse talvez seja o ponto mais relevante dessa pesquisa, já que muito tem se discutido sobre essa especificidade do atendimento aos bebês.

6 - PRODUTO - VÍDEO DOCUMENTÁRIO: HISTÓRIAS DOS BERÇÁRIOS EM