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Notação das técnicas específicas da viola caipira

Foto 30 – Capa do LP De Norte a Sul uma viola matuta, solista Julião, RCA

5. O AVIVAMENTO DA VIOLA CAIPIRA

6.1 A notação musical

6.1.3 Notação das técnicas específicas da viola caipira

Os recursos técnicos de um instrumento podem variar de acordo com o tipo de música que se faz ou mesmo com a incontornável idiossincrasia de cada instrumentista. O tocador de rabeca Siba265, ao justificar aspectos de sua expressão musical com a rabeca, disse em determinada ocasião, “tudo que os violinistas jogam no lixo eu pego pra mim”. Esta frase diz muito da busca deste músico por um sotaque próprio cujo caminho o levou a desconstruir o estabelecido, reinventando outro tipo de sonoridade.

De maneira geral, a busca de instrumentistas por uma expressão musical própria implica experimentações sonoras, desenvolvimento de técnicas próprias e busca de um tipo de sonoridade que os identifique. No caso da viola, por ser um instrumento cujo processo de escrita só muito recentemente se (re)estabelece, esta busca incessante a diferencia de todos os demais instrumentos cujas escritura, poíesis e práxis encontram-se já muito mais consolidados. Nesta perspectiva, o que parece ser algo novo pode, na verdade, ser descoberta comum a quem ousa novas formas de tocar, ou seja, outros músicos podem ter seguido pelo mesmo caminho, o que não significa a mesma sonoridade, mas recursos técnicos semelhantes. Entendemos, e sempre tivemos isso em mente, que a descoberta de algo novo na lida com o instrumento, certos tipos de sonoridade, ornamentações diferentes, entre outros detalhes, pode não ser original, isto é, pode já ter sido utilizado por outros instrumentistas do passado. Afinal, temos para a viola uma história de mais de 500 anos. Neste sentido, a falta de sinalização para detalhes técnicos nas tablaturas antigas, ou mesmo em algumas partituras, não significa uma inexistência, mesmo porque pode ter sido proposital a não revelação destes detalhes ou mesmo ter havido uma dificuldade em transcrevê-los.

Sobre ornamentos, “[...] mas como estes não podem ser demonstrados através da fala ou da escrita, então seria melhor que você imitasse algum instrumentista cheio de artifícios” (BESARD apud SOUZA BARROS, 2008, p. 25)266. Há violeiros ainda que não revelam detalhes de sua técnica para que outros não as utilizem, porém, em algum momento, estes detalhes são desvendados por músicos de boa percepção auditiva, ainda mais quando existem

       

265 Siba é compositor, poeta, cantador e tocador de rabeca. Participou do grupo Mestre Ambrósio e, até pouco

tempo, do grupo Fuloresta do Samba. Em 2009, gravamos juntos o CD Cara de Bronze.

266 “but seeing they cannot by speech or writing be expressed, thou wert best to imitate some cunning player”

(DOWLAND, 1956, p. 3). DOWLAND, Robert. Varietie of Lute lessons. Londres, 1610. Editado em fac-símile com introdução de Edgard Hunt. Londres, Schott, 1956. Tradução de John Dowland das informações encontradas no Thesaurus Harmonicus de Jean Baptiste Besard. Cologne, 1603.

gravações de tais instrumentistas. Em todo caso, é mais do que sabido: o que é tocado pode ser imitado267.

É na posição de professor de viola caipira que sentimos necessidade de nominar as técnicas específicas de velhos violeiros que encontramos em nossas pesquisas, assim como as técnicas que fomos desenvolvendo na lida com o instrumento. Entendemos que facilitar o repasse dessas técnicas contribui consideravelmente para o desenvolvimento do instrumento e de sua música. Isto posto, apresentaremos as técnicas específicas para a viola caipira usando nominações colhidas, aqui e ali, em pesquisas de campo e inventando símbolos para todas elas. Pode ser que algumas estejam escritas com outras simbologias, em algum tratado ou método, mas como não as encontramos, lançamos mão à inventividade. O que importa, no nosso modo de ver, é que técnicas específicas ou gerais de qualquer instrumento sejam conhecidas e sinalizadas para que intérpretes e criadores as entendam e utilizem com propriedade.

       

267 Verdade ou não, um caso acontecido há mais de duzentos anos. Na Capela Sistina do Vaticano, vez por outra,

um coro entoava uma música que a todos encantava, Miserere, de Allegri (1582-1652). O papado proibiu que qualquer cópia das partituras desta obra deixasse a Capela sob pena de severas punições. Certo dia Mozart, em visita à capela, ouve a música e quebra o monopólio a escrevendo de memória (Encarte do CD ALLEGRI

Miserere, The Tallis Scholars – directed by Peter Phillips. Gimell CDGIM 339, 1990).

Notação musical 15 - Efeito Esticada, Roberto Corrêa, 2014. DVD A Arte de Pontear Viola (lançamento previsto para 2014).

Notação musical 16 - Efeito Parada (CORRÊA, 2000, p. 85-86).

Matada Seca

… obtida ferindo-se as cordas de cima para baixo, com um ou mais dedos da m„o direita, abafando-se o som com a borda interna da m„o direita.

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Notação musical 19 - Efeito Matada Seca (borda da mão) (CORRÊA, 2000, p. 87).

Notação musical 21 - Efeito Matada Rasgada (borda da mão) (CORRÊA, 2000, p. 88).

Matada Sutil

Percute-se as cordas do par com o médio e o anular, em um movimento de rasgueio, abafando-se o som com o dorso da unha do indicador. O efeito é bem suave, apenas para “ritmar” a melodia.

O domínio dos fundamentos técnicos resulta em melhores performances e, por decorrência, maior liberdade para a criação seja na improvisação ou na composição. Por outro lado, a preparação do instrumento faz parte deste processo, pois implica diretamente a

performance. No capítulo 3.4, “Características da viola na região caipira”, apresentamos o

recurso da entonação, imprescindível para que o instrumento soe afinado. Outro procedimento que facilita o dedilhado nos pares oitavados é alinhar as duas cordas do par (a encapada e lisa) por cima. Ou seja, aprofundar mais o sulco no osso do cavalete da corda mais grossa, de modo que a parte de cima das duas cordas, a lisa e a encapada, estejam no mesmo nível. Este procedimento facilita o toque da unha dos dedos indicador, médio e anular nas duas cordas do par.