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NT que refletem uma leitura do texto enquanto um texto religioso (sagrados)

4.3 Notas de tradução em diferentes gêneros textuais

4.3.2 NT que refletem uma leitura do texto enquanto um texto religioso (sagrados)

Goddard (1999), em um artigo que trata do sistema de notas de tradução da Bíblia New

International Version, analisa a tradução do Velho e do Novo Testamento e expõe as

principais situações em que se usam as notas. Também apresenta a metodologia tipográfica para a confecção de notas, contendo regras para o uso do itálico, das pontuações e da repetição de casos recorrentes. De modo geral, o autor recomenda sempre o uso de notas para ajudar o leitor na compreensão do texto; mesmo que estas não sejam lidas e nem muito bem vistas pelo leitor médio. Interessante também é a justificativa ética desta prática, devido, principalmente, às variações entre os manuscritos originais que compõem a Bíblia e as diferentes interpretações que este fato pode gerar. E parece ser justamente por causa deste contexto que Goddard acha ser o uso de notas pelo tradutor um atestado da sua exaustiva pesquisa e competência na língua do texto original. Acrescenta-se também o fato de as traduções da Bíblia serem feitas em equipe, o que exige bastante discussão e fundamentação das propostas de cada um dos tradutores. Goddard (1999, p. 32) afirma que, mesmo com o tratamento da Bíblia como mensagem divina e com o grande zelo que o texto recebeu, durante o processo de cópia houve inúmeros erros. Isto tornou sua tradução mais complicada, somando-se o fato de a Bíblia ser um conjunto de diferentes textos e, muitas vezes, somente de traduções. Tornam-se necessárias muitas pesquisas pelas várias versões, traduções e textos paralelos para se chegar a uma compreensão mais assegurada. O pesquisador (1999, p. 34,35) afirma que as notas muito importantes devem entrar no meio do texto, porém também apresenta (GODDARD, 1999, passim) vários casos em que se usam notas fora do texto – i.e. no rodapé, ao final do capítulo etc.:

a) trechos com traduções alternativas importantes;

b) divergências entre a tradução proposta e o original, sugerindo que o leitor investigue mais a fundo por ele mesmo;

c) erros do escriba no texto original que podem ser provados com referências cruzadas a outras passagens do texto;

d) diferenças na grafia de versões do original;

e) traduções alternativas quando não há consenso entre o grupo de tradutores, servindo para chamar a atenção do leitor para que ele investigue mais antes de tirar as próprias conclusões;

f) palavras ou frases que possuem interpretação duvidosa devido à dificuldade de compreensão do original;

g) equivalentes dinâmicos31, usando-se a domesticação na tradução com uma nota estrangeirizadora;

h) unidades de medida, mantendo as originais para dar o “clima” de texto antigo e a tradução em um nota;

i) variações dos nomes de uma mesma pessoa, pois a padronização dos nomes no texto só ocorre para pessoas e lugares bem conhecidos;

j) explicação do jogo de palavras no original; k) trechos onde traduções canônicas divergem;

l) quando não há muita evidência no original para sustentar a tradução proposta; m) trechos de compreensão difícil;

n) referências de citações no original de textos da própria Bíblia, outras notas e outros textos relacionados à Bíblia.

Nida (2001, p. 22-28), em um artigo sobre tradução da Bíblia, contextualiza brevemente a origem dos textos que a compõem, a história da sua tradução e aborda questões lingüísticas e sócio-lingüísticas envolvidas nesta tradução. Sobre o último ponto, que inclui o uso de notas de tradução, o autor (NIDA, 2001, p. 24-25) coloca que

a number of matters that might seem uncontroversial in a secular context take on great sociolinguistic importance in a biblical context, especially in matters of canonicity, textual reliability, dialect differences, levels of language, degrees of literalness, format, and supplementary material such as notes, introductions, and prefaces.32

31 Termo cunhado por Nida (1964) diz respeito à qualidade da tradução para a qual a mensagem do texto de origem foi transportada para a língua do receptor de tal forma que a resposta do receptor é essencialmente como a dos receptores do texto original (NIDA & TABER apud SHUTTLEWORTH, 1997, p.47).

32 “várias questões que não parecem ser controversas em um texto secular tomam grande importância sócio- lingüística em um contexto bíblico, especialmente questões de canonicidade, confiabilidade [...continua p.43

Cada uma destas questões é tratada com mais detalhes e Nida afirma que a maioria dos leitores da Bíblia gosta de suplementary material (material suplementar). Constam aqui prefácios que apresentam a base textual para a tradução e os princípios e procedimentos utilizados na preparação do texto, glossários, índices e mapas relacionados às histórias. O autor (NIDA, 2001, p. 27) coloca que essa rejeição está ligada à visão desses materiais como “ladrões” da auto-suficiência e parecem sugerir “that the Holy Spirit did not know best what

people should receive”33. No entanto Nida ressalta que em muitos casos as notas são indispensáveis para a maioria das pessoas, como nos casos das variações de nomes próprios e de costumes culturais e idiomas muito diferentes dos do leitor. O autor também defende o uso de introduções como ferramentas para a compreensão do contexto cultural e histórico de cada livro. Nida finaliza o artigo apresentando princípios e procedimentos de tradução que a maioria dos tradutores da Bíblia tende a seguir. Entre eles estão o uso de notas para colocar informações contextuais, introduções aos capítulos e glossários.

Trabelsi (2005, p. 400-411) comenta a dificuldade de tradução do Corão para o francês e afirma que este problema é devido a dois fatores: a densidade semântica e a riqueza estilística do texto original. Segundo a sua pesquisa, as traduções acabam privilegiando uma dessas duas características, criando dois conceitos de fidelidade. Porém, prossegue a autora, o problema essencial de tradução, neste caso, é semântico e não estilístico. Ela conclui assim devido a uma análise de quatro traduções, percebendo que o maior determinante é o status do

Corão como um texto sagrado. Essa característica gera, por exemplo, grandes dificuldades de

aceitação de traduções que divergem das interpretações dos exegetas renomados entre os muçulmanos. Há grupos mais tradicionais que afirmam ser impossível traduzir o Corão, sendo uma tradução por si só uma afronta à palavra de Deus. Estes exegetas colocam que o

Corão deve ser estudado somente no original para se evitarem quaisquer “desvios” e mesmo

porque o estilo do texto original “divino” é inigualável. Esta forte crença quanto à sua intraduzibilidade foi o fator que mais adiou as traduções para o francês, que tiveram início somente no séc. XX.

A autora coloca que há a possibilidade de complementar as traduções com informações em notas, como para os seguintes casos:

a) explicações, por exemplo, comentários sobre um verso;

... continuação da p.42 textual, diferenças dialetais, registros de linguagem, níveis de literacidade, formato e material suplementar como notas, introduções e prefácios” (minha tradução).

b) explicação de elipses que não são comuns na língua francesa; c) explicação de alusões;

d) comentários pessoais sobre a atual realidade muçulmana e sua relação com o que está posto no Corão;

e) comparação com a Bíblia cristã;

f) comparação com a poesia árabe pré-islâmica.

Quanto às formas tipográficas das notas, encontraram-se os seguintes casos: a) notas entre o texto da tradução e o texto árabe original;

b) notas no rodapé da página.

4.3.3 NT que refletem uma leitura do texto enquanto um texto filosófico

Seligmann (1998, p. 28,29) afirma, no contexto da tradução de textos filosóficos, que uma das principais peculiaridades da tradução deste gênero “é o papel central que as notas explicativas desempenham”. Ao analisar traduções de textos filosóficos como de Fichte (1980) e Novalis (1988), todos do tradutor Torres Filho, Seligmann (1998) propõe a seguinte classificação das notas empregadas nestas obras:

a) notas que indicam o termo ou frase no original; b) notas que visam esclarecer determinados conceitos;

c) notas que procuram destacar as relações de assonância e eufonia do termo original;

d) notas que indicam detalhes, correções, adendos ou rasuras do manuscrito, ou que apontam para erros ou variantes das diferentes reedições;

e) notas que ressaltam o uso de estrangeirismos no original;

f) notas que esclarecem quem são as pessoas, autores e obras mencionados;

g) notas que indicam que o texto já aparecia no original em determinada língua estrangeira;

h) notas que fornecem variantes de tradução e/ou de interpretação; i) notas irônicas.

O pesquisador (1998, p. 29) continua afirmando que “há uma relação direta entre o discurso filosófico-prosaico e o uso de notas”, pois a “intertextualidade é não apenas uma constante, mas, pode-se dizer, constitui o seu cerne”. Seligmann (1998, p. 29) coloca que as notas são um dos modos de explicitar este diálogo característico dos textos filosóficos.

Gulmini (2004, p. 595-600) elabora uma tradução de um texto filosófico do sânscrito (Yoga-S™tra de Patañjali, cf. GULMINI, 2002) e propõe uma reflexão sobre intertextualidade e inter-discursividade como recursos metodológicos importantes para a recuperação dos sentidos intencionais dos textos de partida no caso de traduções interculturais. Os dois grandes temas abordados são “texto e contexto” e a “questão semântica”. A autora (2004, p. 597) explica que o estilo extremamente compacto do texto, em aforismos, está ligado às suas origens – uma comunidade discursiva fechada de praticantes de yoga, de

forma a somente serem passíveis de interpretação pelos membros de sua própria formação discursiva, por exprimirem um vocabulário teórico, cujas bases e matrizes de sentido são determinadas pelos sistemas que as fundamentam. [...] O processo de tradução de um discurso produzido por outra cultura geralmente apresenta estes fortes mecanismos de adaptação ideológica, resultando, na maior parte das vezes, numa interpretação bastante distante daquela suscitada pelo mesmo discurso, quando inserido no contexto dos interlocutores para os quais foi produzido.

A autora afirma que a tradução de um texto como este é possível, porém “ela esbarra em obstáculos que exigem do tradutor um ‘duplo’ trabalho de tradução: de um lado, o texto; de outro, a cultura e o contexto...” (GULMINI, 2004, p. 595). Como solução, a proposta é a de se incluir referências e comentários.

Verificamos, portanto, que a recuperação dos contextos que propiciaram o surgimento e veiculação de determinado texto — recorrendo-se para isso a referências não apenas históricas como também textuais e intertextuais — revela-se fundamental para uma proposta de tradução de um texto produzido por outras formações discursivas e culturais, em outros espaços e tempos. (GULMINI, 2004, p. 597-598)

[...] numa tradução intercultural de um texto teórico pertencente a uma teoria inexistente na cultura de chegada, a recuperação de intertextualidades e interdiscursividades torna-se procedimento fundamental, e o que é considerado como "tradução literal" do texto em si, na sua imanência, sem referências e explicações, torna-se a tradução menos literal possível [...]. Por esta razão defendemos que uma tal tradução deve ser exaustivamente comentada... (GULMINI, 2004, p. 600)

5 CORPORA NOS ESTUDOS DA TRADUÇÃO

Este capítulo comenta o uso de corpora nos estudos da tradução de forma breve e também apresenta as suas classificações pertinentes ao corpus utilizado nessa dissertação.

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