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O resultado, quanto ao objetivo geral, foi atingido pela descrição das NT em edições brasileiras da BG, segundo a metodologia de etiquetas criada para este fim. Assim, descreveu- se a localização, a forma de apresentação e o conteúdo de cada NT do corpus. Diferente de

uma descrição “pura”, como a apresentada no capítulo anterior, apresenta-se agora os resultados mais reflexivos sobre aquelas análises, principalmente em conjunto com os conceitos fundamentados no início da pesquisa, nos capítulos sobre conceitos de tradução (3) e notas de tradução (4).

8.1.1 Memes de tradução

Apresentam-se aqui algumas reflexões sobre memes de tradução da BG, através da própria possibilidade de se descrever as NT utilizando-se as etiquetas criadas. De certa forma, cada etiqueta poderia ser considerada um meme ou uma idéia, já que nenhuma ocorreu isoladamente em uma tradução; todas, umas mais, outras menos, estão presentes em pelo menos três traduções. Lembra-se aqui dos exemplos de memes que Chesterman (1997, p. 8, já citado em 3.4), comenta: original-tradução, equivalência, intraduzibilidade, livre-versus- literal. Apesar e cada etiqueta evidenciar memes, é o agrupamento de algumas delas que demonstra esta questão mais claramente.

Tomando-se primeiramente as etiquetas que continham algum tipo de referência a culturas diferentes da hindu, na qual BG está inserida, pode-se notar um meme “universalidade-de-idéias”. Ou seja, há uma idéia, um meme, de que supostos significados do texto da BG são comparáveis com outras idéias de outras culturas ou universais (como preferem alguns tradutores); e, assim, passíveis de serem colocados em uma espécie de equivalência de idéias com as de outras culturas e tradições, como a grega, a científica, a cristã, a budista... Apesar de estas referências interculturais não terem sido as mais expressivas dentre todas as etiquetas, principalmente pelo cálculo do índice de relevância mostrado na Tabela 15 (p. 91), são idéias presentes em várias traduções e que estão à disposição do tradutor, apesar de não chegarem a ser normas. Este mesmo meme pode abarcar as referências à própria cultura da BG, marcadas pelas etiquetas Referência a outros

tradutores da BG e Referência a outros textos sânscritos, o que denota a idéia de que uma

tradução da BG está inserida dentro de outras traduções e textos sânscritos, num meme “intertextualidade”.

Nesta mesma busca por memes, pode-se também agrupar as etiquetas Explicação sobre

mitologia hindu, Explicação sobre antonomástico e Explicação sobre cultura indiana como

indícios de um meme “diferença-cultural”. Esta seria a idéia, em um certo sentido até oposta à “universalidade-de-idéias”, de que há características culturais expressas no texto da BG,

através de aspectos mitológicos, literários e sociais, que são diferentes da cultura do texto da tradução. Esta questão pode parecer evidente, mas, lembra-se, há a opção de se ignorar este

meme, como alguns tradutores preferem fazer, por exemplo, ao omitir nomes das divindades e

antonomásticos. Este meme de tradução parece também ser uma grande questão de outros textos sagrados, como demonstrado nos exemplos de NT da Bíblia, apresentados por Goddard (1999) e Nida (2001) (veja 4.3.2). Este meme “diferença-cultural”, diferentemente de “universalidade-de-idéias”, representa etiquetas que apresentaram um conjunto maior de índices de relevância, ou seja, são, também, memes mais populares.

Um último agrupamento de etiquetas que representa o maior índice de relevância em conjunto é de Comentário, Informação do texto sânscrito, Explicação sobre a tradução,

Definição de termo técnico e Apresentação de sinônimos, antônimos e tradução alternativa.

Estes conteúdos das NT parecem evidenciar o meme “intraduzibilidade”, ou seja, uma idéia de que o texto traduzido dos versos não se sustenta sozinho e precisa do apoio de um paratexto, um metadiscurso. Esta suposta intraduzibilidade parece se enquadrar também no meme Palavra-de-Deus, como colocado por Chesterman (1999, já citado em 4.3.2), o que complica ainda mais a situação para os tradutores que acreditam nestas idéias: além de intraduzível, a

BG é sagrada.

Assim, a análise do corpus inteiro ajudou a constituir os memes presentes através das traduções, e a análise por tradutor mostrou em que proporção cada tradutor utilizou cada um destes memes.

8.1.2 Problemas de tradução

Os problemas de tradução são apontados pelas idéias indicadas com os conteúdos de maior relevância que persistiram de forma mais expressiva através de diferentes traduções, em maior quantidade e com menos variações.

Os conteúdos de baixa relevância, como Referência a outras tradições orientais,

Referência à Filosofia, Referência a outros textos sânscritos e Referência à Ciência, não

parecem indicar problemas de tradução, mas sim características de determinados tradutores. Como já visto nas análises de cada tradução em separado, o contexto biográfico do tradutor parece ter uma relação direta com a ocorrência dos conteúdos.

Já conteúdos como Definição de termo técnico e Explicação sobre mitologia hindu, que apresentam os maiores índices de relevância, parecem indicar problemas de tradução, pois,

como comentado, persistem sob vários pontos de vista e em várias traduções. E interessante que essas etiquetas mais relevantes também são as que apresentam a menor variação de ocorrências entre os capítulos. Ou seja, tampouco são problemas pontuais de alguns capítulos, mas sim da obra inteira.

Outro fato que reforça a questão de os problemas de tradução estarem relacionados à

Explicação sobre mitologia hindu e Definição de termo técnico são os resultado relacionados

com a observação dos casos de versos mais anotados, tanto quanto à quantidade de NT, quanto à variedade de tradutores. A baixa probabilidade de coincidências de vários tradutores anotarem o mesmo verso mostra que há fatores não-aleatórios na decisão sobre o local de incidência de NT – lembra-se o caso da probabilidade de 0,0000145% do ocorrido em que 7 tradutores diferentes anotaram o verso II:45. E o fato de os conteúdos mais presentes, justamente nestes casos dos versos anotados, serem estas duas etiquetas as mais relevantes coloca mais peso nesta conclusão.

8.1.3 Notas de tradução como um paratexto

Analisando-se as NT em conjunto com os outros peritextos de cada tradução em que estão inseridas, evidencia-se que essas não têm sempre relação com a variedade ou extensão de outros peritextos na mesma obra. Um exemplo está na comparação entre a tradução de Mesquita (1987) e a de Prabhu e Dasi (2002). Ambas apresentam um baixo número de NT (9 e 4, respectivamente), porém com grande diferença na variedade e extensão de outros peritextos. Este é um indício de que não há uma norma quanto à configuração do conjunto de paratextos em edições com NT.

A análise da distribuição das NT e dos conteúdos entre os capítulos demonstrou que não é a quantidade de versos que aumenta as ocorrências de NT (veja os capítulos II e XVIII) ou a quantidade de NT que aumenta a quantidade de conteúdos diferentes.

Quanto à análise do conteúdo das NT com relação à forma de apresentação após o verso, percebe-se que, apesar de peritextos com esta forma de apresentação serem associados ao conteúdo Comentário, a grande maioria (81%, cf. Tabela 20, p. 97) do conteúdo das NT do

corpus é outro. Este fato, em conjunto com o de que há muitas NT de rodapé, de final de

capítulos e de livro que apresentam conteúdo Comentário, demonstra que a diferença entre o tradicional comentário e a NT pode estar somente na forma de apresentação.

8.1.4 Resultados de objetivos específicos

Como resultados secundários, frutos de objetivos mais específicos, cita-se primeiramente o levantamento de dados sobre as traduções existentes da BG para o português do Brasil, reunidos no Apêndice A (p. 122), com uma exaustividade que não se encontrou em outras pesquisas. Estas informações servirão de base para futuros estudos, como será comentado logo adiante (8.3).

Um segundo resultado específico foi o próprio desenvolvimento do corpus de pesquisa, tendo em vista que há poucos estudos de tradução com base em corpora digitais no Brasil. A metodologia adotada, que inclui questões pertinentes a qualquer estudo com base em corpus, como a seleção, organização e manipulação dos dados, pode servir de referência para outras pesquisas semelhantes. Foi com este intuito que também se criou o Apêndice B (p. 133), com sugestões de procedimentos para digitalização de textos a serem utilizados em corpora digitais.

O terceiro resultado específico, tendo-se em vista o campo pouco explorado de estudos de tradução da BG, é o levantamento de indícios para outras pesquisa nesta linha. Por exemplo, a questão das definições de termos técnicos, que foi constatada, porém não explorada em profundidade. Assim, os resultados dessa dissertação não só levantam idéias, mas também fundamentam pesquisas futuras sobre a BG.

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