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"A comunicação é essencial ao ser humano, e, sendo essencial, deve ser assegurada

como direito básico, anterior e muitas vezes fundamental a outros direitos”. Iniciamos com essa frase de Bozi (2006), pois sua posição é a que norteia este capítulo desta investigação, cujo objetivo é trazer informações que ajudem o leitor a compreender como as pessoas cegas realizam suas leituras do mundo. Ou seja, como os indivíduos que não têm acesso à informação visual conseguem realizar tarefas, decodificar mensagens e se comunicar em seu cotidiano?

Considerando a comunicação um direito fundamental, dado o fato de ser essencial, quando pensamos o potencial perceptivo humano, evidencia-se que a comunicação humana é um fenômeno sem fronteiras. Além dos sentidos priorizados pela sociedade moderna e Ocidental, há outras formas de trocas de informação.

Segundo Vilem Flusser:

“A comunicação humana é um processo artificial. Baseia-se em artifícios, descobertas, ferramentas e instrumentos, a saber, em símbolos organizados em códigos. Os homens comunicam-se uns com os outros de uma maneira não "natural": na fala não são produzidos sons naturais, como, por exemplo, no canto dos pássaros, e a escrita não é um gesto natural como a dança das abelhas. Por isso a teoria da comunicação não é uma ciência natural [...]“. (2007, p. 89)

Sendo assim, a comunicação exige mais do que um olhar focado em assimilar algo ou um gesto determinado para transmitir uma informação. A comunicação, como a entendemos nesta pesquisa, é decorrente de um conjunto de meios de percepções que trabalham simultaneamente para alcançar um único objetivo: possibilitar a comunicação da pessoa cega com o externo, permitindo, assim, que essas pessoas interajam com o universo ao seu redor.

Em 1962, o filme "The Miracle Worker"4 contava a relação de ensino-aprendizagem

entre Anne Sullivan e Helen Keller, duas mulheres nascidas nos Estados Unidos, em pleno século XIX – uma, nos conturbados anos pré-independência, e a outra, quatro anos após ela ter se concluído. O que as ligava era a experiência com a deficiência sensorial.

Anne Sullivan era filha do imigrante irlandês Thomas Sullivan e, na primeira infância, foi abusada sexualmente por seu pai, que era alcoólatra. Acometida de tracoma, Sullivan perdeu boa parte da visão, ficando quase cega. Com a morte da mãe, o pai a abandonou e ela foi recolhida por um orfanato. Frequentou o Instituto Perkins para cegos e, após algumas operações, diminuiu sua perda visual e se graduou professora em 1866.

Filha do influente capitão Arthur Keller, Helen Keller, aos 18 meses de vida, perdeu a visão e a audição por conta de uma enfermidade chamada, na época, de “febre cerebral”, provavelmente, escarlatina. Seu pai procurou o cientista Alexander Graham Bell, que indicou Anne Sullivan como professora particular para a família. Sullivan chegou à casa dos Keller em 1867, um ano após sua formatura no Perkins.

Essa aparente digressão em nosso texto não é casual, dado que nossa pesquisa investiga a relação de comunicação das pessoas com deficiência visual com um mundo supostamente invisível. Para isso, não deixaremos de aproveitar a experiência pessoal como deficiente visual nas reflexões subsequentes.

Essa implicação pessoal numa investigação de mestrado, evidentemente, exigirá cuidado com as questões de objetividade e subjetividade que presidem a construção do conhecimento acadêmico. Entretanto, estamos de acordo com um paradigma crítico de pesquisa que, especialmente, nos campos em que a ciência estabelece fronteiras entre o

4 Este filme, dirigido por Arthur Penn, teve o roteiro escrito por William Gibson e contou com as atrizes Anne Bancroft como Anne Sullivan e Patty Duker como Helen Keller. O filme baseou-se no livroThe Story of my Life, de Helen Keller e na peça teatral The Miracle Worker de William Gibson. Deste filme foram feitas duas refilmagens para televisão, uma em 1979 e outra no ano 2000. No Brasil, ficou conhecido como O Milagre de Anne Sullivan.

mesmo e o outro, o visível e o invisível, uma pesquisa dessa natureza exige que novas epistemologias ganhem terreno.

As mulheres citadas, Helen Keller e Anne Sullivan, viveram uma realidade que as obrigou a praticar o exercício do autoconhecimento. O desafio era reconhecer seus próprios limites e derrubar barreiras impostas pela restrição da falta de um sentido: a visão. Para isso, era necessário aprimorar os sentidos que pudessem colaborar com o desenvolvimento de forma a permitir a interação com o universo ao seu redor.

A falta da visão implica potencializar os outros sentidos para que sirvam de meios de comunicação com o mundo externo, ou seja, desenvolver outros canais de percepção de forma a captar informações com o toque, o cheiro, o som etc, sempre desconsiderando a possibilidade de adquirir essas mesmas informações com o olhar, apesar de vivermos em um mundo visual, onde o moderno e o pós-moderno exploram, exageradamente, os recursos da comunicação visual.

Nesse sentido, a própria ideia de imagem para o neurocientista português, António Damásio, auxilia-nos nessa compreensão.

"Imagem designa um padrão mental em qualquer modalidade sensorial, como, por exemplo, uma imagem sonora, uma imagem tátil, a imagem de um bem-estar. Essas imagens comunicam aspectos das características físicas do objeto e podem comunicar também a reação de gostar ou não gostar que podemos ter em relação a um objeto, os planos referentes a ele que podemos ter ou a rede de relações desse objeto em meio a outros objetos. "(DAMÁSIO, 2000, p. 24-25)

Para exemplificar como as imagens podem ser construídas na mente de uma pessoa com deficiência visual, propomos uma tradução de uma imagem visual em uma imagem verbal5.

5 A imagem como sua descrição foi retirada do site

Ilustração 1: Exemplo de tradução de imagem visual em texto verbal

[Descrição de imagem: A ilustração mostra dois quadros: no da esquerda apresenta a imagem gráfica e no da direita sua descrição]6

Um valioso levantamento dessa temática foi desenvolvido por Oliver Sacks em seu livro "O olhar da mente". Nele, o autor aborda um aspecto físico sobre a falta da visão, que pode servir de explicação a percepções e vivências, tidas apenas pelas pessoas que não possuem de fato a visão. Segundo pesquisa apresentada por Sacks:

“Se o papel central das imagens mentais é permitir a percepção e o reconhecimento visual, para que elas servem se a pessoa ficar cega? E o que acontece a seus substratos neurais, as áreas visuais que ocupam quase metade de todo o córtex cerebral? Sabemos que em adultos que perdem a visão pode ocorrer alguma atrofia ao córtex cerebral - mas há pouca degeneração do córtex visual em si. Exames de ressonância magnética funcional do córtex visual não mostram diminuição de atividade em tal situação; na verdade, vemos o inverso: eles revelam atividade e sensibilidade intensificadas. O córtex visual, privado da entrada de informações provenientes da visão, continua a ser um bom terreno neural, vago e clamando por uma nova função.” (2010, p. 203)

6 Em todas imagens apresentadas nesta Dissertação descrevemos em texto as mesmas de forma a possibilitar o entendimento por pessoas com deficiência visual.

Portanto, o cérebro mantém a atividade geradora de imagens. Segundo Sacks, em alguns, isso pode liberar mais espaço cortical para a produção de imagens mentais; em outros, esse espaço pode ser ocupado por outras sensações.

Em 1932, Helen Keller já desenvolvera um sensível relato de sua vida por meio de um livro, no qual se evidencia a comunicação que estabelecia com o mundo que a cercava:

"Distraía-me seguindo as cercas de bucho com as mãos para colher os primeiros lírios e violetas desabrochadas que eu descobria apenas com o olfato [...]. De repente, meus dedos encontravam uma planta que eu reconhecia pelas folhas e flores [...] percebia quando mamãe e titia iam sair, pegando seus vestidos [...] Pela vibração da pancada da porta fechando, e por outras vibrações determinadas, percebia que chegara visita." (KELLER, 1939, p. 14).

Oliver Sacks, no livro já citado, apresenta um universo variado de possibilidades de receber informações, desde o contato direto com os fenômenos naturais até a valorização da linguagem, por meio da descrição em palavras. Sakcs constrói um panorama de diversas formas de comunicação entre as pessoas cegas e o mundo externo. As várias possibilidades consideradas por Sacks foram colhidas de relatos vindos de pessoas que perderam a visão em diversas situações ou idade. E em cada relato, Sacks identifica diferentes possibilidades de comunicação geradas pela mente, ou seja, capacidades individuais de visualizar imagens ou de raciocinar sobre algo, especificamente sem usar do sentido da visão.

Em sua narrativa sobre o exercício de visualização da mente, Sacks destaca entre outros exemplos de visualização, os escritos de Helen Keller. Sacks relata que:

”muitas crianças que nasceram cegas possuem memória superior e são verbalmente precoces. Podem desenvolver uma fluência tão extraordinária na descrição de rostos e lugares que os outros (e elas próprias) acabam em dúvida de que sejam realmente cegas. Os escritos de Helen Keller são um famoso exemplo que nos surpreende com sua brilhante qualidade visual”. (2010, p. 209)

“Estudos comparáveis com cegos congênitos ou pessoas que ficaram cegas com pouca idade mostram que algumas áreas do córtex visual podem ser realocadas e usadas para processar sons e sensações do tato. Com essa realocação de partes do córtex visual, a audição, o tato e outros sentidos podem adquirir nos cegos uma hiperacuidade talvez inimaginável para qualquer pessoa que vê”. (2010, p. 182)

No livro "O Olhar da mente", nota-se entre os depoimentos de diversas pessoas cegas colhidos por Sacks, variações no processo de captura das informações disparadas pelo meio. Ou seja, cada caso relatado tem suas próprias características, cuja peculiaridade se mostra sujeita a variações no desenvolvimento perceptivo de cada sujeito.

A partir de um dos depoimentos, Sacks relata a história de Hull, homem que cresceu enxergando parcialmente, e, vitimado por uma doença chamada Glaucoma, perdeu totalmente sua visão aos 48 anos. Contudo, dois anos depois, apresentava total desprendimento de imagens mentais e de memória visual quanto um cego congênito. Hull assumiu o estado de cegueira profunda, quando teve a total extinção de sua memória visual. A respeito dele, escreve Sacks:

"descreveu a cegueira profunda como um ´mundo autêntico e autônomo, um lugar todo especial. [ ... ] Ser alguém que vê com o corpo todo é estar em uma das condições humanas concentradas´. Ser ´alguém que vê com o corpo todo`, para Hull, significava transferir sua atenção, seu centro de gravidade, para os outros sentidos, e estes assumiram então uma nova riqueza e poder. Por exemplo, ele escreveu que o som da chuva, ao qual nunca antes prestara muita atenção, agora podia delinear para ele toda uma paisagem; na calçada do jardim o som da chuva era um, na grama, era outro, e assim por diante nos arbustos, na cerca que separava o jardim da rua: A chuva tem um modo de revelar os contornos de tudo; joga um manto colorido sobre coisas antes invisíveis; em vez de um mundo intermitente e, portanto, fragmentado, a chuva que cai ininterruptamente cria a continuidade da sensação acústica. [ ... ] apresenta de uma vez a totalidade de uma situação [ ... ] dá uma ideia da perspectiva e das verdadeiras relações de uma parte do mundo com outra”. (2010, p. 180)

Saks descreve Hull como uma pessoa que é “rica em sagazes percepções sobre sua transição para uma vida de cego" e acrescenta "mas para mim o mais impressionante é sua descrição da atenuação gradual, depois de tomar-se cego, de sua imagética e memória visuais, até finalmente a extinção de ambas”.

Sobre Hull, Sacks relata que, depois de passado o período de reconhecimento da cegueira, a comunicação com o externo nada mais tem a ver com a aparência ou com as características visíveis dos objetos. Portanto, depois da perda total da visão, para Hull, a comunicação passou a ser pautada por imagens motoras de uma determinada coisa ou pessoa e não mais pela imagem visual das mesmas.

Outra pesquisadora cega, a mineira Elisabeth Sá, em trabalho semelhante de autobiografia, também relata sua experiência pessoal:

"A perda cada vez mais acentuada da visão alterava a rotina da família e repercutia na escola e em outros espaços sociais. Apesar das restrições e de um percurso escolar sinuoso, eu gostava de estudar e não queria abrir mão de minhas aspirações [...] tomei conhecimento do prenúncio de cegueira [...] decidi aprender o manejo da bengala e a ler e escrever por meio do sistema braile. O meu percurso profissional tal como o acadêmico é um incessante exercício de versatilidade [...] Troquei a máquina de datilografia pelo computador, utilizo leitores de tela com síntese de voz como meios de acesso à leitura, escrita e à informação em geral, o que possibilita acionar o correio eletrônico e navegar na internet de forma autônoma”(SÁ, 2002, p.1).

Todos os depoimentos citados acima servem para exemplificar um dos principais elementos base para o entendimento e a compreensão dos processos de comunicação entre a pessoa cega e o meio que a circunda: a percepção.

Podemos dizer que a percepção é relativa e está diretamente relacionada às experiências e à sensibilidade de cada indivíduo. A percepção, é responsável por traduzir as mensagens recebidas pelos sistemas perceptivos em informações sensoriais.

“Os olhos, ouvidos, nariz, boca e pele são modos de exploração, investigação e orientação, modos de atenção a tudo que é constante na estimulação mutável, capazes de isolar a informação pertinente. Longe de serem mutuamente exclusivos, sobrepõem-se e, na maior parte das vezes, estão focados no mesmo tipo de informação, isto é, a mesma informação pode ser captada por uma combinação de sistemas perceptivos trabalhando juntos". (GIBSON, 1996 apud SANTAELLA , 2004, s/p)

A descrição do sistema perceptivo de Santaella explica o relato de experiências e descobertas feitos por Helen Keler e Elizabete Sá. Nesse ponto podemos perguntar: como

ocorre a sensibilidade da pessoa cega em observar, receber e assimilar as informações externas?

As percepções do homem estão diretamente relacionadas às experiências sensoriais do mesmo. O corpo recebe essas informações através de um meio físico, seja ele, o ouvido, o nariz, a língua, a pele ou o olho e a transforma em impulso elétrico que chega ao cérebro, que, por sua vez, é traduzido em experiência sensória inteligível. As mesmas experiências sensoriais referidas por Santaella são denominadas por Oliver Sacks (2010) como uma forma de ver com o corpo todo.

Outro exemplo dessa comunicação, encontramos no depoimento de Luciana Machado, trinta anos, cega de nascença, residente na cidade de Guarujá litoral de São Paulo. Luciana vivencia diariamente a realidade de captar as mensagens externas através dos demais sentidos que não a visão.

“Sempre gostei de caminhar na praia independente do horário. Aprendi a diferenciar a brisa que vem do mar em uma manhã de sol, da brisa de uma noite quente, apenas pela temperatura do vento que bate no meu rosto. Os sons emitidos pelo meio, também é bastante característico para reconhecer um dia nublado ou de sol. Não preciso enxergar a luz do dia, para saber se ainda é dia ou já anoiteceu. As mensagens que consigo captar ao meu redor denunciam essa informação.”(informação verbal em 7/2011) 7

Assim, podemos observar que os processos de comunicação e interação da pessoa com deficiência visual com o mundo externo se apresentam interligados diretamente aos meios perceptivos. Identifica-se, então, um sistema automático de um trajeto de dependência ordinal que implica em perceber a, entender como, para interagir com. Percorrer o caminho desses três elementos é fundamental para que a pessoa que não utiliza da visão pratique a comunicação com o meio. Apesar de se tratar de três elementos individuais, o trajeto por essas etapas acontece de forma simples e natural, quando se refere ao processo de interação de uma pessoa com deficiência visual.

Esse mesmo conceito de percepção pode ser aplicado para o processo de interação das pessoas com deficiência visual em todos os formatos de interfaces.

Quando na tentativa de interagir com algum sistema ou objeto, seja qual for a origem, no caso de ausência de elementos que direcionem corretamente ou estimulem os meios perceptivos para a compreensão das mensagens, são consideráveis as chances de encontrar barreiras geradas por ruídos de informações, que dificultem ou até mesmo inviabilizem essa interação. Reflete-se aí o real significado do escuro para uma pessoa cega. A desorganização de ideias e a falta de clareza nas informações apresentadas limitam a percepção dessas pessoas em detectar as mensagens, comprometendo o processo de interação com o objeto.

Após acompanhar diversos casos e relatos de como pessoas cegas percebem e interagem com o meio, Sacks (2010, p. 210) questiona sobre o efeito que causa a linguagem descrita em palavras para as pessoas cegas. “Em que grau a descrição, a imagem posta em palavras, pode funcionar como substituto para o ato real de ver ou para a imaginação visual pictórica?”, interroga Sacks.

Um dos últimos depoimentos de seu livro, responde a essa questão, com o relato de uma diferente forma de comunicação e exercício da mente apresentada até então. Talvez, o sistema de comunicação trazido por Arlene Gordon, entre os depoimentos colhidos por Sacks, seja o meio de interação mais pertinente e reevante ao nosso foco temático.

De acordo com informações descritas por Sacks, a perda da visão de Arlene aconteceu já na casa dos quarenta anos. Depois disso, ela descobriu a linguagem e descrição como elementos fundamentais, pois serviam de estímulos para exercitar as diferentes formas de construção de imagens e mapeamentos mentais. O autor arrisca afirmar que a linguagem e descrição, “em certo sentido, permitiam-lhe ver.” Pode-se constatar essa afirmação no momento em que Arlene relata suas vivências e experiências para o autor:

“´Adoro viajar`, ela me disse. ´Eu vi Veneza quando estive lá.` Ela explicou que seus companheiros de viagem descreviam os lugares, e ela então construía uma imagem mental baseada nos detalhes que eles lhe forneciam, em suas leituras e em suas próprias memórias visuais. ´Pessoas que veem têm prazer em viajar comigo`, ela comentou. ´Faço perguntas, e elas então olham e veem coisas que, se não fosse por mim, passariam despercebidas. É tão comum pessoas que têm visão não verem nada! É um processo recíproco - enriquecemos mutuamente os nossos mundos.`" (SACKS, 2010, p. 210)

Nesse momento, Sacks faz uma observação fundamental no que se refere à comunicação e interação das pessoas cegas. Trata-se daquilo que ele chama de "paradoxo- delicioso": "se de fato existe uma diferença fundamental entre a vivência e a descrição, entre o conhecimento direto e o conhecimento mediado do mundo, por que então a linguagem é tão poderosa? A linguagem, a mais humana das invenções, pode possibilitar o que, em princípio, não deveria ser possível. Pode permitir a todos nós, inclusive os cegos congênitos, ver com os olhos de outra pessoa”. (2010, p. 210)

É possível reconhecer o olhar mental trazido por Sacks na intensidade apresentada pelo poder das palavras, expostos em capítulos da literatura brasileira. Palavras utilizadas pelos autores, as quais orientam o leitor nas construções imagéticas que fazem parte da história.

Excelentes narrativas são feitas em alguns clássicos da literatura brasileira, as quais, por meio da descrição, ou seja, utilizando unicamente da linguagem em palavras, permitem que o leitor, sendo cego ou não, construa representações mentais de cenários e personagens com tamanha perfeição, ao ponto de tornar possível o reconhecimento de traços e semelhanças de alguns dos personagens literários na figura de algumas pessoas encontradas na vida real.

Propomos, então, uma breve reflexão trazida pelo questionamento de Oliver Sacks sobre o poder da linguagem. Arriscamos dizer que no momento exato de uma leitura

descritiva, quando diante da descrição de uma personagem, todos os leitores se encontram na posição de pessoas com deficiência visual, se considerarmos que o único acesso visual naquele momento é a percepção das palavras sendo lidas. De certo modo, o próprio mecanismo de leitura coloca todas as pessoas em condições muito semelhantes de interação e interpretação da narrativa.

Como não reconhecer a semelhança da índia Iracema de José de Alencar? Mesmo sem nunca ter visto Iracema, podemos enxergá-la perfeitamente com os olhos do autor. O mesmo acontece com a figura sensual da Gabriela de Jorge Amado. E o que dizer do rico cenário de traição desenhado pelas palavras de Eça de Queiroz, para sempre na lembrança

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