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CAPÍTULO 1 – ARGUMENTAÇÃO: PERCURSO HISTÓRICO E BASES TEÓRICAS

1.3. Os estudos da argumentação na Nova Retórica

1.3.1. Perelman e Olbrechts-Tyteca e o papel do Tratado da argumentação

1.3.1.2. Os tipos de acordo

1.3.1.2.1. O acordo referente às premissas

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) enfatizam a relevância de conhecer os tipos de objetos de acordo, que se constituem como as premissas da argumentação, para, então, discutir os acordos específicos de cada argumentação.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) apontam quais podem ser os objetos dos acordos, agrupando-os em duas categorias: uma relacionada ao real e outra relacionada ao preferível. De acordo com os autores, na primeira categoria, estão incluídos os fatos, as verdades e as presunções, enquanto, na segunda categoria, incluem-se os valores, as hierarquias e os lugares do preferível.

Como essa categorização depende de acordo com o auditório, compreende-se por que cada auditório determinará quais objetos pertencem a cada um desses tipos. Assim, os autores justificam seu ponto de vista alegando que:

a concepção que as pessoas têm do real pode, em largos limites, variar conforme as opiniões filosóficas professadas. Entretanto, na argumentação, tudo o que se presume versar sobre o real se caracteriza por uma pretensão de validade para o auditório universal. Em contrapartida, o que versa sobre o preferível, o que nos determina as escolhas e não é conforme a uma realidade preexistente, será ligado a um ponto de vista determinado que só podemos identificar com o de um auditório particular, por mais amplo que seja (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 74).

Percebe-se, então, que, para esses estudiosos, é muito relevante a distinção entre objetos do real e objetos do preferível. Entre os objetos do real, eles também impõem uma separação: de um lado, fatos e verdades; do outro, presunções.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) explicam que dados concretos podem ser considerados fatos, desde que essa consideração seja comum aos membros do grupo a que a argumentação se dirige. Em outras palavras, para que certos dados sejam concebidos como fatos, é imprescindível que haja acordo do auditório universal.

Consequentemente, não há como estabelecer uma classificação precisa acerca do que pode ser considerado fato, pois haverá mudanças na concepção, conforme mudam os auditórios. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 75) esclarecem que

o modo de conceber esse auditório, as encarnações desse auditório que reconhecemos serão, portanto, determinantes para decidir o que, neste ou naquele caso, será considerado um fato e se caracteriza por uma adesão do auditório universal.

Consoante com essa concepção, pode-se afirmar que, quando atribuímos a dados concretos a condição de fato, tal estatuto deve ser aceito como indiscutível pelo auditório universal a que a argumentação se dirige. A definição de fato envolve, necessariamente, acordo do auditório universal, não admitindo, portanto, controvérsias.

Como é sempre possível questionar esse acordo, a nenhum dado está garantido definitivamente o estatuto de fato. Os autores reconhecem duas formas de levar um dado a perder a condição de fato: (1) quando, dentro do próprio auditório a que a argumentação se destina, surgem dúvidas; (2) quando novos membros, com reconhecida capacidade de julgamento, são adicionados ao auditório, que, ampliado, não admite mais que o dado seja tratado como fato. Neste último caso, subjaz a ideia de que os dados eram aceitos como fato apenas por um auditório particular, condição que não se mostrou sustentável com a ampliação do auditório.

Apesar de não haver um critério previamente determinado que possa ser ativado, em quaisquer circunstâncias e independentemente do auditório, para definir o que pode ser julgado como fato, há condições de verificação que favorecem o acordo que identifica certos dados como fatos. No entanto, quando a análise dessas condições é ativada, tem início um processo de argumentação, o que minimiza o efeito do fato, já que a essência do fato como permissão é a ausência de controvérsia.

Logo, levantar questionamentos, pôr os dados em discussão, entre outras ações que possam colocar em risco o ―prestígio‖ daquilo que foi considerado fato, o mais das vezes, é o suficiente para fazer com que os dados percam seu status privilegiado. Todavia, para que isso possa acontecer, conforme enfatizam Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), o questionador precisa apresentar provas da coerência de seus atos, a fim de que suas indagações não sejam vistas como ridículas.

Dessa maneira, cabe a ele expor a incompatibilidade dos dados com outros fatos ou evidenciar que esses dados foram considerados fatos como resultado de um processo argumentativo, que, como tal, não é coercivo e, portanto, é discutível. De acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 76), ―assim que não é mais utilizado como ponto de partida possível, e sim como conclusão de uma argumentação, o fato perde seu estatuto‖.

Essas mesmas reflexões acerca do status de fato podem ser aplicadas em relação às verdades. A principal distinção entre fatos e verdades refere-se à seguinte condição: enquanto aqueles se relacionam a objetos de acordo precisos e limitados, estas incluem complexos sistemas de ligação de fatos. A atividade de argumentar, habitualmente, apoia-se em fatos e verdades, que, na prática, podem igualmente se configurar como ponto de partida de uma argumentação.

utilizam-se fatos e verdades (teorias científicas, verdades religiosas, por exemplo) como objetos de acordo distintos, mas entre os quais existem vínculos que permitem a transferência do acordo: a certeza do fato A, combinado com a crença no sistema S, acarreta a certeza do fato B, o que significa que admitir o fato A, mais a teoria S, equivale a admitir B.

Além dos fatos e verdades, constituem-se como objetos do real as presunções, que, embora também sejam sustentadas através do princípio do acordo universal, não contam com o mesmo nível de adesão dos interlocutores e, por isso, exigem que essa adesão receba um reforço. Disso decorre a constatação de que, enquanto argumentar acerca de um fato lhe diminui o estatuto, a justificação de presunções não lhes afeta o alcance. Apesar disso, normalmente, não há necessidade de argumentação prévia, pois, na maioria das vezes, elas são aceitas pelo auditório como ponto de partida do processo argumentativo.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 79), ressaltam que ―o uso das presunções resulta em enunciados cuja verossimilhança não deriva de um cálculo aplicado a dados de fato e não poderia derivar de semelhante cálculo, mesmo aperfeiçoado‖.

Tentar restringir as presunções aos limites de probabilidades calculáveis exigiria modificações na formulação do enunciado, o que levaria também a implicações no alcance argumentativo. A natureza das presunções as desvincula daquilo que é calculável, medido, quantificável. Elas relacionam-se àquilo que é considerado verossímil e normal. Inclusive, a própria vinculação que se faz entre as presunções e o normal já se configura como uma presunção mais ampla, de caráter geral, teoricamente admitida por todos os auditórios.

Nesse contexto, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 80) concebem o normal como ―uma base com a qual podemos contar em nossos raciocínios‖. Essa base não pode ser definida por meio de critérios estatísticos, o que impede que as presunções possam ser analisadas em termos de probabilidades calculáveis. Ela tem maior relação com o modo como as coisas ocorrem habitualmente do que com a média em que ocorrem.

A esse respeito, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 81) alertam:

conquanto a presunção baseada no normal raramente possa ser reduzida a uma avaliação de frequências e à utilização de características determinadas de distribuição estatística, ainda assim é útil esclarecer a noção usual do normal mostrando que ele depende sempre do grupo de referência, ou seja, da categoria total em consideração à qual ele se estabelece.

Em decorrência, percebe-se que a concepção de normalidade, que traz implicações diretas para as presunções, é dependente do grupo de referência. Transformações nesse grupo levam, consequentemente, a transformações naquilo que se considera normal, gerando também

transformações nas presunções. Então, se esse grupo passa, por exemplo, a praticar com naturalidade uma dada ação, esse novo modo de agir pode se tornar normal e, com isso, as presunções são alteradas.

Entretanto, para que isso realmente ocorra, é necessário que essa mudança afete um grande número de indivíduos desse grupo, pois, se apenas um membro (ou um pequeno número de membros) empreende uma mudança, ele destoará do restante do grupo e poderá sofrer punições, tais como a exclusão, por seu comportamento não se encaixar nos padrões de normalidade da comunidade.

Disso, depreende-se que as noções usadas no jogo argumentativo são selecionadas também em função do grupo de referência que se pretende influenciar, o qual determina, ainda que não seja explicitamente, o que pode ser considerado normal. Por essa razão, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 82) declaram que ―embora as presunções ligadas ao normal sejam um objeto de acordo, é preciso, ademais, haver um acordo subjacente quanto ao grupo de referência desse normal‖.

Portanto, do mesmo modo como os fatos e as verdades são definidos mediante um acordo válido para o auditório universal, também serão assim definidas as presunções, as quais, tanto quanto os fatos e as verdades, podem atuar como premissas para a produção do discurso argumentativo.

Além dos fatos, verdades e presunções, existem outros objetos que pressupõem acordo, acordo esse que tem por objetivo a adesão de grupos particulares. Esses objetos são os valores, as hierarquias e os lugares do preferível.

Conforme explicam Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), os valores são ideais que, voltando-se para um auditório específico, exercem influência sobre uma ação (ou uma disposição para a ação) incitada pela atividade argumentativa. Do mesmo modo como ocorre com fatos, verdades e presunções, a influência dos valores pressupõe acordo. No entanto, ao contrário do que acontece com os objetos do real, esse acordo não se impõe a todos, já que não tem por objetivo conquistar o auditório universal.

Constata-se que os valores não visam à adesão do auditório universal. Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 84), ―a existência dos valores, como objetos de acordo que possibilitam uma comunhão sobre modos particulares de agir, é vinculada à ideia de multiplicidade de grupos‖.

Com isso, os autores explicam que, mesmo valores que são supostamente universais, tais como o Verdadeiro, o Bem e o Belo, não se impõem, de fato, ao auditório universal, visto que o aparente acordo universal que os sustenta só ocorre mediante uma generalização, pois, a partir do momento em que se especifica o conteúdo deles, tornando-os precisos, surgem divergências que impedem a adesão de todos.

Consequentemente, o auditório real só se aproxima do auditório universal enquanto os valores são tratados de maneira vaga. Quando se tornam explícitos e precisos, os valores assumem as características desejadas e prestigiadas por grupos particulares. Por isso, Perelman e Olbrechts- Tyteca (2005) afirmam que, para os antigos, como representavam ideias passíveis de discordância e discussão, os valores eram tratados como proposições verossímeis pertencentes ao grupo das opiniões.

Ainda que seu objetivo não seja a adesão do auditório universal, é fundamental reconhecer a relevância dos valores para os processos persuasivos, uma vez que, de alguma forma, intervêm em todas as argumentações. De acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), a intensidade e o modo dessa intervenção variam.

Os autores citam os discursos científicos como exemplo: nessa esfera, os valores atuam de modo mais restrito (no caso das ciências formais), já que o desenvolvimento dos raciocínios científicos tenta se manter isento dos valores. Mesmo assim, eles têm uma atuação inegável na origem da formação dos conceitos e das regras, bem como no princípio que fundamenta as investigações, princípio esse para o qual é imprescindível o valor da verdade. Por outro lado, em outros campos do saber, tais como o jurídico e o político, a existência de valores na base da argumentação é não apenas desejável mas também necessária.

Diante desse importante papel que exercem os valores na atividade argumentativa, compreende-se por que Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) põem em relevo o fato de que não se pode simplesmente negar ou subordinar valores sem que se apresentem boas razões para isso. Ou seja, da mesma forma como ocorre com os fatos, apenas uma argumentação consiste poderá esvaziar a aceitação dos valores ativados em uma discussão. Contudo, ainda assim, os valores exercerão um papel relevante, já que, para desqualificá-los, normalmente, é necessário recorrer a outros valores que serão sobrepostos àqueles que estão sendo negados.

Além disso, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) chamam atenção para o fato de que há uma distinção que precisa ser feita para compreender a natureza da argumentação baseada em valores. Assim, eles distinguem entre valores abstratos e valores concretos.

Os valores abstratos, de acordo com a visão de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), vinculam-se àquilo que é geral, de existência não autônoma; ao passo que os valores concretos vinculam-se a um ente vivo, a um grupo específico, a um determinado objeto, enfim, a um ser caracterizado pela sua unicidade. Os autores citam, como exemplo de valores abstratos, a justiça e a veracidade, enquanto apontam a França e a Igreja como exemplos de valores concretos.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) esclarecem que, de acordo com as circunstâncias, a argumentação pode se ancorar ora em valores concretos, ora em valores abstratos. É possível ainda

basear valores abstratos em valores concretos. Assim, para reconhecer a importância de uma dada virtude (um valor abstrato), recorre-se a um modelo (valor concreto) que funciona como exemplo, suscetível de imitação.

De qualquer modo, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 87) salientam que ―sejam quais forem os valores dominantes num meio cultural, a vida do espírito não pode evitar apoiar-se tanto em valores abstratos como em valores concretos‖.

Apesar disso, os autores reconhecem que valores concretos e valores abstratos podem desempenhar diferentes papéis no jogo persuasivo. Eles acreditam que os valores abstratos estão intrinsecamente relacionados à mudança, ao contrário dos valores concretos, que estão mais relacionados à estabilidade.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) explicam que isso ocorre em virtude do caráter revolucionário de que os valores abstratos estão imbuídos, visto que não levam em consideração pessoas individualmente e favorecem a exposição de incompatibilidades, afinal de contas, valores concretos podem se harmonizar, todavia alguns valores abstratos, como justiça e caridade, mostram- se inconciliáveis.

Com base nisso, esses pesquisadores justificam a ocorrência, no Ocidente, de uma ênfase na argumentação sobre os valores abstratos, já que estes, ao expor incompatibilidades, são favoráveis à mudança; enquanto, na China, cujo objetivo é a imobilidade, predominam os valores concretos.

Outro objeto de que tratam os autores são as hierarquias. Segundo Perelman e Olbrechts- Tyteca (2005, p. 90), ―a argumentação se esteia não só nos valores, abstratos e concretos, mas também nas hierarquias, tais como a superioridade dos homens sobre os animais, dos deuses sobre os homens‖.

O estabelecimento de uma hierarquia evidencia a utilização argumentativa prática dos valores que estão sendo hierarquizados. O mais das vezes, as hierarquias se justificam em função da apresentação desses valores, sem que se sinta o dever de explicitar os critérios adotados para determinar a hierarquização. Até mesmo porque há hierarquias estabelecidas sem que se forneça o critério que as fundamenta ou, ainda, mais de um critério é estabelecido para uma única hierarquização.

Na verdade, quando se explicitam os princípios que fundamentam as hierarquias, a simples superioridade, o caráter de preferível, sofre alterações que resultam na própria transformação da hierarquia, que se torna sistemática. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 91) explicam que:

semelhante hierarquia se distingue claramente do simples preferível por assegurar uma ordenação de tudo o que está submetido ao princípio que a rege. Assim é que […] todos os elementos do real formam uma hierarquia sistematizada, devendo o

que é causa e princípio ocupar uma posição superior ao que é efeito ou consequência.

Quando se adotam critérios explícitos para definir as hierarquias, podem ser diversos os princípios escolhidos (como, por exemplo, a quantidade maior ou menor de alguma coisa, que se configura como um dos principais critérios hierarquizantes utilizados), bem como pode ser diversa a forma de apresentar e até mesmo de hierarquizar os princípios hierarquizantes (um segundo critério pode estabelecer uma hierarquização entre elementos colocados no mesmo patamar segundo o primeiro critério adotado).

Também a intensidade de adesão a certos valores, em comparação à intensidade de adesão a outros, pode se configurar como princípio hierarquizante. Evidentemente, há casos em que a percepção da intensidade de adesão a determinados valores é bastante subjetiva, de modo que não pode ser medida com precisão, o que resulta em uma maior liberdade de hierarquização, já que não se impõe a necessidade de justificar a preferência que se dá a um valor em detrimento de outros. Porém, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) destacam que esse tipo de situação é raro, sendo mais comuns as situações em que são admitidos os princípios que possibilitam a hierarquização dos valores.

Diante da relevância dessas reflexões, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) chamam atenção para o fato de que muitos filósofos se dedicaram ao estudo dos valores por si, desconsiderando sua atuação na prática argumentativa. Tendo em vista o papel que exercem na solução de conflitos que opõem os diversos valores adotados pelos igualmente diversos auditórios, os autores defendem que, na maior parte das vezes, mais importante que elencar os valores adotados por um dado auditório é analisar a forma como esses valores são hierarquizados.

As hierarquias de valores são, decerto, mais importantes do ponto de vista da estrutura de uma argumentação do que os próprios valores. Com efeito, a maior parte destes são comuns a um grande número de auditórios. O que caracteriza cada auditório é menos os valores que admite do que o modo como os hierarquiza (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 74).

As hierarquias são, portanto, sinalizadoras de quais valores estão recebendo maior prestígio de cada auditório, em situações específicas. Logo, é mais relevante pôr em evidência quais valores exercem maior influência do que simplesmente enumerar quais são os valores aceitos. Deve-se ter em mente que a hierarquização de valores, no processo argumentativo, é decorrente de incompatibilidades que inevitavelmente levam à realização de escolhas. Assim, as hierarquias explicitam quais foram os valores sacrificados.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) esclarecem que, para reforçar a intensidade de adesão suscitada por valores e hierarquias, é possível recorrer a outros valores e hierarquias que cumprirão o papel de consolidar os primeiros. Mas eles reconhecem que se pode recorrer também a elementos de outra natureza, aos quais denominou lugares. Os autores definem esses lugares como premissas de ordem bastante geral que funcionam como depósitos de argumentos.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) retomam as ideias de Aristóteles, que enfatizava a distinção entre lugares-comuns e lugares específicos. Aos primeiros, corresponderiam os argumentos que podem servir em qualquer área científica, já que não dependem de nenhuma ciência em particular; enquanto, aos últimos, corresponderiam aos argumentos próprios de uma área científica especializada ou a um gênero oratório particular.

No entanto, os autores alertam para o fato de que alguns lugares, embora apresentem-se como pertencentes a áreas específicas, passaram à condição de lugares-comuns, devido à exaustão com que foram repetidos em exercícios escolares. Por esse motivo, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 94) redefinem a noção de lugar-comum, quando afirmam que ―os lugares-comuns de nossos dias se caracterizam por uma banalidade que não exclui de modo algum a especificidade‖.

Com isso, esses pesquisadores demonstram que a noção de lugar-comum aristotélica pode ser aplicada a aspectos específicos, desde que esses sejam tratados com intensa frequência, numa mesma ordem, de modo tão previsível que perdem seu valor argumentativo.

Outra releitura crítica das noções aristotélicas ocorre quando Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) tratam da classificação dos lugares que podem funcionar como premissas para silogismos dialéticos ou retóricos. Os autores explicam que, enquanto Aristóteles os dividia em lugares do acidente, do gênero, do próprio, da definição e da identidade, eles preferem operar apenas com as premissas de ordem geral que possibilitam fundar valores e hierarquias, ou seja, apenas com aquelas que, na concepção aristotélica, foram designadas como lugares do acidente.