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Velhas práticas de ensino de produção textual

CAPÍTULO 2 – O ENSINO DE PRODUÇÃO TEXTUAL EM CONTEXTO ESCOLAR NO

2.1. Velhas práticas de ensino de produção textual

Desde sua origem, o ensino de Língua Portuguesa, no Brasil, foi fortemente influenciado pela retórica dos jesuítas, segundo a qual o domínio de técnicas da oratória e da escrita levaria o aluno a falar bem. Em decorrência disso, predominou uma visão prescritiva e estrutural, que valorizava práticas de ditado, cópia e treinos ortográficos. Essa concepção começou a ser, de fato, modificada nas duas últimas décadas do século XX, em virtude do desenvolvimento dos estudos na área da Linguística Textual e Aplicada.

De acordo com Marcuschi (2010b), o percurso que levou à mudança de perspectiva pode ser dividido em três etapas: a primeira se desenvolveu até a metade do século XX; a segunda predominou nas décadas de 60 e 70 desse século; e a última teve início na década de 80.

Assim, é possível reconhecer que, até meados do século XX, o ensino de Língua Portuguesa privilegiava a gramática e a decodificação de textos literários, os quais deveriam ser memorizados e recitados pelos educandos. A produção de textos não era ensinada, havia apenas um ensino de ―composição‖, que levava os alunos a escrever textos com base nos modelos apresentados pelos docentes. Esse ensino caracterizava-se por estar imbuído de traços da retórica, da estilística e da poética tradicional, constituindo-se no âmbito de uma perspectiva prescritiva.

Na sala de aula, não eram contemplados diversos gêneros do discurso, visto que todas as atenções estavam voltadas para gêneros literários, que deveriam ser considerados modelos para ―escrever bem‖. Aos alunos, cabia a tarefa de copiar esses textos, realizando suas produções por meio de gêneros com aspirações literárias, conforme os critérios de qualidades e defeitos defendidos pelos professores.

Segundo Bunzen (2006,p. 142, grifos do autor),

os alunos deveriam imitar os mais belos trechos das obras-primas nacionais que lhes eram apresentados como modelos. Acreditava-se, consequentemente, no aprendizado pela exposição à boa linguagem e na existência de uma língua homogênea, a-histórica e, consequentemente, não-problemática. Por essa razão, enfatizava-se muito mais o produto final, sendo o texto entendido como tradução do pensamento lógico.

Consequentemente, a concepção científica que permeava esse tipo de prática está relacionada àquela segundo a qual a língua se caracteriza como uma representação do pensamento, constituindo-se o texto como um produto lógico do pensamento do autor, tido como sujeito individual, dono de suas ações, único responsável pelos sentidos, que seriam depositados no texto.

De acordo com Koch e Elias (2006, pp. 9-10, grifos da autora),

nessa concepção de língua como representação do pensamento e de sujeito como senhor absoluto de suas ações e de seu dizer, o texto é visto como um produto

lógico – do pensamento (representação mental) do autor, nada mais cabendo ao

leitor senão ―captar‖ essa representação mental, juntamente com as intenções (psicológicas) do produtor, exercendo, pois, um papel passivo.

Essa forma equivocada de conceber a língua, o texto e os sujeitos influenciou bastante as práticas pedagógicas, e resquícios dela ainda se encontram atualmente. Assim, compreende-se por que, embora as disciplinas de retórica e poética tenham sido retiradas do currículo escolar há aproximadamente 130 anos, essa concepção de ensino de ―produção de textos‖ com base na imitação de textos realizados por meio de gêneros literários ainda se faz presente em certos contextos didáticos dos dias atuais. Em decorrência disso, percebe-se uma ênfase no ensino de

composição de textos de acordo com modelos concebidos conforme os textos consagrados por grandes nomes da Literatura, uma vez que só se considerava importante o produto final.

Logo, observa-se que, durante muito tempo, não existia um ensino de produção textual, uma vez que, apesar de haver, em sala de aula, muitos momentos dedicados à escrita, ainda predominava o treinamento para a imitação. Não havia um ensino formal e sistemático das competências da escrita. A ênfase em disciplinas clássicas, tais como retórica e estilística, formava imitadores e não produtores de textos.

A segunda etapa tem início a partir da década de 60, quando começa a se delinear uma mudança nesse quadro, visto que cresce, na população brasileira, a demanda por escolarização, o que resulta em um novo perfil discente, constituído, nessa nova fase, principalmente por crianças das camadas menos favorecidas da população. Esse fato levou a mudanças nas estratégias de ensino, uma delas fez com que o texto literário deixasse de ter o papel protagonista que tinha, anteriormente, no ensino da escrita.

A mudança que começava, então, a se delinear ganhou ênfase no início da década de 70, quando se definiu a LDB nº 5692/71. Essa lei, ao tratar do ensino de língua, mudou o foco da metalinguagem para os códigos comunicacionais, o que se reflete na mudança de nomenclatura na denominação da disciplina, que passou a se chamar Comunicação e expressão. Conforme explica Bunzen (2006), o ensino, nesse período, visava à transformação do aluno em um emissor e receptor de textos, considerando as redações produzidas como atos de comunicação e expressão.

Dessa vez, a concepção científica em que se assentam as práticas pedagógicas diz respeito à noção de língua como código, um sistema a serviço da comunicação. Nesse quadro, o texto se caracteriza como o produto de uma codificação do emissor a ser decodificado pelo(s) receptor(es). Os sujeitos, assim, teriam um papel meramente passivo.

Segundo Koch e Elias (2006,p. 10, grifos da autora),

nessa concepção de língua como código – portanto, como mero instrumento de

comunicação – e de sujeito como (pre)determinado pelo sistema, o texto é visto

como simples produto da codificação de um emissor a ser decodificado pelo leitor/ouvinte, bastando a este, para tanto, o conhecimento do código a ser utilizado.

Essa concepção de língua como código norteou as práticas de ensino de uma disciplina emergente no final da década de 70 do século passado: técnicas de redação, a qual surgiu em virtude de uma determinação superior, o Decreto Federal nº 68.908, de 13 de julho de 1971, que tornou obrigatória a prova de redação nos vestibulares nacionais e sofreu alterações no Decreto Federal nº 79.298, de 24 de fevereiro de 1977. As alterações, que, entre outras determinações,

instituíam o vestibular classificatório, que não dependia da nota mínima do candidato, não revogaram a obrigatoriedade da redação no exame vestibular.

Diante dessa obrigatoriedade, as instituições escolares introduziram a disciplina supracitada no currículo do Ensino Médio. Apesar disso, não houve melhoras substanciais no ensino de produção textual, já que as práticas pedagógicas, em geral, limitavam-se à apresentação de regras e técnicas para redigir, de forma padronizada, ―gêneros escolares‖: narração, descrição e, sobretudo, redações dissertativas, as quais não levavam o aluno a um bom desempenho nas práticas de produção escrita.

Consequentemente, o ensino de produção de textos assumiu como principal objetivo o treino de estruturas, não dando a devida atenção à produção de sentidos. Bonini (2002) explica que, nesse contexto, as atenções dos professores estavam voltadas para a apropriação, por parte do aluno, de esquemas básicos de textos, sem que houvesse um trabalho realmente efetivo para levar o aluno a produzir textos sociocomunicativamente relevantes.

Desse modo, a redação passou a ser vista como unidade comunicativa da língua e a escrita, o resultado do domínio das estruturas linguísticas. A ênfase do ensino se volta para o desenvolvimento de estratégias e habilidades de leitura e redação, o que ocorria com base no ensino normativo e prescritivo de tipos textuais, entre os quais se destacavam, nas séries iniciais do Funadamental, a narração e a descrição, ao passo que a dissertação, sobretudo a argumentativa, era introduzida nas séries finais do Fundamental e se tornava praticamente o único objeto de estudo do Ensino Médio.

Havia, portanto, um ensino de ―produção textual‖ baseado na memorização de regras e técnicas, em que não se fazia presente a preocupação com as implicações discursivas, o que nos leva à conclusão de que esse era um ensino inócuo para o desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos, já que pode ser considerado deficiente esse ensino que tenta aplicar ―fórmulas‖ à redação de um texto.

Segundo Pavani e Köche (2006, p. 110),

no ensino tradicional, geralmente, o professor de Língua Portuguesa repassa aos alunos uma estrutura formal de redação, objetivando atender às supostas exigências do Concurso Vestibular. Assim, muitas vezes, não se vale de uma metodologia voltada para a discursividade na construção de diferentes gêneros textuais, usados em diferentes situações de comunicação. Disso, decorre um tipo de ensino em que não se formam alunos capazes de comunicar-se de forma adequada e eficiente. Sem a capacidade de comunicação desenvolvida, esses estudantes apresentam dificuldades de construir textos, inclusive no vestibular.

Como efeito disso, percebe-se que há problemas nas condições de aprendizagem da escrita em contexto escolar, quando essas condições estão submetidas a um ensino que privilegia a assimilação de técnicas e padrões, desconsiderando o conjunto de variáveis sociocognitivas e culturais implicadas nos usos da linguagem em função da interação social.

Novas propostas de ensino começam a emergir, então, no início da década de 80, quando começa a se definir a terceira etapa. Essas propostas são resultantes dos avanços nos estudos da Linguística Textual e Aplicada. Nessa fase, deixa-se de considerar o produtor textual como um indivíduo que precisa dominar apenas o sistema linguístico para escrever bons textos e passa-se a enxergá-lo como alguém cuja capacidade textual precisa ser desenvolvida.

Nesse momento, é difundida expressão linguística ―redação‖, para designar todos os textos produzidos em esfera escolar com o propósito de desenvolver/ampliar/avaliar as habilidades verbais escritas dos alunos, os quais, ao final da Educação Básica, frequentemente, enfrentariam acirrados processos seletivos, fossem exames vestibulares ou concursos. O termo ―redação‖, então, é atribuído às produções de textos descritivos, narrativos ou, principalmente, dissertativos, que se constituíram como modelos clássicos.

O trabalho com produção textual, em sala de aula, continua, nessa etapa, a considerar o texto literário como modelo ideal, porém a ênfase do ensino se volta para conhecimentos metalinguísticos. Nesse período, afloram os estudos voltados para aspectos tais como a identificação de elementos textuais e a organização do texto escrito. Ganham relevo os mecanismos de coesão textual e outros aspectos formais do texto, visando à produção de textos coesos, coerentes, articulados e informativos. Surge um cuidado especial com a estruturação e a organização interna do texto, consideradas fundamentais para que fosse produzida a redação.

Todavia, constata-se que ainda não estava no foco das atenções o caráter interlocutivo dos textos a serem produzido. A produção era considerada com fim em si mesma, ignorando o fato de que as práticas comunicativas nos âmbitos que extrapolam o ambiente escolar têm por objetivo a realização de uma ação social.

De acordo com Marcuschi e Cavalcante (2005), a escola tem privilegiado dois tipos de redação: a endógena e a mimética. Aquela se caracteriza por não considerar as condições de produção, tendo fim em si mesma, porquanto seu objetivo está relacionado à realização de atividades propostas pelo professor, que, assim, poderá avaliar o desempenho do aluno; ao passo que esta se caracteriza pela tentativa de imitar s condições de produção, fazendo com que o aluno redija seu texto de maneira relativamente contextualizada, graças à tentativa de reproduzir o contexto sociodiscursivo em que o gênero a ser produzido se insere.

Conforme enfatizam as autoras, predomina, no ambiente escolar, a produção da redação endógena, o que traz sérias implicações aos textos dos alunos, visto que, não raras vezes, é solicitada a atividade de produção sem que seja definido um gênero discursivo ou, quando definido, aspectos relevantes – como o papel social do autor, o perfil dos leitores, o ambiente de circulação social do texto, o suporte de publicação, o propósito comunicativo, a temática abordada, entre outros – não se constituem como objeto de análises, sendo, até mesmo, diversas vezes, ignorados.

Por esse motivo, Geraldi (1997, 2003) considera a redação um ―não texto‖, uma vez que se constitui como um produto artificialmente construído, desprovido de características interlocutivas essenciais a qualquer texto.

Logo, percebe-se que a escola continuou menosprezando a importância da situacionalidade, tendo em vista que se sobrepuseram os aspectos formais dos textos produzidos. Apesar disso, essa mudança de perspectiva foi imprescindível para que, posteriormente, houvesse a introdução da concepção sociointeracionista na escola brasileira. Para que isso ocorresse, também foi fundamental o papel exercido pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), já que esse documento proporcionou maior reflexão sobre os rumos no ensino de produção textual.