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CAPÍTULO 1 – ARGUMENTAÇÃO: PERCURSO HISTÓRICO E BASES TEÓRICAS

1.3. Os estudos da argumentação na Nova Retórica

1.3.2.1. O layout do argumento

De acordo com Toulmin (2006, p. 135), ―um argumento é como um organismo: tem uma estrutura bruta, anatômica, e outra mais fina e, por assim dizer, fisiológica‖. Levando em consideração essa ―estrutura bruta‖, o autor defende que um só argumento pode ser desenvolvido ao longo de muitas páginas impressas, compondo uma espécie de macroargumento. Porém Toulmin (2006, p. 135) defende que ―podem-se distinguir as fases principais que marcam o progresso do argumento a partir da afirmação inicial de um problema não resolvido, até a apresentação final de uma conclusão‖.

Por esse motivo, Toulmin (2006, p. 135) reconhece a existência de ―uma estrutura mais fina, dentro de cada parágrafo‖, na qual ocorrem essas fases que compõem o argumento desenvolvido em um parágrafo, desde sua apresentação até a conclusão, o que, para o autor, deve ser feito sem que se perca a noção do todo, pois, não raras vezes, é necessário recorrer à macroestrutura para compreender a função que cada argumento desempenha.

Toulmin (2006), então, explica que, sempre que é feita uma asserção, o sujeito que a proferiu se compromete com a alegação que necessariamente está envolvida, a qual se constitui como a conclusão (C) do argumento. Essa alegação pode ser desafiada e, em decorrência disso, o sujeito deve ser capaz de prová-la. Para tanto, existem alguns fatos que podem ser oferecidos como apoio à alegação questionada, exceto se ela tiver sido proferida de maneira irresponsável. Toulmin (2006) chamou esses fatos de dados (D).

Como defendem Sasseron; Carvalho (2011, p. 249), ―o autor parte da ideia de que uma asserção feita defende uma alegação. Os fatos que apoiam esta alegação são os dados (D) e são os fundamentos com os quais se constrói o suporte à conclusão (C) que se busca apresentar‖.

Todavia, ainda é possível que o desafiador não se sinta satisfeito e, por isso, não concorde com a correção desses fatos. Diante disso, não basta a apresentação de informações factuais, será fundamental recorrer à explicitação da relação entre os dados apresentados e a alegação a que se chegou. Nesse caso, devem ser apresentadas proposições gerais que articulem os dados à conclusão, o que, normalmente, é feito por meio de regras, princípios, licenças de inferência, entre outros. As afirmações que cumprem essa função foram denominadas por Toulmin (2006) como garantias (W).

Toulmin (2006) chama atenção para o fato de que, em princípio, as garantias não podem ser constituídas por novos itens de informação, no entanto, o autor admite que, em algumas circunstâncias, essa distinção não pode ocorrer de maneira inequívoca, parecendo até mesmo quase impossível. Com isso, ele reconhece que, em determinadas situações, uma mesma sentença tem como função transmitir uma informação e articular uma informação anterior à alegação subsequente, autorizando um novo passo no argumento de que faz parte. Por essa razão, Toulmin (2006, p. 142) argumenta que o assunto não deve ter tratado ―de modo nem seco nem técnico demais‖, já que sua principal preocupação não é estabelecer uma terminologia rígida.

Além disso, Toulmin (2006) ressalta o fato de que há vários tipos de garantias e cada tipo pode atribuir diferentes níveis de força à conclusão, uma vez que algumas garantias levam à aceitação irrefutável de uma alegação, o que geraria o uso de um termo modal como ―necessariamente‖ para qualificar a conclusão; outras garantias, por sua vez, só confirmam parcialmente a alegação ou a confirmam mediante algumas condições, o que conduz ao uso de qualificadores tais como ―provavelmente‖ e ―presumivelmente‖, por exemplo.

Com base nisso, Toulmin (2006) chega à constatação de que não basta apresentar dados, garantias e conclusão, afinal, há situações em que se faz relevante a presença de um elemento que faça referência ao grau de força atribuído à conclusão. Isso ocorrerá por meio do emprego de um qualificador modal (Q).

O autor destaca ainda o fato de que as próprias garantias podem ser desafiadas e, sendo assim, também podem precisar de outros avais, sem os quais não teriam legitimidade ou autoridade. A sentença que cumpre a função de aval para uma dada garantia foi chamada por Toulmin (2006) de apoio (B).

Toulmin (2006) acredita que, com o apoio presente, a garantia oferecida ganha autoridade, fortalecendo o argumento. Velasco (2009, p. 283) explica que

os apoios por trás das garantias podem ser de natureza bastante diversificada. As garantias são defendidas por motivos variados: ampara-se uma garantia ao relacioná-la a um sistema de classificação taxionômica; ao recorrer aos estatutos legais; aos valores morais; entre outros.

Assim, o apoio funciona, então, como uma informação factual que dá suporte à garantia. Os tipos desse suporte, o apoio, segundo Toulmin (2006), variam conforme variam os campos de argumentos. Argumentos com base na experiência podem oferecer apoios de tipos muito diferentes daqueles que podem ser usados em argumentos de base científica, por exemplo.

Toulmin (2006, p. 149) exemplifica do seguinte modo:

[…] o tipo de apoio que precisamos apontar se tivermos de estabelecer a autoridade de uma garantia mudará muitíssimo, cada vez que mudarmos de um campo de argumento para outro […]. Defende-se uma garantia ao relacioná-la a um sistema de classificação taxionômica; defende-se outra ao recorrer aos estatutos que governam a nacionalidade de pessoas nascidas em colônias inglesas; defende- se a terceira [um árabe-saudita será um muçulmano] ao considerar as estatísticas que registram como as crenças religiosas estão distribuídas entre pessoas de diferentes nacionalidades.

Apesar disso, Toulmin (2006) dá relevo ao fato de que nem sempre precisa ser explicitado o apoio das garantias invocadas em um argumento, já que, a fim de que a discussão avance, em algumas circunstâncias, é preferível que as garantias sejam, ainda que provisoriamente, aceitas sem desafio adicional. Afinal, ―se pedíssemos as credenciais de todas as garantias a vista e nunca deixássemos passar nenhuma sem ser desafiada, o argumento mal poderia começar‖ (TOULMIN, 2006, p. 152).

Por fim, Toulmin (2006) aponta mais um elemento: as condições de refutação (R), as quais expressam circunstâncias em que, em situações específicas, a autoridade da garantia é desafiada e pode-se refutar ou invalidar a conclusão.

A figura abaixo ilustra esse modelo de argumento proposto por Toulmin.

FIGURA 1 – Exemplo do modelo de argumento proposto por Toulmin

Fonte: Adaptado de: TOULMIN (2006, p. 151)

No esquema acima, percebe-se que estão presentes todos os elementos que, segundo Toulmin (2006), compõem um argumento: ―Harry nasceu nas Bermudas‖ representa o dado (D); ―Um homem nascido nas Bermudas será, em geral, súdito britânico‖ se constitui como a garantia (W), que é sustentada pelo apoio (B) ―Os seguintes estatutos e outros dispositivos legais:‖; apresentando ―presumivelmente‖ como qualificador (Q); ―Harry, nas Bermudas, é um súdito britânico‖ é a conclusão (C) a que se pode chegar; e ―seus pais sejam estrangeiros/ele se tenha tornado americano naturalizado‖ configura-se como a refutação (R).

São esses, portanto, os elementos que compõem o layout do argumento proposto por Toulmin (2006), para quem a qualidade da argumentação pode ser aferida pela presença desses itens. Desse modo, um argumento composto por um número mínimo desses elementos deve ser considerado simples. Esse número mínimo deve conter, impreterivelmente, três elementos: dado, garantia e conclusão, sem os quais o argumento estará incompleto. O argumento é tratado como complexo quando apresenta elementos além dos que compõem essa célula mínima (dado, garantia e conclusão).

Com isso, Toulmin (2006) apresenta um modelo básico de análise, o qual permite avaliar argumentos desenvolvidos em diversas esferas comunicativas, desde a conversação cotidiana a

textos de caráter científico, conferindo a seus estudos uma relevância inestimável. Do mesmo modo, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) também trouxeram contribuições imprescindíveis para os estudos sobre a argumentação, como, por exemplo, ao discutir como a atividade argumentativa relaciona-se ao auditório a que se dirige, tendo em vista a própria ampliação do conceito aristotélico de auditório que esses dois autores operaram. Esses e outros postulados desenvolvidos no âmbito da Nova Retórica foram fundamentais para os rumos tomados posteriormente nos campos de investigação da argumentação.

1.4. CAMPOS DE INVESTIGAÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO POSTERIORES À NOVA