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2. O AFETO COMO ELEMENTO DE DIREITO

2.2 O afeto e sua proximidade com a Reprodução Assistida Heteróloga

Parafraseando Cassettari (2015), a intenção aqui, é discutir a questão da afetividade que se estabelece quando um casal não consegue realizar o sonho de ter filhos, em consequência de problemas de infertilidade, fato que leva as pessoas a se submeterem as técnicas de reprodução humana assistida, utilizando-se de material genético de doadores anônimos por serem incapazes de produzirem seu próprio material genético.

Referencia-se o autor para iniciar a discussão em torno do tema proposto neste item. Assim, como se viu nos capítulos anteriores, o elemento “vontade” é o fomento para busca do desenvolvimento do afeto, principalmente enquanto valor jurídico.

Para a reprodução assistida heteróloga, o aspecto “vontade” acaba por ser ainda mais forte e mais evidente, uma vez que o fator que move o universo da biotecnologia enquanto reprodução assistida, certamente é composto por sentimentos que nascem da mais íntima vontade ou do desejo de se ter um filho, diretamente relacionado a fatores extremamente delicados, como por exemplo a esterilidade, a homoafetividade, a socioafetividade e a própria opção pela produção independente.

As pessoas que acessam a técnica da reprodução assistida heteróloga, por certo já percorreram um longo período processual de adaptações para com as complexas concepções que envolvem esta prática. Pois, mesmo com todo o avanço desta ciência, perduram algumas espécies de “mitos” e “dificuldades” em torno da reprodução medicamente assistida, como por exemplo: o alto custo financeiro; clínicas localizadas nos grandes centros; um certo grau de “dúvidas” e uma pitada de preconceito que a sociedade insiste em manter.

Portanto, falar em reprodução medicamente assistida é navegar por um campo essencialmente frágil do ser humano, repleto de incertezas e imbuído de afetividade. Assim, apresenta-se o texto de Maria Berenice Dias (2016),

Bebês de proveta: a transformação pulsa, ainda que lenta.

Todo mundo já ouviu falar em bebê de proveta. A primeira forma de realizar uma reprodução humana fora do método convencional.

Pois é, o primeiro bebê que foi concebido por reprodução assistida já completou 30 anos e, até hoje, a possibilidade de registro dos filhos concebidos pelas mais variadas formas de procriação cientificamente assistida ainda não está regulamentada.

De lá para cá, muitos foram os avanços no campo da biotecnologia. A doação de material genético permite que alguém seja filho de quem não é o seu genitor. Na gestação por substituição – chamada popularmente de barriga de aluguel –, o filho não é de quem o carregou no ventre.

O Conselho Federal de Medicina por meio de resoluções vem aperfeiçoando as normas que regulamentam a reprodução assistida, autorizando, inclusive, que delas façam uso casais homoafetivos.

Em face da irresponsável inércia do legislador, a solução vem sendo ditada pela Justiça, que tem o compromisso de enxergar a realidade da vida.

Assim, em boa hora o Conselho Nacional de Justiça expediu o Provimento 52/2016, autorizando que o registro dos filhos seja feito diretamente no cartório, dispensando os pais de terem que promover uma ação judicial para garantir o direito de identidade do filho quando do seu nascimento.

Só que os avanços são lentos, pois é enorme a dificuldade de as pessoas atentarem para o fato de que cada um precisa assumir a responsabilidade de ser um transformador. Se não do mundo, das próprias ideias e ideais. (grifo nosso)

Assim, verifica-se que os filhos havidos por reprodução humana assistida heteróloga, acabam tendo a sua paternidade reconhecida de forma voluntária, identificando de fato a parentalidade socioafetiva, pois, mesmo que o pai saiba que não existe entre ele e seu filho relações biológicas, uma vez que o material genético utilizado para gerar sua prole é fruto de um doador, acaba por reconhecer, automaticamente a paternidade, deste filho, no momento em que permite a fertilização ou a inseminação, dando mostras do seu desejo e de sua vontade.

Nesse sentido Rolf Madaleno (apud CASSETTARI, 2015, p. 54) afirma que,

A filiação socioafetiva pode ser admitida com base nos seguintes artigos: (a) art. 1.593, no que diz: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. Esta outra origem de parentesco é justamente a sociológica (afetiva, socioafetiva, social, eudemonista); (b) art. 1.596, em que é reafirmada a igualdade entre a filiação (art. 227, § 6º, da Constituição Federal de 1988); (c) art. 1.597, V, pois o reconhecimento voluntário da paternidade na inseminação artificial heteróloga não é de filho biológico, e sim de filho socioafetivo, já que o material genético não é do(s) pai(s), mas, sim, de terceiro(s); (d) art. 1.603, visto que , enquanto a família biológica navega na cavidade sanguínea, a família afetiva transcende os mares do sangue, conectando o ideal da paternidade e da maternidade responsável, hasteando o véu impenetrável que encobre as relações sociológicas, regozijando-se como o nascimento emocional e espiritual do filho, edificando a família pelo cordão umbilical do amor, do afeto, do desvelo, do coração e da emoção, (re)velando o mistério insondável da filiação, engendrando um verdadeiro reconhecimento do estado de filho afetivo; (e) art. 1.605, II, em que filiação é provada por presunções – posse de estado de filho (estado de filho afetivo)”.

Nesse passo, imperial enfatizar que o presente trabalho visa discutir, sobretudo, o direito ao afeto dos filhos havidos por reprodução assistida heteróloga, relação esta que advém das múltiplas possibilidades de configurações e arranjos de família, como uma espécie de liberdade quanto ao modelo de planejamento familiar.

Assim, mais uma vez fica evidente a presença do aspecto “vontade” inicialmente proposto como fundamento para a discussão do afeto e sua proximidade com a reprodução medicamente assistida heteróloga. Enfim, para o autor Arnaldo Rizzardo (2006, p. 514) esta situação caracteriza, o que ele chama de “vontade procracional”.

Contudo, entendendo a “vontade” como peça dominante para a consagração do fator parentesco estabelecido pela reprodução medicamente assistida, pertinente dizer que a técnica heteróloga caracteriza um campo importante para a valorização do afeto como valor jurídico.