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Novas configurações de família: reflexões sobre a (im)possibilidade do reconhecimento do direito ao afeto dos filhos havidos por reprodução assistida heteróloga

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DOD SUL

GIOVANA MACIEL

NOVAS CONFIGURAÇÕES DE FAMÍLIA: REFLEXÕES SOBRE A (IM)POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DO DIREITO AO AFETO DOS

FILHOS HAVIDOS POR REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA

Três Passos (RS) 2017

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GIOVANA MACIEL

NOVAS CONFIGURAÇÕES DE FAMÍLIA: REFLEXÕES SOBRE A (IM)POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DO DIREITO AO AFETO DOS

FILHOS HAVIDOS POR REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Fernanda Serrer

Três passos (RS) 2017

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Dedico esta pesquisa aos meus dois filhos: Anabell e Benício (irmãos gêmeos). Filhos havidos pela experiência da Reprodução Humana Assistida Homóloga “anjos” que despertaram em mim o interesse pelo tema.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos professores do Curso de Direito do Campus Três Passos que souberam, com primazia, transformar o universo acadêmico em espaço de produção de significados e saberes, transformando meu estar na universidade em possibilidades reais e efetivas da busca existencial e pela compreensão de que como operadores do Direito precisamos buscar vencer o distanciamento entre Justiça e Direito.

Agradeço de forma especial, à professora Fernanda Serrer, pela competência e conhecimentos socializados, sobretudo pelo carinho, sensibilidade e dedicação dispensados na orientação da pesquisa. Os laços de afeto, amplamente discutidos no trabalho, foram estabelecidos entre orientadora e orientanda o que deixou mais leve e muito mais segura a construção do presente trabalho.

Agradeço à banca examinadora, pela disponibilidade da presença e pelo exercício de discutir conosco os pressupostos da pesquisa, na responsável atividade daquele que participa da análise de um trabalho acadêmico.

Finalmente, agradeço minha família, pela idealização e realização de mais este título acadêmico. Muitas vezes realizando por mim, o cuidado e a educação com os filhos, tentando suprir minha ausência física e psicológica. Agradeço ao meu companheiro Mário Roberto, pai invejável, pela presença constante e pelos incentivos que me fizeram chegar aqui...

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O assunto é novo, embora já não seja novidade. Ainda gera resistência, como tudo que é novo, e como diz Caetano Veloso: E a mente apavora o que ainda não é mesmo velho/E foste um difícil começo/Afasto o que não conheço/E quem vem de outro sonho/feliz de cidade. (CASSETTARI, 2015)

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RESUMO

O presente trabalho monográfico enfoca a temática das Novas Configurações de Família sob o olhar reflexivo da (im)possibilidade do reconhecimento do direito ao afeto dos filhos havidos por reprodução assistida heteróloga. No primeiro capítulo apresenta-se alguns dos novos arranjos de família, discutindo a família contemporânea e seus complexos desafios. Faz-se uma abordagem com referência ao discurso religioso preFaz-sente nos modelos de família atuais. Ainda, analisa-se as relações de parentesco presentes na família dita moderna, estabelecendo uma relação com a técnica de reprodução assistida heteróloga. No segundo capítulo estuda-se o afeto como elemento de direito e como valor jurídico, suas implicações e seu “possível” reconhecimento. Sobretudo, se tece algumas considerações sobre a proximidade do afeto com a reprodução humana assistida heteróloga e a (im)possibilidade de reconhecimento da parentalidade advinda da utilização desta técnica conceptiva.

Palavras-Chave: Direito ao Afeto. Novas Configurações de Família. Reconhecimento de Parentalidade. Reprodução Humana Assistida Heteróloga.

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ABSTRACT

The present monographic work focuses on the New Family Settings under the reflective look of the (im) possibility of the recognition of the right to the affection of the children through assisted heterologous reproduction. In the first chapter we present some of the new family arrangements, discussing the contemporary family and its complex challenges. An approach is made with reference to the religious discourse present in the current family models. Also, the relationship of kinship present in the so-called modern family is analyzed, establishing a relation with the technique of assisted heterologous reproduction. In the second chapter, affection is studied as an element of law and as legal value, its implications and its "possible" recognition. Above all, some considerations are made about the proximity of the affection with the assisted human reproduction and the (im) possibility of recognition of the parenting coming from the use of this conceptual technique.

Keywords: Right to Affect. New Family Settings. Recognition of parenthood. Assisted Human Reproduction Heterolog.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...09

1. NOVAS CONFIGURAÇÕES DE FAMÍLIA...12

1.1 A família contemporânea e seus desafios...13

1.2 A família contemporânea e o discurso religioso...16

1.3 A família contemporânea e as relações de parentesco...20

1.4 A família contemporânea e a reprodução assistida...27

2. O AFETO COMO ELEMENTO DE DIREITO...30

2.1 O afeto como valor jurídico e as implicações do seu “possível” reconhecimento...31

2.2 O afeto e sua proximidade com a Reprodução Assistida Heteróloga ...35

2.3 Os Direitos Fundamentais e a técnica de Reprodução Assistida Heteróloga...37

2.4 A (im)possibilidade de reconhecimento da parentalidade havida com a reprodução humana assistida heteróloga...47

CONCLUSÃO...51

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INTRODUÇÃO

Vive-se em um tempo singular chamado presente. Para o qual necessita-se de um direito cada vez mais plural, capaz de transcender as mazelas deste momento e possibilitar que a vida possa realizar a “travessia” do ontem para o hoje com vistas ao futuro, de “mãos dadas” com o direito.

O trabalho que ora se apresenta, busca essencialmente refletir sobre essa ‘travessia” propondo a discussão do tema, não menos complexo, que aborda as novas configurações de família e reflete sobre a (im)possibilidade de reconhecimento do direito ao afeto dos filhos havidos por reprodução assistida heteróloga.

Há novas estruturas familiares em curso. Pensar e construir um pensamento jurídico “para” o Direito de Família, só será uma possibilidade ao compreender-se que família é o retrato da cultura de um povo e não um elemento da natureza como alguns doutrinadores propõem. Por ser a família uma espécie de derivação do fenômeno cultural, é que se atribui um caráter variável a esta instituição, dessa característica nasce a capacidade de reinventar-se, remodelar-se, ou seja, refazer-se no tempo e no espaço, sob pena de sucumbir.

A priori, far-se-á uma breve discussão sobre as transformações estruturais que a família tradicional sofreu. Tais mudanças podem ser também entendidas como transições paradigmáticas, pelas quais se identificaram múltiplos e complexos arranjos familiares: uniões homoafetivas, uniões livres, famílias reconstituídas, monoparentais, anaparentais, simultâneas, inseminações artificiais, entre outras formas. Porém uma forte característica recíproca a todos estes modelos elencados é a presença do afeto como fundamento das funções e das relações familiares.

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Aliás, cumpre ressaltar que o discurso religioso presente na sociedade ainda é um discurso rígido, tradicional e dogmático. Embora se discurse sobre uma possível “flexibilização”, ainda há um universo fértil a ser percorrido para que o discurso religioso acompanhe as transformações da família e da sociedade contemporânea.

Entretanto, “o termo parentesco” revela sua importância e complexidade para o campo da ciência jurídica e em específico para o ramo do Direito de Família, sobretudo em tempos contemporâneos, onde se vive um momento propício para a discussão das relações de “parentesco” e das “composições familiares”, as quais se entrelaçam às questões de gênero e de força do estado jurídico.

Agrega-se ao trabalho o tema da reprodução humana assistida que é cenário de inúmeras transformações e modernizações tecnológicas e científicas com finalidade de garantir uma maior qualidade para a vida dos sujeitos com dificuldade ou incapacidade reprodutiva. Assim, incumbe ao Direito acompanhar e adequar-se às novas concepções sociais, a exemplo de quando reconheceu o poder familiar, o pluralismo e a monoparentalidade, a igualdade entre os filhos e os sexos, dentre outros.

Num segundo momento, a pesquisa aborda o afeto como “possível” elemento de direito, onde percebe-se que o Direito de Família contemporâneo vem sinalizando de forma positiva para o reconhecimento da socioafetividade nas questões de parentalidade. Está presente nas decisões proferidas pelo judiciário o reconhecimento da afetividade como fator relevante e altamente decisivo nos aspectos de família e filiação.

Na sequência passa-se a estudar a reprodução assistida heteróloga em sua proximidade com as questões de afeto. Como se viu nos capítulos anteriores, o elemento “vontade” é o fomento para a busca do desenvolvimento do afeto, visto como peça dominante para sagrar a parentalidade presente na prática da técnica de reprodução humana assistida heteróloga.

Neste contexto, faz-se uma explanação sobre a relação existente entre a reprodução assistida heteróloga e os direitos fundamentais, sobretudo no conflito que esta relação estabelece entre os diferentes direitos fundamentais, em especial entre o direito ao anonimato do doador de material genético (princípio da intimidade) e o direito ao reconhecimento da

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origem genética dos filhos havidos por reprodução humana assistida heteróloga (princípio da dignidade da pessoa humana).

Por fim, aprofunda-se o estudo sobre a (im)possibilidade de reconhecimento de “paternidade”, ou “parentalidade socioafetiva”, percebendo a dificuldade do reconhecimento da parentalidade em decorrência apenas da relação genética estabelecida entre o doador e a prole, mas, sobretudo, pelo grau de intimidade, familiaridade e convivência existente entre aquele que exerce a posse de filho e aquele que se reconhece como pai.

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1 NOVAS CONFIGURAÇÕES DE FAMÍLIA

Família! Família! Cachorro, gato, galinha

Família! Família! Vive junto todo dia Nunca perde essa mania…

(Família, Titãs)

As numerosas variações e transformações trazidas pelos séculos XX e XXI ocasionaram mudanças nas relações de família, acentuando as novas configurações e arranjos familiares, assim como a compreensão da própria relação conjugal e de parentesco. Percebe-se na contemporaneidade, que o que vai referenciar a família já não é mais a realização do casamento ou da relação de caráter sexual, mas sim o “afeto” que sustenta e embasa os relacionamentos. A afetividade será o elemento fundamental na constituição dos relacionamentos conjugais e familiares.

Para a história, tem-se que o fator da industrialização contribuiu para a exposição da separação sexual do mundo do trabalho tradicional, um dos aspectos que mantinha e caracterizava o modelo da família nuclear. A crescente participação da figura feminina na seara econômica e financeira da família, acaba por determinar severas alterações e transformações nas formas de organização e de “agrupamentos familiares”.

Desta feita, vale ressaltar, que as razões para tais modificações, estão intimamente relacionadas com o sistema capitalista, onde o sexo do trabalhador é fator irrelevante, desde que o mesmo possua capacidade para expor sua atividade laborativa e sua força para o trabalho. (DURHAM, 1983, p. 34)

Neste sentido, o presente capítulo pretende abordar e apresentar este instituto chamado família, contemplando-o sob as mais variadas formas, modelos, arranjos e configurações em que ela possa se constituir. Discorrer-se-á sobre seu caráter desafiador e contemporâneo, a influência religiosa a que está submetida, sua característica afetiva como elemento fundador das suas relações de parentesco e ainda, a constituição familiar por intermédio da técnica da reprodução humana assistida.

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1.1 A família contemporânea e seus desafios

Muitos e complexos são os desafios à que a família moderna está exposta. Aumenta a cada dia o universo de famílias cujas funções e papeis estão em total “desalinhamento” se comparadas com os modelos tradicionais de família em que cada um dos seus integrantes possuía papeis prévia e claramente definidos. Igualmente se vê as relações e o convívio se modificando, os próprios elementos que integram esta nova família estão mudados, a formação e a estrutura da nova família não é mais a mesma, ou seja, os indivíduos que a compõe estão e pleno e contínuo processo de transformação, em sua maneira de pensar e ver o mundo, e sobretudo, no modo de ser e estar neste mundo.

Nesse movimento de mudanças e adaptações, o que acontece é que o modelo tradicional de família permanece internalizado no indivíduo e consequentemente operando, ao passo que as novas características de ser família, indicam novos conceitos em detrimento aos preestabelecidos (num passado ainda não longínquo), de modo a provocar contradições no âmbito familiar. A inclinação atual é de que as relações a própria convivência familiar se torne uma experiência socializada e que a família seja compreendida como um espaço constante de transformação, progredindo sempre pela sábia ciência da prática do diálogo na tentativa de solucionar os desafios que vida oferece.

As funções parentais, na família contemporânea, não possuem a visibilidade que mantinham em face da ordem tradicional. Observar estas novas configurações é visualizar a diversidade de novos modelos, arranjos e agrupamentos familiares, especialmente uma multiplicidade quanto ao desempenho das funções parentais. Neste novo contexto, nem sempre são os pais quem exercem as funções parentais, por vezes são os avôs, tios, irmãos, ou até mesmo são compatibilizadas por várias membros desta nova organização. Há também os casos, não poucos, em que a função parental está colocada de forma confusa, num claro exemplo de inversão de papeis, pois os pais parecem estar subjugados a condição de filhos e os filhos (no comando) assumem a condição de pais.

Apresentam-se também, outros fatores que restaram evidentes com as mudanças que ocorreram nas funções familiares: a família já não é mais considerada uma unidade de reprodução; vê-se aumentar a capacidade autônoma e individualização da mulher; percebe-se a

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fragilização da figura masculina e do poder do patriarca; casamento, relação sexual e reprodução não existem de forma conjunta.

Pensar em conjugalidade na atualidade, segundo Wendling (2006), é uma atividade complexa, na medida em que as mudanças culturais e socioeconômicas incidem na relação conjugal, oportunizando ao casamento moderno, inúmeros significados, com interpretações e identificações diferentes internalizadas por cada pessoa.

Nos últimos tempos, segundo Mello (2006, p. 502), foram percebidas cinco tendências na forma, organização e papel da família, a saber:

1) elevação da idade média das mulheres em seu primeiro casamento e no primeiro parto, o que tem retardado a formação de novas famílias; 2) diminuição do tamanho das famílias e dos lares; 3) aumento das responsabilidades financeiras dos pais, que passam a ter dependentes mais jovens e também mais velhos; 4) elevação do número de lares chefiados por mulheres; e 5) maior participação das mulheres no mercado de trabalho formal e modificação na balança de responsabilidade econômica nas famílias.

Ainda, acompanhando as transformações na sociedade, e nas funções familiares, acrescentam-se aqui, outros fatores, importantes e fundamentais para a compreensão do comportamento humano nas novas funções familiares na contemporaneidade e possíveis desencadeadores e propulsores dos novos modelos familiares: a ausência de regras e formalidades nas relações conjugais; o aumento de separações e divórcios; a queda dos números de casamentos formais; e a diminuição do número de filhos.

Estas novas organizações familiares, de acordo com Kaslow (apud SZYMANSKI, 2008), se reverberam em múltiplos arranjos familiares que podem ser classificados como: família nuclear (pai, mãe e filhos), família extensa (incluindo três ou quatro gerações), famílias adotivas (bi raciais ou multiculturais), famílias monoparentais (chefiada só por um dos genitores), famílias reconstituídas (após a separação conjugal), casais (sem filhos), casais homossexuais (com ou sem crianças) e várias pessoas vivendo juntas, sem laços consanguíneos, mas com forte comprometimento mútuo.

Uma família é chamada monoparental quando o homem ou a mulher encontram-se sozinhos, exercendo a função de prover os cuidados de um ou mais filhos. Esta família pode viver isolada ou no lar de parentes, como na casa dos avós maternos ou paternos. Admitindo a

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possibilidade da formação deste tipo de família, a Constituição Federal/88 (art. 226 § 4.º) a conceitua como uma “comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (BRASIL, 1988).

Outro arranjo familiar que vem se destacando na população brasileira são as famílias

reconstituídas. Grisard Filho (2010) conceitua essas famílias como uma:

estrutura familiar originada do casamento ou da união estável de um casal, na qual um ou ambos de seus membros têm um ou vários filhos de uma relação anterior [...] é a família na qual ao menos um dos adultos é um padrasto ou uma madrasta. Ou, que exista ao menos um filho de uma união anterior de um dos pais. (GRISARD FILHO, 2010, p. 85).

Dias (2007) caracteriza as famílias reconstituídas como pluriparentais ou ainda de mosaico, consequências da multiplicidade das relações parentais, oriundas do divórcio, separação e recasamento. A autora também considera essas novas famílias como monoparentais, quando permanece o vínculo do genitor com o filho, frisando que a nova união não modifica os direitos e deveres da figura paterna com relação aos filhos, como prevê o artigo 1579 do Código Civil de 2002.

Evidencia-se nestas famílias o aparecimento de novos laços de parentesco, havendo muitas pessoas que desempenham papeis iguais como pai, mãe, novos meio-irmãos, avós, tios e primos. Passando a existir novas referências, “o novo marido da mãe chama-se padrasto, a nova mulher do pai chama-se madrasta, e ao filho do cônjuge, chama-se enteado ou enteada.” (GRISARD FILHO, 2010, p. 89).

Conforme o Código Civil é estabelecido um parentesco por afinidade entre os integrantes das famílias reconstituídas, descrito no art. 1595: “O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge e companheiro.”

Pode-se dizer que a família nuclear é um modelo tradicional que prevaleceu até meados do século XX na sociedade brasileira, sendo formada por um homem e uma mulher e seus filhos. Segundo o artigo 25 do Estatuto da Criança e do Adolescente, é nomeada como família natural, a comunidade formada pelos pais e seus descendentes.

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As famílias conhecidas como extensas, são aquelas constituídas pela base nuclear, com parentes diretos (pais, irmãos, tios, avós e primos) e parentes colaterais (sem laços consanguíneos), morando na mesma residência. Tal modelo familiar foi positivado no artigo 25, § único do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade (BRASIL, 2009).

Dentre os fatores que provavelmente originam esse tipo de arranjo estão ao casos de filhos que ao se divorciarem voltam à casa dos pais (possuindo ou não herdeiros); pessoas idosas da família que não conseguem se sustentar e são integradas em um grupo doméstico ou ainda quando os filhos formam uma nova família e por falta de recursos acabam permanecendo na casa dos pais.

Com o surgimento dessas novas configurações de família, a Constituição Federal em seu artigo 227 apresenta garantias jurídicas aos direitos atribuídos a criança e ao adolescente no que se refere à convivência familiar e social, priorizando a questão do direito que toda criança tem que ser criada e educada pela família, inclusive pelos pais mesmo que separados. Percebe-se com esPercebe-se movimento que a Constituição Federal considera a família, independente da forma em que ela se apresenta ou se compõe na sociedade, como um “grupo” que se faz base da sociedade brasileira e como tal merecedora de “total” proteção do Estado.

1.2 A família contemporânea e o discurso religioso

Não é possível pensar em novas configurações ou arranjos familiares sem considerar a ligação existente entre gênero e religião. As alterações que ocorreram no âmbito familiar se dão quando da reorganização dos atribuições de gênero e do aparecimento de novos arranjos familiares.

Segundo Del Priore (2006) a Igreja Católica, na era Colonial, conservava sermões “educativos” na tentativa de domesticar as mulheres. A autora lembra que obras e livros como

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Armas da Castidade1 mantinham um arsenal de regras com a missão de ensinar as mulheres para não cederem aos fascínios do desejo sexual. É sabido que a temática da família foi e tem sido matéria de acirrados debates, alvo de grandes discussões e preocupações, principalmente para o campo da religião.

Maria das Dores Campos Machado (1996, p. 104) afirma, que

O Casamento é uma temática central na Igreja Católica, no protestantismo histórico e no pentecostalismo. A Igreja Católica tem nele um dos seus mais importantes sacramentos, e conseguiu com muita pressão retardar a aprovação da lei do divórcio no Brasil até a década de 70. E ainda hoje mantém a discriminação aos que optaram por este caminho. Da mesma forma, tenta interferir no conteúdo das políticas sociais e na legislação brasileira quando a temática é a reprodução ou a sexualidade. Os protestantes, ao contrário, destacam-se por uma posição de respeito às leis civis, procurando se adaptar às mudanças sociais, como a dissolução do contrato matrimonial e o planejamento familiar.

Porém, o discurso religioso muitas vezes se coloca no caminho oposto das mudanças vivenciadas pela organização familiar da contemporaneidade. As famílias estão se constituindo e desconstituindo inclusive no contexto religioso. O tradicional vem sendo substituído como em nenhum outro momento da história, no entanto, ainda persiste a tentativa de resistência da religião pela manutenção do modelo de família com base nuclear, na qual as funções de gênero permanecem bem demarcadas, deixando a figura da mulher subordinada à figura masculina.

Souza (2009, p. 32) diz que a construção do sexo masculino foi idealizada como sexo forte, dominador, prático, uma espécie de ser “todo-poderoso”. Enquanto o sexo feminino foi constituído para ser identificado como sexo frágil, dependente, sem autoridade, incapaz e submisso. Para ela as representações socioculturais de homens e mulheres, que evocam a desigualdade social baseada na diferença sexual, são sacramentadas pela religião, naturalizando, dessa forma, a violência de gênero. (SOUZA, 2009, p. 60).

Para os preceitos religiosos o homem sempre foi superior a mulher. "Aos homens coube o mandato divino de exercer autoridade sobre as mulheres e crianças. Deus comanda os homens

1 Armas da castidade: tratado espiritual, em que por modo pratico se ensinao meyos, & diligencias conuenientes para adquirir, conseruar, & defender esta angelica virtude ... Livro escrito pelo Pe. Manuel Bernardes em 1 de janeiro de 1699.

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da mesma maneira que o poder masculino comanda as mulheres e as crianças." (SILVA, 2006, p.19).

Segundo Machado (1996, p. 122) o discurso religioso representa uma visão de mundo centrada na figura masculina, isto é, uma visão androcêntrica. Ainda assim, a mulher constitui-se em um fator agregador da família. Conforme a autora, o pentecostalismo

serve aos interesses práticos das mulheres, já que por meio dele elas podem “domesticar seus cônjuges”, que uma vez convertidos, abandonam o consumo de bebidas alcoólicas, as visitas às prostitutas e o vício do cigarro, canalizando o dinheiro para a família e suas demandas.

A conversão do cônjuge, segundo Machado (1996), possibilita um "novo ethos familiar". Ela aproxima homem e mulher na intenção de estabelecer uma relação mais igual e democrática na atenção com a família. Assim, a religião cristã apresenta uma propositura de respeito ao ser humano como sujeito. Enfim, a religião cristã apresenta em seu centro uma intenção de mensagem inclusiva para com integralidade do ser humano.

Os ensinamentos e a palavra trazida pela Bíblia serviram- e ainda servem- para justificar a dominação masculina sobre a mulher como algo normal, assim como a procriação era entendida como dom natural das mulheres. No entanto, a “negação” da maternidade ainda é vista de forma estranha, pois a sociedade, até hoje, cultiva a ideia do casamento com o objetivo da procriação. Preceitos tão antigos, mas extremamente presentes na sociedade contemporânea.

Neste sentido Foucault (2004, p. 25) afirma que,

A regra é o prazer calculado da obstinação, é o sangue prometido. Ela permite reativar sem cessar no jogo da dominação; ela põe em cena uma violência meticulosamente repetida. O desejo da paz, a doçura do compromisso, a aceitação tácita da lei [...].

Diante do complexo do contemporâneo, frente as várias configurações de famílias, nota-se que as famílias passaram por inúmeras dificuldades ao enfrentar o divórcio no contexto religioso. Muitos foram expulsos de suas Igrejas quando divorciados, sofreram dificuldades e até mesmo foram impedidos de batizar seus filhos, encontraram resistências e preconceitos inclusive em suas relações familiares e também de elementos de sua própria Igreja.

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Contudo, independente do modelo de família construído pelo discurso religioso ser o modelo nuclear, aumenta significativamente o número de famílias reconstituídas a partir de uma união secundária e constata-se isto, com intensidade, por intermédiodos líderes pastorais no contexto religioso.

Diante desse novo cenário, não há mais como a religião ignorar essa “verdade”. Sabe-se que Igrejas Protestantes vêm propondo um novo discurso, um tanto quanto mais liberal, mostrando-se mais flexíveis, realizando a celebração do casamento de divorciados em suas igrejas. O que as Igrejas Protestantes estão avalizando a nível de instituição é o que os indivíduos religiosos experienciam na coletividade da fé.

Embora exista desequilíbrio nas relações de poder entre homem e mulher, nota-se que, em sua maioria, este não foi aceito de forma tranquila. As mulheres, diversas vezes, utilizaram-se das lacunas no poder constituído usando táticas, técnicas e estratégias (próprias do universo feminino) como modo de resistência e sobrevivência a fim de minimizar este poder. Segundo Certeau (2003, p. 100), "a tática é movimento dentro do campo de visão do inimigo." E é submerso nesse espaço manipulado pelo “inimigo” (masculino) que se faz preciso aproveitar as ocasiões e com elas aprender a avançar e evoluir. Para Certeau é uma forma de agir contra os poderosos sem confrontá-los.

Assim, constata-se que o processo de emancipação feminina e de transformação da família foi construído num espaço de muitos conflitos e de disputa pelo “poder”, entre os gêneros e entre a igreja e a sociedade. Ao se contemplar um pouco da história da evolução das famílias, resta evidente o processo de fortes mudanças pelas quais a instituição familiar, foi e, ainda está submetida, especialmente no contexto dogmático e rígido do discurso religioso.

Muito embora se discurse sobre uma possível “flexibilização” das práticas religiosas nos dias atuais, percebe-se que tímidas e praticamente invisíveis são as mudanças efetivamente realizadas. Ainda há um universo fértil a ser percorrido para que o discurso religioso acompanhe as transformações da família e da sociedade contemporânea.

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1.3 A família contemporânea e as relações de parentesco

Como se vê, a palavra família não oferece a ideia de um conceito pronto, fechado, acabado, sobretudo quando se fala das famílias atuais, mas que pode ser compreendida e estudada como uma “instituição cultural” capaz de se modificar de forma dinâmica, histórica e estrutural, numa velocidade assustadora.

É sabido que na contemporaneidade os arranjos familiares se constituem sob as mais variadas formas, superando a noção e a premissa de que apenas o aspecto biológico ou os aspectos oriundos da figura do casamento podem ser considerados corretos moralmente ou ainda, vistos como modelo de estruturação familiar.

Atualmente já se tem afastada e superada essa concepção. Como exemplo disso se pode ressaltar o reconhecimento da união estável, da família monoparental, da produção independente, dos casamentos homoafetivos e das adoções realizadas por esses pares pelo campo jurídico. Não obstante, cabe ainda citar o avanço do Direito de Família no Brasil quando da negação de qualquer distinção entre a filiação e a paternidade socioafetiva, garantindo assim, que o direito das famílias e das pessoas sejam efetivados.

Assim, passa-se a examinar o que dispõe a legislação expressa na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 226, § 4º. “Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

De certa forma o presente artigo em seu parágrafo quarto, acaba por oportunizar a expressividade da família conhecida como monoparental, esta realidade jurídica inovadora e revolucionária, alargou o conceito de família, o que possibilitou a transição dos novos arranjos e configurações familiares do campo fático para o campo jurídico. Assim, começa se vislumbrar a possibilidade, também para o mundo do direito, de um “arranjo familiar” ser compreendido como família, sendo capaz de atrair para si, a “especial proteção do Estado”.

Segundo Maria Celina Bodin de Moraes (2006, p. 615) o processo de transformação da noção de família “foi acompanhado de perto pela legislação e pela jurisprudência brasileiras

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que tiveram nas duas últimas décadas, inegavelmente, um papel promocional na construção do novo modelo familiar”.

Assim também, a palavra “parentesco” se coloca para o mundo do direito como um vocábulo de complexa definição. Principalmente na contemporaneidade, se vive um momento especial para o debate das questões que circundam a criação e o estabelecimento de elos parentais e fatores que se referem à filiação. Ultrapassar os conceitos dogmáticos e tradicionais de família, baseados nas ligações de consanguinidade, requer das relações parentais um exercício de transcendência2 sobre os aspectos biológicos de ascendência e descendência.

Para que se possa falar um pouco mais e melhor sobre transcendência, e compreender seu significado para o universo jurídico, se faz oportuno aqui, refletir numa seara mais filosófica e poética, sobre o que o autor Oseias Faustino Valentim (2011), escreve sobre Seres Humanos em seu poema "Castelo de fragmentos…”.

Castelo de fragmentos... Existência! Vida... Transcendência? Somos uma construção de fragmentos? De elementos? De acontecimentos? De relacionamentos? De interconexões? De convenções? De genéticas e culturas? De sentimentos e pensamentos? De razões? De conhecimentos? De ilusões? De opiniões? De pedaços de outros seres? De outras construções? De... De instintos! Em movimentos... Somos

conjuntos... Múltiplos... Sínteses... Individuais... Seres... Humanos! Humanos!

Ponto e pronto! (grifo nosso).

O texto exposto acima tem o propósito de discutir no presente trabalho, a possibilidade de ampliar a compreensão de que as relações de parentesco se dão a partir de novas convenções, de genéticas e culturas combinadas, do encontro de identidades do conjunto de pessoas, da multiplicidade e da singularidade dos individuais, ou seja, o parentesco parte do encontro do “eu” com este “outro” universo e isto exige definitivamente que se viva a experiência da arte da transcendência.

Transcendência daqueles que começam ou nascem da experiência biológica ou sanguínea da criação humana e que no momento do encontro com o outro, conseguem estabelecer sensações e relações de afinidade que de forma a transcender o que se conhece e o

2 Para além do estar fisicamente juntos quando ocupantes de um mesmo espaço, mas, no desejo de estar com o outro sob a forma transcendente de quem dispõe-se a ‘sair de si’ e no encontro com o outro fazer-se mais completo, na infinita missão de existir coletivamente. “Existo melhor com você”! (MACIEL, 2009, p. 62). Filosoficamente: eis a essência do significado da palavra “parentesco”.

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que se reconhece por conceitos e definições, desenha e redesenha o que transcendentalmente se experencia e que ousadamente se chama de “relações de parentesco”, em especial, relações de parentesco civil ou por afinidade, cuja relação só será concretizada quando do exercício da “transcendência”.

Com esta intenção e para fins de fundamentar epistemologicamente o presente estudo, far-se-á aqui, referência a dois tipos específicos de parentesco. O parentesco estabelecido naturalmente ou por consanguinidade e o parentesco civil, que se configura por questões de afinidade.

Assim, se diz que o parentesco obtido por meio de um antepassado é conhecido como

“parentesco consanguíneo” ou “parentesco natural”, por outro lado o parentesco estabelecido

por afetividade ou por relações sociais é definido como “parentesco civil” ou “parentesco por

afinidade”. Em suma, tem-se que as relações não originárias da consanguinidade são

automaticamente conhecidas como relações de parentesco civis, cita-se como ilustração para este parentesco os filhos havidos pela prática de adoção, o registro de uniões estáveis, a maternidade ou paternidade socioafetiva, o próprio casamento, entre outros.

Sobre relações de parentesco, se observa o que Romanelli (2003, p. 80 e 81) apresenta ao falar da família enquanto instituição:

a dimensão biológica (da instituição doméstica) é elaborada culturalmente em todas as sociedades humanas e adquire significado mediante a construção de normas e modelos que passam a orientar o conjunto das relações familiares, inclusive na expressão de vínculos afetivos do par conjugal e entre esses filhos.

[...] Assim como os laços de aliança são instituídos a partir de ordenações culturais, as relações entre pais e filhos também são construídas do mesmo modo, sobrepondo-se ao aspecto biológico do processo reprodutivo.

O elo existente entre as questões de parentesco e a própria reprodução deixa mais sólida a ideia de que os laços familiares são consequência dos vínculos consanguíneos, o que não é real.

Assim, pode-se dizer que “parentesco” é muito mais uma experiência cultural do que uma consequência biológica. Contudo, importa esclarecer e frisar que foi por meio de diversos estudos histórico culturais e antropológicos que mostrou-se a amplitude do aspecto cultural que envolve as relações de parentesco. Ainda, se possibilitou vislumbrar compreensões

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diversificadas quanto ao conceito de parentesco entre comunidades, ou seja, o que para uma sociedade parecia ciência biológica para outra se percebia como ciência civil, como aspecto cultural e social das relações constituídas por afinidade.

O que se quer, é buscar o entendimento de que não se pode negar as ligações genealógicas existentes entre as pessoas ditas parentes, isto é fato, este fato explica as relações de ascendência e descendência consanguíneas que formam as famílias. No entanto, é igualmente inegável que as relações de parentesco estabelecidas por afinidade são extremamente significativas, por vezes mais “verdadeiras” do que as relações advindas do fator sanguíneo. Por esta compreensão, pode-se dizer que as “regras” de parentesco podem ser descritas de muitas formas, e nesse sentido possuem cada qual a sua individual especificidade ou peculiaridade e por assim deve ser respeitada e sobretudo “garantida”.

Ante ao exposto o que se verifica é que os elos de parentesco se definem na transcendência do conviver entre as pessoas, independentemente das relações de consanguinidade, contrapondo o entendimento e a teoria de parente intimamente ligada à ideia de “família nuclear” que prevalece atualmente na sociedade.

Quanto a seara jurídica, observa-se que o entendimento sobre o conceito de família vem sofrendo constantes transformações e adaptações para o acompanhamento das mudanças na constituição da família contemporânea, já o mesmo não mais se identifica com o conceito antigo de família nuclear, tamanha sua complexidade. A exemplo do que se coloca, pode-se citar o artigo 1.593 do Código Civil Brasileiro que refere: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. A redação do art. 1.593 traz consigo uma gama de possibilidades de interpretações, permitindo desta forma que o brasileiro se configure de forma a não mais identificar-se com as definições de família nuclear.

O conteúdo da lei é preciso, no entanto, é quando se refere ao termo “outra origem” que passa a destacar e abarcar, de forma extremamente aberta, as novas técnicas e tecnologias de reprodução assistida, possibilitando ou garantindo que os novos arranjos familiares ou as novas configurações de família pudessem ser incluídos pelo conceito jurídico de parentesco. Não obstante, a norma destaca claramente que as relações de parentesco podem se dar naturalmente pelo fator consanguíneo ou pela condição civil, o qual se origina do termo “outra origem” abarcando aspectos como a socioafetividade, a afinidade, a adoção, e, mais recentemente, em

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decorrência da complexidade do contemporâneo, a reprodução assistida, como já abordado anteriormente.

Cabe também fazer um recorte para examinar o artigo 227, § 6º, da Constituição Federal de 1988, que diz: “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. O presente artigo esclarece que é constitucionalmente vedada a discriminação entre filhos, superando a clássica noção de filhos legítimos ou ilegítimos trazidos pela velha concepção de família como núcleo celular da sociedade.

Se faz pertinente trazer para a discussão, nesta etapa do texto, um estudo comparativo que apresenta as relações de parentesco abordadas pelo novo Código Civil, apresentado pelo sito eletrônico Geocities (2017)para que se possa visualizar as mudanças e os avanços (ou não) presentes na legislação brasileira, bem como, a partir de uma análise crítica estabelecer possíveis fragilidades nas leis em questão. O texto esquematizado apresenta uma comparação do Código Civil de 2002 (Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002) com artigos correspondentes em legislações anteriores. Seguem os artigos comparados para análise e conhecimento.

Relações de parentesco: no código civil de 2002, Art. 1.591. “São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes”. No código civil de 1916, Art. 330. “São parentes, em linha reta, as pessoas que estão umas para com as outras em relação de ascendentes e descendentes”.

No código civil de 2002, Art. 1.592. “São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra”. No código civil de 1916, Art. 331. “São parentes, em linha colateral, ou transversal, até o sexto grau, as pessoas que provêm de um só tronco, sem descenderem umas das outras”.

No código civil de 2002, Art. 1.593. “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. No código civil de 1916, Art. 332. “Revogado pela Lei nº 8.560, de 29.12.1992”.

No código civil de 2002, Art. 1.594. “Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos

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parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente”. No código civil de 1916, Art. 333. “Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo, porém, de um dos parentes, até ao ascendente comum, e descendo, depois, até encontrar o outro parente”.

No código civil de 2002, Art. 1.595. “Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. § 1o. O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. § 2o. Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável”. No código civil de 1916, Art. 334. “Cada cônjuge é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade”. E Art. 335. “A afinidade, na linha reta, não se extingue com a dissolução do casamento, que a originou”.

No código civil de 2002, Art. 1.628. “Os efeitos da adoção começam a partir do trânsito em julgado da sentença, exceto se o adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso em que terá força retroativa à data do óbito. As relações de parentesco se estabelecem não só entre o adotante e o adotado, como também entre aquele e os descendentes deste e entre o adotado e todos os parentes do adotante”. Nova legislação, Lei 8.069/1990 (ECA): Art. 47. § 6º. “A adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença, exceto na hipótese prevista no art. 42, § 5º, caso em que terá força retroativa à data do óbito”.

O texto com a apresentação dos artigos e suas respectivas correlações em leis anteriores, permite constatar que muito pouco mudou ou se avançou nas questões de relação de parentesco no campo da legislação brasileira. Pode-se concluir que a percepção de parentesco, para o campo jurídico, exposto nos artigos 1.591, 1.592 e 1.594 do Código Civil, é estabelecida por linha reta na configuração dos avós, pais, filhos e netos ou na linha colateral composta pela configuração de irmãos, tios e sobrinhos, com observância dos graus havidos da relação com seus ascendente recíprocos.

Por fim, o quadro refere por meio do artigo 1.595 do Código Civil que existem dois tipos de parentesco, aquele havido da relação com a família de origem (natural) e aquele estabelecido das relações afetivas (civil), no caput do artigo percebe-se presente a noção de que esposas e maridos não são considerados parentes, no entanto, passam a ser, para a seara jurídica, parentes da família de seus cônjuges ou companheiros.

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É necessário atentar para o fato de que, em linha reta, o parentesco determinado por afinidade é preservado sempre, ou seja, mesmo que haja o rompimento de casamento das pessoas. Está presente, também, no Código Civil em vigor, o fato de que o parentesco por afinidade se mantém, inclusive, para os casos de união estável. Esse fato marca o surgimento de um “novo paradigma” de valores e preceitos estabelecidos pela sociedade brasileira.

Para Monteiro e Tavares da Silva (2012, p. 422),

A nova regra tem apoio nos princípios morais que a inspiram, de modo a impedir não só a celebração de casamento, mas também a constituição de união estável entre parentes afins e em linha reta, como sogro e nora, sogra e genro, padrasto e enteada, madrasta e enteado, mesmo diante da extinção das relações que deram origens a esses vínculos de parentesco.

Diante do todo exposto e discutido, com referência ao tema parentesco, se conclui que a ideia predominante na sociedade jurídica brasileira e na sociedade civil da atualidade, é aquela que compreende e reconhece a complexa relação de parentesco, muito mais como um papel social a ser desempenhado e praticado do que apenas uma “simples” ligação advinda do fator biológico de consanguinidade.

Em suma, “o termo parentesco” revela sua importância e complexidade para o campo da ciência jurídica e em específico para o ramo do Direito de Família, sobretudo em tempos contemporâneos, no qual se vive um momento propício para a discussão das relações de “parentesco” e das “composições familiares”, as quais se entrelaçam às questões de gênero e de força do estado jurídico.

Olhar para os espaços conflitantes, de aproximações e de afastamentos em que as relações de parentesco acontecem, possibilita o entendimento de que é crucial para a ordem jurídica um posicionamento firme e contundente, especialmente neste momento em que as novas configurações de família e de arranjos familiares se encontram em evidência.

A considerar o aspecto “sui generis”, do campo da reprodução assistida, prática cada vez mais disseminada e utilizada em consequência dos avanços significativos da biotecnologia, há que se buscar e construir esse posicionamento uno e seguro, num campo extremamente plural. Sobretudo, pela multiplicidade de possibilidades de “reestabelecimento” e “recomposição” das relações de família e de parentesco.

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1.4 A família contemporânea e a reprodução assistida

Há décadas a sociedade vem modificando sua estrutura básica de uma maneira significativa e até mesmo espantosa, consequentemente o ordenamento jurídico vem apresentando algumas inovações referentes a questões atinentes a reprodução assistida e outros temas que circundam essa “polêmica”.

Enfrenta-se atualmente uma espécie de revisão dos conceitos fundamentais e principiológicos que consequentemente vem atingindo o plano do Direito de Família. Ao observar alguns aspectos polêmicos vislumbram-se os novos rumos que as decisões jurisprudenciais, a doutrina e a própria legislação brasileira vem apresentando como fundamentação para as necessidades que se colocam.

É fato que vivencia-se uma profunda mudança quanto a conceitos que colocam em “cheque” as convenções acerca do vínculo familiar e, também da própria vida, de maneira que se faz ímpar a necessidade de acompanhar de forma consciente este processo pelo qual a humanidade está passando.

Neste contexto, a reprodução assistida se apresenta a partir da impossibilidade biológica dos “casais” ou “pessoas” alcançarem a procriação de maneira convencional ou natural. Assim, a Reprodução Humana Assistida é, basicamente, a intervenção do homem no processo de procriação tradicional, com o objetivo de possibilitar que as pessoas com problemas de infertilidade e esterilidade realizem o tão sonhado momento da maternidade ou a paternidade. Sem contudo, sob pesar, as pessoas que utilizam-se da RA como forma de opção.

Importa saber que as questões de esterilidade e infertilidade são vistas como doenças que estão devidamente registradas e classificadas na (OMS) Organização Mundial de Saúde e, como tal, merecem tratamento. Mesmo que a reprodução assistida não trata a doença em si, muitos pensadores e doutrinadores da área defendem a tese de que ela seja compreendida como uma espécie de terapia.

Uma vez diagnosticada e comprovada a inviabilidade de fecundação pelas vias naturais, diante da existência de problemas biológicos e anomalias físicas, findadas as tentativas de

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tratamentos, entra em cena a ciência genética que oportuniza as pessoas algumas técnicas que buscam possibilitar a procriação.

Segundo Pessini e Barchifontaine (2000, p. 221):

Nas técnicas de reprodução assistida, os espermatozoides e óvulos podem provir do casal. Nesse caso, a Reprodução Medicamente Assistida chama-se homóloga. Se, pelo contrário, um ou ambos tipos de gametas do casal não são viáveis se recorre a um doador de espermatozoides e/ou óvulos, fora do casal, denomina-se heteróloga.

Seguramente a evolução da medicina atual, especificamente na área da biotecnologia está possibilitando que o homem possua uma supremacia quanto a assuntos que dizem respeito as suas escolhas e domínio de sua própria existência, sobretudo quando reporta-se às conquistas obtidas pela reprodução assistida.

A Reprodução Medicamente Assistida (RMA), segundo Rey (1999, p. 110) abarca as seguintes técnicas:

IA – Inseminação artificial, consiste na introdução instrumental de espermatozoides

no aparelho genital feminino. Tratando-se de casal, a IA pode ser homóloga (esperma do marido ou companheiro) (do grego, homós, igual, correspondente), ou de terceiro, caso em que será heteróloga (do grego, hetero, outro, diferente).

GIFT – Gametha Intra Falopian Transfer (Transferência de gametas). Por esta

técnica, óvulos e espermatozoides, previamente isolados, são transferidos para o interior do aparelho genital feminino, “de modo a que só ali se dê sua fusão. A fecundação tem lugar em vivo”. Chamam-se de “gametas” as células germinativas masculinas e femininas (espermatozoides e óvulos).

ZIFT – Zigot Intra Falopian Transfer (Transferência de zigotos). Aqui,

espermatozoides e óvulos são unidos em laboratórios, in vitro, sendo o produto resultante (zigoto) implantado no aparelho genital feminino. Chama-se zigoto a célula, ainda unicelular, resultante da fecundação de um óvulo por um espermatozoide (do grego, zigotos, andar juntos).

FIVETE – Fertilização “in vitro” e transferência de embriões. A técnica é igual à da

ZIFT, acima citada, com a incubação in vitro de óvulos e espermatozoides. Mas a transferência para o útero só ocorre quando os zigotos (produtos da fusão) entram em segmentação (no estágio de 2 a 8 células), passando a constituir embriões. [...] Usando-se a técnica ZIFT, a transferência é feita já com os zigotos segmentados, ou seja, na fase de embriões. Tanto na ZIFT como na FIVETE a fertilização é in vitro.

Estas são as técnicas de reprodução medicamente assistidas mais utilizadas na atualidade, no entanto, não se pretende esgotar o tema, mas compreender os itens principais, importantes para o desenvolvimento do presente trabalho.

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Neste obstante, constata-se que a sociedade contemporânea em muito se diferencia da concebida por nossos antepassados, trazendo novas técnicas, princípios e conceitos, alguns advindos, naturalmente, da reprodução assistida, mas a maioria em consequência da própria evolução social, que atua paralelamente, influenciando vários setores da sociedade.

Existe, na realidade, uma relação entre os setores sociais e os avanços da medicina na busca de amenizar os problemas complexos da modernidade. É inegável a percepção de que a sociedade também espera que a evolução aconteça de forma ampla e generalizada, e que tais evoluções possuam “eco” e repercutam, também, na seara jurídica, normatizando novas concepções acerca da vida humana e da reprodução assistida.

De fato a reprodução humana assistida é cenário de inúmeras transformações e modernizações tecnológicas e científicas com finalidade de garantir uma maior qualidade para a vida dos sujeitos. Assim, incumbe ao Direito acompanhar a adequar-se às novas concepções sociais, a exemplo de quando reconheceu o poder familiar, o pluralismo e a monoparentalidade, a igualdade entre os filhos e os sexos, dentre outros.

Contudo, é provável que o ordenamento jurídico garanta “novos direitos” e elabore teses hoje ainda não pensadas, consequência da evolução contínua e natural da humanidade. Não obstante, é fundamental que haja atenção e responsabilidade para se enfrentar as mudanças e inovações pelas quais a sociedade passará, será necessário que exista preparo e capacidade de aceitação e adesão às “novas concepções”, superando mandamentos antes inquestionáveis.

Desta feita, surgem a seguir, como fator impulsionador para o Direito de Família, dois grandes elementos, o afeto e a vontade, características a serem consideradas e compreendidas como valores jurídicos, como uma necessidade real de integrar e modificar o sistema normativo do país.

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2 O AFETO COMO ELEMENTO DE DIREITO

“[...] amplo é o espectro do afeto, mola propulsora do mundo e que fatalmente acaba por gerar consequências que necessitam se integrar ao sistema normativo legal”. (DIAS, 1997, p. 301)

O Direito de Família em suas contemporâneas interpretações vem sinalizando positivamente para o reconhecimento do “afeto como elemento de direito”. Nas decisões proferidas pelo poder judiciário a afetividade vem sendo reconhecida como fator altamente decisivo.

Embora para a sociedade civil possa parecer um fato sem importância discutir as questões de afeto nas relações familiares, pois parece que comumente a sociedade o compreende como elemento fundante e inerente aos aspectos que estruturam as ligações entre os elementos de uma família, ou ainda por parecer o afeto ser característica individual de cada pessoa que representa um elo na relação familiar, para a seara jurídica o afeto não é considerado como um sentimento implícito, pois deixa de ser uma exclusividade no exato momento em que se necessita acessá-lo ou requerê-lo como valor jurídico diante de um tribunal.

Em recentes decisões dos Tribunais, seja em âmbito regional ou nacional, evidencia-se a tônica e a tendência contemporânea do judiciário em valorizar essencialmente o fator da afetividade ao proferirem suas sentenças, respeitando a “busca pela felicidade”.

É sabido que o afeto é uma característica própria do ser humano e assim se constitui como um importante fator de socialização. Respeitar este instrumento de constituição do humano, também nos tribunais, se faz imprescindível e acaba por “humanizar” a esteira judiciária brasileira na busca pela justa execução do Direito e por uma maior e melhor efetividade do ordenamento jurídico.

Enfim, discorrer sobre a teoria de que as relações de afeto importam “mais” para os indivíduos do que os laços biológicos, e a importância do amor e do cuidado para o

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desenvolvimento humano é uma arte que não necessita de muita argumentação, uma vez que resta dizer que o afeto nasce naturalmente nos indivíduos ligados por laços sanguíneos, do mesmo modo em que pode ocorrer onde inexiste o parentesco por fatores biológicos pois existe em decorrência das vivências cotidianas.

Nesse sentido, se aborda no presente capítulo o afeto como “possível” elemento de direito. Estuda-se a reprodução assistida heteróloga em sua proximidade com as questões de afeto e com os princípios dos direitos fundamentais e por fim, aprofunda-se o estudo sobre a (im)possibilidade de reconhecimento da parentalidade socioafetiva”.

2.1 O afeto como valor jurídico e as implicações do seu “possível” reconhecimento

Enfim, o que se compreende por afeto? Infinita seria a possibilidade de escrever sobre o significado e a importância do afeto para o desenvolvimento da vida humana. No entanto, far-se-á o contraponto deste pensamento ao se falar que moralmente é, em determinadas situações, incompatível com a legislação própria do mundo do direito pensar em afeto.

De fato não há como imputar à alguém a condição de amar ou ter afeto pelo seu semelhante ou por seus “parentes”, sejam eles biológicos ou socioafetivos. No entanto, também é inegável que o afeto como “valor”, seja ele jurídico ou não, perpassa as relações sociais e encontra justificativa no ordenamento jurídico, em especial no princípio da dignidade humana.

Assim, pode-se dizer que o afeto transforma-se em regra jurídica e alcança o ordenamento, no exato momento em que as ações que envolvem, especialmente, “cuidado”, carinho, atenção para com outrem, são invocadas quando batem à porta do sistema judiciário.

Nesta direção, a Constituição Federal de 1988 traz de forma expressa em seu conteúdo a proteção a família (pais, filhos inclusive os adotivos), ou seja, o afeto tem fundamento jurídico que se expressa pelos elos afetivos estabelecidos pela comunidade chamada família.

Dois fatores importantes e já considerados pelo Direito de Família nos anos de 1988, numa clara demonstração de adaptação evolutiva, precisam ser lembrados: a criação da Lei

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6.515/1977 que regulamentou o divórcio no Brasil e o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento.

Ademais, já se reconheciam em algumas situações as “uniões de fato”, por meio da concessão do direito de indenizar à concubina quando da “morte do concubino3”, bem como a inclusão da dependência econômica entre ambos, principalmente para questões da previdência e de fatores tributários e ainda, a inclusão do sobrenome do concubino.

Porém, esta realidade modificou-se com a Constituição Federal de 1988, quando fica definido pelo ordenamento que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” discorrendo também sobre outros arranjos e configurações familiares, igualmente merecedores de garantias e proteção.

O reconhecimento do afeto como valor básico para o direito de família, pela Constituição Federal de 1988, consagrou o início de uma nova era para o direito brasileiro. A inserção da cláusula que impossibilitava a segregação ou exclusão de toda e qualquer instituição que possuísse as condições e caraterísticas afetivas, estáveis e visíveis de configurações familiares, transformou o entendimento da norma e sua aplicação em ferramenta valorativa para a constituição do humano.

Como exemplos clássicos das transformações com ênfase no afeto em âmbito familiar se coloca: o reconhecimento das novas configurações de família e da própria multiparentalidade (parentalidade socioafetiva – bipaternidade4 e bimaternidade5, união homoafetiva, família monoparental) como instituição familiar, a perda dos efeitos do regime de bens em face da separação de fato, indenização por abandono ou dor moral e afetiva, a possibilidade de adoção por irmãos, entre outros.

Dentre os diversos subtemas que abarcam os temas “Novas Configurações de Família” e “Afetividade” pelo direito, pode-se frisar que tanto a doutrina quanto a jurisprudência citam a multiparentalidade como enfoque geral. Há, porém, que se considerar o termo

3 (Decreto nº 2.681/1912). Entende-se por concubina(o), aquela(e) que vive maritalmente com outrem sem estar casada(o), conforme art. 57 da lei nº 6.015/1973.

4 (dois pais do mesmo sexo apenas) 5 (duas mãe do mesmo sexo apenas)

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multiparentalidade sob dois aspectos: o geral (duas mães ou dois pais) e outro específico (três ou mais pessoas como genitores). A mais comum e já pacificada pela jurisprudência é a multiparentalidade ampla que se caracteriza pela união de casais de mesmo sexo.

Observa-se a seguir o fragmento do relatório do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, com referência ao afeto como fundamento da “família moderna”:

(...)A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO AFETO COMO UM DOS

FUNDAMENTOS DA FAMÍLIA MODERNA. - O reconhecimento do afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional: um novo paradigma que informa e inspira a formulação do próprio conceito de família. Doutrina.

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE. - O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Doutrina. - O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais. - Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse princípio no plano do direito comparado. (STF; RE 477554 AgR; Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma; julgado em 16.08.2011).

Oportuno aqui, reforçar que ao se discutir afetividade, sobretudo, ao se referir aos direitos de crianças e adolescentes o que encaminha a resolução do problema é, definitivamente, a utilização dos princípios basilares da Constituição, como: princípio da dignidade humana; da busca pela felicidade; do melhor interesse da criança e do adolescente. Neste sentido, analisa-se o posicionamento do juiz Fernando Nóbrega da Silva, Titular da 2ª Vara de Família da Comarca de Rio Branco/AC, ao reconhecer mais um caso de multiparentalidade no Brasil.

Posicionamento do Magistrado ao sentenciar,

Não havendo inexorável vinculação entre a função parental e a ascendência genética, mas concretizando-se a paternidade atividade voltada à realização plena da criança e do adolescente, não se pode conceber como legítima a recusa da multiparentalidade. Basta ver que a família contemporânea é mosaico e, portanto, baseia-se na adoção de um explícito poliformismo, em que arranjos pluriparentais, plurívocos, multifacetados, pluralísticos, são igualmente aptos a constituir um núcleo familiar, merecendo “especial proteção do estado”, como resulta do próprio art. 226, da CF/88. (SILVA, apud CASSETTARI, 2015, p. 202)

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Ao julgar o caso, o magistrado, embora o Ministério público tenha emitido parecer contrário a pretensão da parte autora, acolheu o pedido que objetivava a declaração de paternidade biológica, com inclusão de registro do nome, bem como dos ascendentes paternos na certidão de nascimento da criança, mantendo a relação de pai e filha já contida no documento registral.

Contudo, a própria Constituição da República de 1988 propulsiona o afeto como instrumento essencial das instituições e das relações familiares e, paralelamente, rompe com as velhas e ultrapassadas formas patriarcais de ordenação dos modelos seculares de família, ou seja, o reconhecimento de se ter mais de uma mãe e/ou mais de um pai na certidão, torna-se uma possível realidade e uma histórica conquista para a sociedade brasileira.

Elisa Costa Cruz6 (2017), Defensora Pública do estado do Rio de Janeiro, vem ratificar

o que estuda-se no presente trabalho.

Esse foi o caminho percorrido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar o Recurso Extraordinário (nº 898.060) e reconhecer que o “princípio da paternidade responsável impõe que, tanto vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto aqueles originados da ascendência biológica, devem ser acolhidos pela legislação”.

Em seu voto, destacou o relator, Ministro Luiz Fux, que a “omissão do legislador

brasileiro quanto ao reconhecimento dos mais diversos arranjos familiares não pode servir de escusa para a negativa de proteção a situações de pluriparentalidade. É imperioso o reconhecimento, para todos os fins de direito, dos

vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos”. (grifo nosso).

Parafraseando Elisa Costa Cruz (2017), vive-se frente ao reconhecimento jurídico de que não aceitamos mais amores vazios e relações formais. O afeto, seu valor jurídico e suas implicações são caminhos sem volta que se conquistaram. Porém, o desejo da contemporaneidade é o de descobrir o “tamanho do avanço” e, contudo, revelar até onde podemos ir.

6 Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro, Doutoranda e Mestre em Direito Civil pela UERJ, Vice coordenadora da Comissão da Infância da ANADEP.

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2.2 O afeto e sua proximidade com a Reprodução Assistida Heteróloga

Parafraseando Cassettari (2015), a intenção aqui, é discutir a questão da afetividade que se estabelece quando um casal não consegue realizar o sonho de ter filhos, em consequência de problemas de infertilidade, fato que leva as pessoas a se submeterem as técnicas de reprodução humana assistida, utilizando-se de material genético de doadores anônimos por serem incapazes de produzirem seu próprio material genético.

Referencia-se o autor para iniciar a discussão em torno do tema proposto neste item. Assim, como se viu nos capítulos anteriores, o elemento “vontade” é o fomento para busca do desenvolvimento do afeto, principalmente enquanto valor jurídico.

Para a reprodução assistida heteróloga, o aspecto “vontade” acaba por ser ainda mais forte e mais evidente, uma vez que o fator que move o universo da biotecnologia enquanto reprodução assistida, certamente é composto por sentimentos que nascem da mais íntima vontade ou do desejo de se ter um filho, diretamente relacionado a fatores extremamente delicados, como por exemplo a esterilidade, a homoafetividade, a socioafetividade e a própria opção pela produção independente.

As pessoas que acessam a técnica da reprodução assistida heteróloga, por certo já percorreram um longo período processual de adaptações para com as complexas concepções que envolvem esta prática. Pois, mesmo com todo o avanço desta ciência, perduram algumas espécies de “mitos” e “dificuldades” em torno da reprodução medicamente assistida, como por exemplo: o alto custo financeiro; clínicas localizadas nos grandes centros; um certo grau de “dúvidas” e uma pitada de preconceito que a sociedade insiste em manter.

Portanto, falar em reprodução medicamente assistida é navegar por um campo essencialmente frágil do ser humano, repleto de incertezas e imbuído de afetividade. Assim, apresenta-se o texto de Maria Berenice Dias (2016),

Bebês de proveta: a transformação pulsa, ainda que lenta.

Todo mundo já ouviu falar em bebê de proveta. A primeira forma de realizar uma reprodução humana fora do método convencional.

Pois é, o primeiro bebê que foi concebido por reprodução assistida já completou 30 anos e, até hoje, a possibilidade de registro dos filhos concebidos pelas mais variadas formas de procriação cientificamente assistida ainda não está regulamentada.

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