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O alicerce jurídico de defesa da comunidade Porto do Capim

No documento Geografia, Educação e Cidadania (páginas 194-199)

Paraíba, Brasil

4. O processo “gentrificador” de reformas urbanas

4.3 O alicerce jurídico de defesa da comunidade Porto do Capim

Com o advento das propostas de Revitalização do Centro Histórico, a comunidade do Porto do Capim procurou negociações com o Poder Público afim de legitimar sua permanência na zona ribeirinha como direito legal, além de explanar a atitude relapsa quanto ao meio ambiente e a preservação e o reconhecimento do Patrimônio Histórico-Cultural Imaterial que o Porto do Capim representa

Segundo o Título VIII, Capítulo III, Seção II da Constituição da República Federativa do Brasil:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza

material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: (Emenda Constitucional nº 42/2003)

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às

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V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico

Além do mais, a ameaça de remoção rapidamente mobilizou a comunidade a recorrer ao seu direito à permanência definitiva através do Código Civil Brasileiro, que assegura, através da Lei de Usucapião o direito à posse da terra pela comunidade ribeirinha que habita a região há cerca de 70 (setenta) anos. Como discorre o artigo 191 Constituição Federal:

Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano,

possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Segundo o Código Civil Brasileiro em vigor, Livro III, Título III, Capítulo II, Seção I: Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição,

possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade,

independentemente de título e boa fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos

se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano,

possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Uma decisão judicial plena e irrevogável está longe de ser alcançada, os projetos de revitalização para a área, continuam parados, mas não extintos. A luta da Comunidade do Porto do Capim pela posse dos terrenos junto às instâncias do poder público executivo, setores do legislativo e judiciário. Ao lado dos moradores existem uma série de movimentos sociais, departamentos universitários, setores do ministério público e pareceres técnicos favoráveis de diversos órgãos da administração pública.

5. Conclusão

A luta pela permanência da comunidade do Porto do Capim evidencia o sentimento de pertencimento dos moradores para com a região que remonta cerca de 70 anos de residência de uma população ribeirinha que, devido ao histórico de abandono do poder público desde a construção inicial do espaço urbano são vítimas do descaso com a classe trabalhadora que residiam na área e, auxiliaram no crescimento do núcleo

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econômico da cidade, permitindo sua expansão. Quando o Porto do Capim foi desativado, a comunidade que ficou desempregada assentou-se próximo ao rio Sanhauá, desenvolvendo suas relações culturais, afetivas e de subsistência. Desde a década 1990 o Centro Histórico de João Pessoa vem sendo alvo de processos de gentrificação atrelados aos interesses econômicos imobiliários, idealizados pela nova ordem do capitalismo. Processos de Revitalização do Patrimônio Histórico proposto pelo Poder Público que pautam a remoção da comunidade para outra localidade, uma política tida como ‘higienista’. A repercussão midiática foi outro fator a pesar contra a comunidade. Jornais locais que, estrategicamente, publicam matérias com o objetivo de culpar os moradores pela poluição do rio e alertando para os riscos de saúde aos moradores, excluindo a falta de infraestrutura, saneamento básico, serviços de atendimento médico e educação que afligem a comunidade, e também, a narrativa da própria comunidade de permanecer. Além disso, é atribuído à área a fantasia de perigo, violência e hostilidade, e que a área deve ser evitada por precaução pela população de João Pessoa. A comunidade do Porto do Capim vem travando um longo embate com o Governo do Estado da Paraíba e a Prefeitura Municipal para recorrer ao seu direito legal de permanecer às margens do rio, visto a sua importância histórica e econômica e a sua vasta produção cultural que podem ser vistos por toda a região tombada e que caracterizam-se, segundo a Constituição Federal de 1988 e pelo IPHAN, como Patrimônio Histórico-Cultural Imaterial, além do direito constitucional à posse da região garantidos pela Lei de Usucapião, assegurada pela Constituição Federal e o Código Civil Brasileiro. No ano de 2018, o Ministério Público Federal afastou a proposta remoção dos moradores da região que, entretanto, ainda têm que viver com esse ‘fantasma’ do despejo iminente, pois apesar do reconhecimento de uma série de órgãos ligados ao patrimônio e pareceres técnicos, o total e irrestrito reconhecimento jurídico da posse dos terrenos ainda não foi efetivado. Por sua vez os poderes executivos estadual e municipal ainda não demonstraram interesse quanto à promoção dos direitos básicos que a comunidade carece quanto a infraestrutura, saneamento, saúde e educação. O Porto do Capim, por meio do apoio da Universidade Federal da Paraíba que fornece, através dos jornais que circulam no Campus, a divulgação dos projetos da comunidade, a exemplo, o Projeto Subindo a Ladeira, que tenta reconectar os moradores à cidade novamente, e dos alunos dos cursos de Direito e Arquitetura da UFPB, que fornecem apoio jurídico à Associação dos Moradores do Porto buscando seu reconhecimento como parte essencial da cidade e seu direito legal à permanência e bem-estar social.

197 Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer aos estudantes Victor Silva Marques dos Santos, Leonardo José Batista de Alcântara e Arthur Augusto Nunes Alves pelo grande empenho na construção deste capítulo de livro, apesar de não poderem estar presentes no I Congresso Ibero-Americano Nós Propomos a coaautoria e os créditos também são de vocês.

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Nós Propomos! Taguatinga-DF:

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