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A área da Filosofia da Ciência é construída por diversos autores que discutem acerca desse empreendimento humano chamado ciência, tentando estabelecer suas fronteiras, metodologias, práticas cotidianas, limites e valores intrínsecos e fundamentais do desenvolvimento científico. As ideias de um deles, em especial, nos chamam a atenção.

Figura 1 – Foto de Paul Feyerabend.

Fonte: Medium Brasil. Disponível em: <medium.com/brasil/carta-a-paul-feyerabend-18f8da84eb76>. Acesso em: 29 out. 2019.

O austríaco Paul Karl Feyerabend nasceu em Viena em 13 de janeiro de 1924 e faleceu em sua casa em Zurique, em 11 de fevereiro de 1994, vítima de um tumor cerebral. Filósofo, com doutorado em física pela Universidade de Viena, especialização em teatro e doutor honoris

causa em letras e humanidades pela Universidade de Chicago, Feyerabend desenvolveu uma

filosofia da ciência bastante peculiar. Em suas reflexões epistemológicas, sempre deixou evidente sua postura radical a respeito da natureza da ciência e foi julgado como terrorista

pareceram se ofender com suas críticas e provocações. Ele participou de diversos debates na área, como o grupo da London School of Economics, liderado por Karl Popper nos anos 50; o

wittgensteineanos; o grupo de Herbert Feigl nos EUA; e de discussões com Imre Lakatos e

Thomas Kuhn, dentre outros, além de ter lecionado na Universidade da Califórnia e no Instituto Federal de Tecnologia de Zurich (REGNER, 1996, p. 231-232).

Chalmers (1993, p. 173) cita que um dos relatos do desenvolvimento científico “mais estimulantes e provocadores é aquele que foi pitorescamente apresentado e defendido por Paul Feyerabend; nenhuma avaliação da natureza e do status da ciência estaria completa sem alguma tentativa de entrar em acordo com ele” (grifo do autor).

Neste capítulo, fazemos uso de suas principais obras: a primeira e a segunda edição de

Contra o método (FEYERABEND, 1977; 2011b) – que se diferenciam nos prefácios,

introduções e em alguns de seus últimos capítulos – onde Feyerabend desenvolve suas principais ideias a respeito do anarquismo científico e sua crítica à Razão e à Racionalidade; sua obra Adeus à razão (FEYERABEND, 2010), onde focaremos nas discussões a respeito da expansão do “progresso científico” e do desenvolvimento tecnológico no Ocidente, em que Feyerabend critica a premissa de que existe uma maneira certa de se viver que requer

intervenção; e A Ciência em uma sociedade livre (FEYERABEND, 2011a), onde o status da

superioridade científica é questionado e a ciência é colocada lado a lado com outras formas de conhecimento, inclusive os mitos, a feitiçaria e o vodu. Além disso, reunimos no próximo capítulo as discussões feitas por Feyerabend nessas obras, para tratarmos de Galileu Galilei no recorte histórico de um amplo período que ficou conhecido como Revolução Copernicana.

Feyerabend apresenta uma epistemologia anárquica, em contraste com os procedimentos racionalistas: “a ciência é um empreendimento essencialmente anárquico: o anarquismo teórico é mais humanitário e mais apto a estimular o progresso do que suas alternativas que apregoam lei e ordem” (FEYERABEND, 2011b, p. 31). Ele critica o empirismo16 e o racionalismo17 por serem inadequados para elucidar o desenvolvimento

16 Feyerabend (1977, p. 39) afirma que a essência do empirismo é a regra segundo a qual o êxito das teorias

científicas se deve aos fatos ou resultados experimentais estarem de acordo com o conhecimento teórico.

17 “Feyerabend (2010) identifica o racionalismo com uma tradição que nasceu na Grécia e inicialmente ‘substituiu

os conceitos ricos e dependentes da situação (...) por umas poucas ideias abstratas e independentes da situação’, gerando, numa segunda etapa, ‘estórias especiais, logo chamadas de provas ou argumentos’. (...) Desenvolveu-se, assim, igualmente, a ideia de que ‘são as próprias coisas que produzem a estória e a dizem objetivamente, isto é, independentemente das opiniões e das compulsões históricas’” (REGNER, 1996, p. 234, grifo nosso). Surgindo, assim, o critério de que o conhecimento científico é único, verdadeiro e objetivo.

científico e, destaca ainda, que não há fatos experimentais neutros e que as observações dos fenômenos naturais dependem de nossas pré-concepções.

De maneira geral, ele afirma que nenhuma das explicações propostas até agora pelos epistemólogos são totalmente bem-sucedidas em fornecer regras adequadas para orientar as atividades dos cientistas, e que todas as regras apresentadas até agora foram violadas em algum momento da história:

A ideia de um método que contenha princípios firmes, imutáveis e absolutamente obrigatórios para conduzir os negócios da ciência depara com consideráveis dificuldades quando confrontada com os resultados da pesquisa histórica. Descobrimos, então, que não há uma regra única, ainda que plausível e solidamente fundada na epistemologia, que não seja violada em algum momento. (...) A invenção do atomismo na Antiguidade, a Revolução Copernicana, o surgimento do atomismo moderno [e] a emergência gradual da teoria ondulatória da luz, ocorreram apenas porque alguns pensadores decidiram não se deixar limitar por certas regras metodológicas “óbvias”, ou porque as violaram inadvertidamente. (...) Dada qualquer regra, não importa quão “fundamental” ou “racional”, sempre há circunstância em que é aconselhável não apenas ignorá-la, mas adotar a regra oposta. Por exemplo, há circunstâncias em que é aconselhável introduzir, elaborar e defender hipóteses ad hoc, ou hipóteses que contradizem resultados experimentais bem estabelecidos e em geral aceitos, ou hipóteses inconsistentes. (...) Há mesmos circunstâncias em que a argumentação perde seu aspecto antecipador e torna- se um obstáculo ao progresso (FEYERABEND, 2011b, p. 37-38, grifo do autor).

Feyerabend construiu suas “ideias estranhas” dialogando com diversos filósofos da ciência, dentre eles, seu amigo e companheiro anarquista, Imre Lakatos18. Este desenvolveu uma epistemologia que situava a prática científica dentro de um programa de pesquisa, o que foi chamado por Feyerabend de anarquismo disfarçado, pois serviria de “Cavalo de Tróia, capaz de infiltrar o anarquismo real, direto, ‘honesto’ nos espíritos de nossos mais encarniçados racionalistas” (FEYERABEND, 1977, p. 305). Eles concordam que a metodologia científica deve permitir um espaço livre para que as ideias dos cientistas possam ser exploradas sem impedimentos. E, também, que os padrões das metodologias não são permanentes, mas podem, a partir de um exame de dados históricos, serem substituídos por padrões melhores (ibidem, p.

18 Cita Feyerabend (2011b, p. 7): “Em 1970, durante uma festa, Imre Lakatos, um dos melhores amigos que já

tive, colocou-me contra a parede. ‘Paul’, disse ele, ‘você tem umas ideias tão estranhas. Por que não as põe por escrito? Eu escrevo uma réplica, publicamos a coisa toda, e eu prometo a você – vamos nos divertir muito’”.

287). Dessa forma, “a metodologia dos programas de pesquisa fornecem padrões que ajudam o cientista a avaliar a situação histórica em que ele toma suas decisões; não contém regras que lhe digam o que fazer” diferindo radicalmente de outras filosofias, como o indutivismo e o falseamentismo científico (ibidem, p. 289).

Ele ataca, sobretudo, a ideia de que a ciência possui um Método (com “M” maiúsculo) único capaz de envolver os eventos e processos científicos numa estrutura comum; e que há elementos intrínsecos às investigações científicas que estão ausentes em outros lugares:

o sucesso científico não pode ser explicado de maneira simples. Não podemos dizer: “a estrutura do núcleo atômico foi descoberta porque as pessoas fizeram A, B, C ...”, em que A, B e C são procedimentos que podem ser compreendidos independentemente de seu uso na física nuclear. Tudo o que podemos fazer é dar uma explicação histórica dos detalhes, incluindo circunstâncias sociais, acidentes e idiossincrasias pessoais. (...) A pesquisa bem-sucedida não obedece a padrões gerais; depende, em um momento, de certo truque e, em outro, de outro; os procedimentos que a fazem progredir e os padrões que definem o que conta como progresso nem sempre são conhecidos por aqueles que aplicam tais procedimentos. Mudanças de perspectiva de longo alcance, como assim chamadas “Revolução Copernicana” ou “Revolução Darwiniana”, afetam diferentes áreas de pesquisa de maneiras distintas e recebem delas impulsos diferentes. Uma teoria da ciência que delineia padrões e elementos estruturais para todas as atividades científicas e os autoriza por referência à “Razão” ou “Racionalidade” pode impressionar os observadores externos – mas é um instrumento grosseiro demais para as pessoas envolvidas, isto é, para os cientistas enfrentando algum problema de pesquisa concreto (FEYERABEND, 2011b, p. 19-20, grifo do autor).

Para Feyerabend, a pesquisa científica não deve ser limitada por regras metodológicas. Ele não nega que haja rigor científico, mas afirma que não há nenhuma regra que tenha sido sempre seguida historicamente. Além disso, a atribuição das regras, por si só, para consolidar o status científico se depara com problemas, quando comparada com o rico e complexo conjunto de regras que os pajés utilizam para desenvolver seus rituais de cura e de orientação e com os padrões rígidos e os juízos de valor empregados pela medicina astrológica – o que seria rapidamente descartado por qualquer racionalista sério (FEYERABEND, 1977, p. 310). De forma que, segundo o autor, a única regra que pode ser defendida é o princípio de que tudo

vale, uma vez que a ciência é muito complexa para ser explicada com base em um conjunto de

pluralismo metodológico (ou talvez pela liberdade metodológica) em que o cientista pode

proceder.

Etimologicamente, anarquismo tem raiz na palavra grega anarkhia, (sem topo, sem poder) e representa uma filosofia política que defende os elementos da inexistência de qualquer forma de hierarquia e dominação, seja ela política de governo, econômica, social ou cultural, tendo como princípios a liberdade individual e coletiva, a igualdade e a solidariedade. Para nós, utilizada em seu termo epistemológico,

significa, antes, oposição a um princípio único, absoluto, imutável de ordem, do que oposição a toda e qualquer organização. (...) Não significa, portanto, ser contra todo e qualquer procedimento metodológico, mas contra a instituição de um conjunto único, fixo, restrito de regras que se pretenda universalmente válido, para toda e qualquer situação – ou seja, contra algo que se pretenda erigir como “o” método, como “a” característica distintiva, demarcadora do que seja ciência (REGNER, 1996, p. 233).

Na introdução de sua obra Contra o método, Feyerabend (2011b, p. 31) afirma estar convicto “de que o anarquismo, ainda que talvez não seja a mais atraente filosofia política, é, com certeza, um excelente remédio para a epistemologia e para a filosofia da ciência” (grifos do autor). Para ele, a história da ciência está cheia de interações complexas de eventos – acidentes, interesses, etc. – e tentar explicar essas circunstâncias peculiares por meio de regras metodológicas ingênuas e simplórias só seria conveniente para um oportunista impiedoso. Assim, ainda segundo Feyerabend, a história da ciência não se fundamenta somente em fatos e conclusões extraída de fatos, mas também está sujeita a “ideias, interpretações de fatos, problemas criados por interpretações conflitantes, erros e assim por diante” (ibidem, p 33). Pode-se dizer então que, em nenhuma circunstância, a ciência conhece fatos nus ou fatos

objetivos, mas que todos os dados, percepções sensoriais e resultados, que são extraídos de uma

observação científica, são essencialmente ideacionais. Feyerabend (ibidem, p. 13-14) cita que

termos como “experimentação” e “observação” abrangem complexos processos contendo muitos elementos. “Fatos” surgem de negociações entre grupos diferentes, e o produto final – o relatório publicado – é influenciado por eventos físicos, processadores de dados, soluções conciliatórias, exaustão, falta de dinheiro, orgulho nacional e assim por diante. (...) Estamos bem longe da velha ideia (platônica) de ciência como um sistema de enunciados desenvolvendo-se por meio de experimentação e observação e mantido em ordem por padrões racionais duradouros.

Sendo assim, “a história da ciência será tão complexa, caótica, repleta de enganos e interesses quanto às ideias que encerra, e essas ideias serão tão complexas, caóticas, repletas de enganos e interesses quanto a mente daqueles que as inventaram” (FEYERABEND, 2011b, p. 33). Dessa forma, o anarquista epistemológico não sente receio em apoiar ou refutar o mais banal ou o mais afrontoso enunciado, pois não tem lealdade perante qualquer instituição (como os anarquistas religiosos), nem permanente aversão contra ele (como os anarquistas políticos). Não há método algum visto como indispensável e nem concepções absurdas ou imorais que o anarquista epistemológico se recuse a examinar. Comportam-se de maneira contrária aos que defendem os “padrões universais, as leis universais, as ideias universais, como ‘Verdade’, ‘Razão’, ‘Justiça’, ‘Amor’, e o comportamento que essas ideias acarretam” (FEYERABEND, 1977, p. 292-293).

Feyerabend, paulatinamente, faz uso da história da ciência. Ele trata, dentre outras coisas, da controvérsia acerca da Revolução Copernicana e da física de Galileu, evidenciando uma ciência fruto de uma construção histórica, com pressão social, interesses, propagandas, influência religiosa, ideológica, e até mesmo a busca por felicidade. Afirma que Galileu, no início do século XVII, agiu de forma anarquista quando passou a conhecer a obra principal de Copérnico (a respeito do Heliocentrismo) e estudou o potencial ideológico de sua doutrina, em dissonância com o ideal de estabilidade que inspirava o ponto de vista aristotélico (aceito por grandes grupos da população e defendido pela Igreja) e os experimentos de queda-livre (o argumento da torre), usados pelos aristotélicos para refutar o suposto movimento da Terra. Parte do que estava em jogo era a paz social do povo comum, coisa que Galileu pareceu não se preocupar. O cardeal Bellarmino temia que as pessoas perdessem a fé, caso descobrissem que a Terra não estava em repouso, mas se movia a uma velocidade de 29 quilômetros por segundo ao redor do Sol. Galileu, com uma atitude que Feyerabend chama de esnobe e precipitada, exigia que todos aceitassem um ponto de vista que poderia perturbar a fé dos simples, o que deu direito ao cardeal a exigir alguma prova (científica) mais concreta, uma vez que as luas de Júpiter, as fases de Vênus e as manchas do Sol ainda se acomodavam ao sistema de Tycho Brahe, permitindo que a Terra continuasse imóvel no centro do Universo (FEYERABEND, 1977, p. 295-296).

O chamando argumento da torre19 estava baseado na interpretação natural, afirmada pelos nossos sentidos, de que quando corpos massivos são abandonados eles caem, de cima para baixo, em direção ao chão. Esse movimento, caso o corpo não tenha sido empurrado para uma direção privilegiada ou levado pelo vento, será, inevitavelmente, uma linha reta e perpendicular à superfície da Terra. Feyerabend (2011b, p. 88) afirma que essa sugestão é tão forte que baseou sistemas inteiros de crenças e rituais, além de moldar a base de nossa vivência cotidiana desde as experiências de queda que começam na infância. E que Galileu desenvolveu uma discussão crítica a respeito de quais interpretações naturais deveriam ser substituídas para acomodar a ideia de Copérnico a respeito da mobilidade da Terra.

Assim, se a Terra estivesse em movimento e uma pedra fosse abandonada do alto de uma torre, ela deveria afasta-se da torre ao cair, uma vez que a torre estaria junto à Terra em movimento, mas a pedra não (GALILEI, 2011, p. 208). Esse argumento envolve interpretações

naturais de que a realidade sempre nos fornece informações confiáveis que nos levam a

interpretações diretas da natureza, logo, o movimento da pedra é sempre notado por nossos sentidos. Galileu, entretanto, “identifica as interpretações naturais inconsistentes com a teoria de Copérnico (...) – ideias tão estreitamente ligadas a observação que é necessário um esforço especial para perceber sua existência e determinar seu conteúdo” (FEYERABEND, 2011b, p. 85) – e as substituem por outras interpretações contra-indutivas e altamente abstratas.

Assim, podemos notar que não estavam em jogo apenas as questões racionais e que os métodos utilizados por Galileu muitas vezes envolveram propaganda20 e um forte apelo social para sustentar uma teoria que, como veremos mais adiante, estava em contradição com aquilo que era visto e evidenciado pelo conhecimento científico da época.

Para Feyerabend, ignorar os processos históricos donde surge e se desenvolve uma teoria

reflete na natureza dos “fatos” científicos, experienciados como independentes de opinião, crença e formação cultural. É possível assim, criar uma tradição que é mantida coesa por regras estreitas e, até certo ponto, que também é bem-sucedida. Mas será que é desejável dar apoio a tal tradição a ponto de excluir tudo o mais? (...) Será que os cientistas invariavelmente permanecem nos limites das tradições que definiram dessa maneira estreita?

19 Daremos ênfase a essa discussão no próximo capítulo.

20 O termo propaganda foi acentuado por Feyerabend – interpretação que, inclusive, concordamos e a

defenderemos mais adiante – entretanto, não é consensual, entre os filósofos e historiadores da ciência, que Galileu tenha utilizado, propositalmente, uma tática propagandista.

(...) [A] minha resposta a essas perguntas, [é] um firme e sonoro NÃO. (...) Os anarquistas profissionais opõem-se a qualquer tipo de restrição e exigem que ao indivíduo seja permitido desenvolver-se livremente, não estorvado por leis, deveres ou obrigações (FEYERABEND, 2011b, p. 34-35, grifo do autor).

A ausência de restrições epistemológicas faz Feyerabend entoar que tudo vale quando são analisados, de forma séria, os eventos que aconteceram na história da ciência, e essa é, com toda certeza, uma de suas declarações mais polêmicas e conflitantes21. Na história da humanidade, o conhecimento foi construído das mais diversas formas possíveis, e não há nenhuma “categoria metodológica”, no qual, podemos caracterizar quais os elementos são, necessariamente, intrínsecos à ciência. Além do mais, quando tentamos caracterizar o desenvolvimento científico em regras metodológicas, nos é demonstrado, “tanto por um exame de episódios históricos quanto por uma análise abstrata da relação entre ideia e ação, [que] o único princípio que não inibe o progresso” é o mesmo princípio que sobrevive às limitações epistemológicas da história da ciência: o princípio que tudo vale (FEYERABEND, 2011b, p. 37).

Se quiséssemos encontrar um método que fosse capaz de explicar todos os conhecimentos construídos pela ciência, teríamos como resultado a afirmação de Feyerabend de que tudo é válido, pois não seria possível extrair um múltiplo comum entre todos os métodos que foram utilizados na história do conhecimento, “sendo a única saída determinar, então, que

tudo vale, que nada mais é do que a consideração de uma categoria virtual, digamos, a única

que daria conta da diversidade metodológica da ciência” (LOPES, 2016, p. 26, grifos do autor).

Está claro, então, que a ideia de um método fixo ou de uma teoria fixa da racionalidade baseia-se em uma concepção demasiado ingênua do homem e de suas circunstâncias sociais. Para os que examinam o rico material fornecido pela história22 e não têm a intenção de empobrecê-lo a fim de agradar a seus

baixos instintos, a seu anseio por segurança intelectual na forma de clareza,

21 O termo tudo vale também aparece na literatura como vale tudo. A diferença semântica é que o primeiro termo

pode ser destrinchado como “tudo é válido”, o que significa dizer também que “tudo tem valor”. Já o segundo dá a ideia de que “vale qualquer coisa” de forma que “qualquer coisa serve”. Logo, no sentido epistemológico, proposto por Feyerabend, o termo correto é, de fato, tudo vale.

22 Para exemplificar, Feyerabend (2011b, p. 108) afirma que a física clássica adota uma filosofia que contém os

princípios pelos quais recorre a uma experiência fluida e mutável, que não insistem num “julgamento assimétrico das teorias pela experiência. (...) pelo menos procedem dessa maneira seus grandes e independentes pensadores, como Newton, Faraday e Boltzmann. Sua doutrina oficial, contudo, ainda agarra-se à ideia de uma base firme e imutável. O conflito entre essa doutrina e o procedimento real é ocultado por uma apresentação tendenciosa dos

precisão, “objetividade” e “verdade”, ficará claro que há apenas um princípio que pode ser defendido em todas as circunstâncias e em todos os estágios do desenvolvimento humano. É o princípio de que tudo vale (FEYERABEND, 2011b, p. 42, grifo do autor)23.

Mas será que poderíamos encontrar algum caso da história da ciência que não seria totalmente explicado por um Método que se apresente como racional, objetivo ou universal? Se encontrássemos, provaríamos a falibilidade do Método? Então façamos algo melhor: existe algum caso que seja absolutamente explicado por esse Método? Ou seja, na história da humanidade, alguma vez, em algum lugar, o desenvolvimento científico pôde ser explicado pelo que Feyerabend (2011b, p. 37) chamou de “um método que contenha princípios firmes, imutáveis e absolutamente obrigatórios para conduzir os negócios da ciência”?

A resposta para essa última pergunta é: provavelmente não. Entretanto, podemos proceder com a negação do método: a contrarregra, que corresponde a elaborar e introduzir hipóteses contraditórias com as teorias aceitas e/ou fatos bem estabelecidos, mas que façam avançar a ciência, o que nos levaria a proceder contraindutivamente. Feyerabend (ibidem, p.