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O aparecimento de uma directiva oficial para a avaliação de manuais

No documento Análise da imagem em manuais escolares (páginas 109-115)

6. Avaliação de manuais escolares

6.1. O aparecimento de uma directiva oficial para a avaliação de manuais

Até que, no contexto de uma anunciada Reforma do Sistema Educativo o ME emitiu em 1991 a circular Nº 22/91 que trata de critérios específicos a serem considerados pelos próprios docentes de cada grupo disciplinar, no acto de determinarem qual o manual a adoptar perante a oferta existente 71.

É esta uma directiva muito importante dado que se constitui como um instrumento suficientemente exaustivo e preciso face a múltiplos aspectos a ter em conta nesse acto de selecção. Cria as condições para que o Delegado de grupo disciplinar e os docentes de determinada área analisem com detalhe, façam a sua opção e a comuniquem atempadamente à

70 Franco, G. (2005, 05 Setembro). Livro uno já. Jornal Público, p. 8. Uma das comentadoras a falar com insistência no assunto foi Helena Matos do mesmo jornal (citada anteriormente) mas que acabou por concordar, numa irremediável resignação com a rejeição do mesmo, concluindo que a natureza do livro único “não é

compatível com a democracia” e ainda que, em uma sociedade fragilizada por ondas de corrupção, como a actual

Portuguesa, receasse que fosse imposto, ou seleccionado como livro único “o pior dos disponíveis no mercado”.

comunidade escolar bem como aos representantes dos editores e livreiros. Vemos também que pela primeira vez aparece em Portugal uma orientação que visa a coordenação e articulação entre todos os sectores envolvidos com o manual escolar – Docentes, editores, pais e alunos cabendo a cada uma das partes o seu papel. Em vários sentidos se pode considerar uma óptima directiva que poderia ter proporcionado óptimos resultados caso fossemos, como país e cidadãos, lestos a por em prática aquilo que se legisla. Isto é, neste processo, o problema residia na aplicação dos critérios de avaliação por parte dos professores. Não habituados a uma análise cuidada, metódica e consistente o facto de esta directiva ter uma série de 31 itens a observar e também existir uma quantidade crescente de manuais em cima da mesa levava logo de início, muito simplesmente, à rejeição dessa via, e então voltava- se à apreciação com base no senso comum e nas apreciações apriorísticas, vagas e aleatórias, que é o que ainda hoje tende a imperar. E isto foi assim durante largo tempo. Nós próprios verificamos, quando começamos a dar-nos conta da importância do acto de seleccionar um livro e também do modo como o assunto tendia a ser tratado que um dos obstáculos residia na forma de enunciação dos próprios itens da avaliação que eram, na primeira forma daquela circular, disponibilizados de forma avulsa e sem qualquer indicação de como se fariam as comparações entre os manuais, isto é, não existia uma forma funcional que permitisse afectar um qualquer índice a cada um dos manuais e de molde a tornar claras as apreciações de valor. Assim, começamos a trabalhar na forma de, sem reduzir os itens, procurar integra-los num instrumento que fosse mais fácil e aliciante de aplicar e que, se possível, permitisse a quantificação valorativa dos rasgos da análise. Isto resolveria muito simplesmente problemas de proximidade, de parcialidade, de ambiguidade e proporcionaria a leitura do que era mais válido perante a pontuação obtida.

Começámos, em tempos, no âmbito das nossas funções docentes, em contexto de formação de professores e formação de formadores por efectuar a aplicação da grelha de avaliação em sentido geral72 tal como vem emanada do ME à avaliação de alguns manuais escolares que angariamos para o efeito. Demo-nos conta invariavelmente da fraca receptividade quanto a factores de operatividade e facilidade de uso. Então começamos por analisar com atenção todo o texto da anterior circular aonde lobrigamos ainda algum sentido que apelava a um trabalho a posteriori por parte dos professores, nomeadamente quando diz: “os itens devem ser ponderados de acordo com a especificidade da disciplina a que se destinam...” Acontece que essa ponderação externa e interna à grelha nunca era feita, na medida em que não havia hábitos nem conhecimentos para o efeito, isto é, não se sabia como proceder, na maior parte das vezes, nem qual o alcance de tal procedimento. Claro que a dimensão e a exaustividade dos itens também levavam à desmotivação para tal forma de trabalhar. Mas não há dúvida que a recomendação do M.E. era muito importante pois que pode existir relatividade de valores nos itens consoante a natureza da disciplina, e também relatividade de apreciação em cada item face ao seu peso na grelha, isto é, em toda a grelha não seria correcto afectar cada item com igual ponderação. Ora uma simples leitura primária e apriorística da directiva faz pensar em idênticos pesos para todos os itens. Daqui se depreende

que o documento precisava de ser clarificado, arrumado e encontrada uma forma de o tornar aplicável e de mais fácil aplicação.

Continuámos a trabalhar com o instrumento e a fazer simultaneamente certas tentativas de arrumação, bem como expandir a componente da “forma da comunicação”, dado que para nós, esta parte da análise, tinha muito relevo e incluía nomeadamente a apreciação da comunicação gráfico/plástica73. Começámos a pesquisar também documentos e bibliografia internacional com o intuito de verificar o que se passava noutros países em igual domínio. No âmbito geral da avaliação de livros deparamos com a referência insistente a uma grelha não recente mas elucidativa e bem construída, elaborada na Universidade de S. João de Porto Rico74, e que parecia traduzir o que deveria ser um melhor instrumento que suprisse as debilidades detectadas no modelo português. Apesar de não haver correspondência directa entre os itens da análise, embora no conjunto, se possa dizer que haja uma correspondência de campos a analisar, esta grelha está estruturada de molde a ser efectivamente um guião para uso e avaliação mais fáceis e fiáveis. Neste pressuposto retiramos dela o mais útil com vista a suplantar aquelas dificuldades e adaptamo-la o melhor possível à directiva portuguesa. Obtivemos assim um instrumento que permitia a ponderação prévia de cada um dos itens ou até dos campos de avaliação, julgado o seu primeiro passo, a quantificação numa escala de valorização que tinha a possibilidade de ser flexível (de um a quatro pontos, ou de um a cinco, por exemplo), e de, muito importante para a sua efectividade de uso, permitir a obtenção de um índice final que se constituía no intervalo daqueles valores predeterminados.

Posteriormente, tivemos a oportunidade de aferir que, sem prescindir de nenhum item da análise, o seu uso era muito mais fácil e normalmente captava a adesão dos grupos avaliadores com quem trabalhamos. Trabalhamos com este instrumento em diferentes grupos, em formação inicial de professores, Cursos de Estudos Superiores Especializados e também com docentes profissionais em exercício no 2º Ciclo do Ensino Básico. Este modelo foi também seguido por formandos que entretanto se tornaram formadores no âmbito da avaliação de manuais. Pensamos então que o seu uso poderia ser generalizado e dele temos feito divulgação operacionalizada em trabalho prático. Na presente investigação pensámos utilizá-lo, em dado momento, para avaliar os manuais da amostra e dar cumprimento aos objectivos do 1º ponto – 1.1 e 1.2., mas depois, adaptamos a experiência prévia a uma nova grelha definitiva que construimos no decorrer do presente trabalho. No entanto, achamos pertinente falar dessa experiência. Verificávamos com regularidade nessas sessões que, no campo da comunicação visual, havia problemas de vária ordem, assinalados pelos avaliadores e que confirmavam aliás alguns aspectos referidos pelas poucas investigações no terreno: existências de imagens complexas e com um grau de abstracção desajustado das capacidades de raciocínio do público a quem se destinavam, desajustes e contradições entre a parte icónica e a componente verbal, erros científicos veiculados, ambiguidade informativa...

73 Ver forma definitiva da grelha e processo de classificação em anexos.

74 “Consejo Superior de Enseñanza” (1947). Normas para la Evaluación de libros de Lectura para la Escuela

Como que a confirmar que a primeira circular do ME era uma “jóia” em bruto que precisava de ser esmerilada, aquele organismo do poder central, bastante recentemente, tem disponibilizado uma forma de apresentação dos itens e da forma de obter dados mais concretos na avaliação de cada manual disponibilizando formalmente duas grelhas que fazem uma aproximação à que nós próprios elaboramos75. Nesse sentido concorre para acrescentar à nossa proposta a validade que já reconhecêramos. No entanto a pedra em bruto é só burilada em alguns aspectos porquanto existem outros aspectos que nos levam aos seguintes reparos: As duas grelhas do ME, sínteses da referida circular e que são obrigatórias de preencher76, no acto da escolha de manuais, ao menos a de apreciação mais elementar, dita por Gérard & Roegiers (1998, p. 267) de “grelha de avaliação em sentido restrito”, têm o handicap de não obterem um índice numérico já que os valores são enunciados em forma de parâmetros escritos: I, S, B, MB (Insuficiente, Suficiente, Bom, Muito Bom) o que, dada a probabilidade real de obter classificações muito próximas, não possibilita uma tão grande discriminação face à consideração de valores numéricos que permitam a discriminação até às décimas, intervalo onde, muitas vezes, se decide qual é o manual mais válido, confirmado pela nossa referida experiência. Essas grelhas têm também a não afectação de um coeficiente a cada item, o que concorre para que cada um seja visto em pé de igualdade com o vizinho. Ora acontece que este é um dos assuntos em que os professores são unânimes em considerar que há itens que devem ter mais peso – um exemplo concreto é o segundo item do campo referente à Informação - “responde aos objectivos e conteúdos do programa”, que todos acham mais importante que o terceiro do campo Características Materiais “permite a reutilização”, e que acham bastante secundário. Possuem as grelhas ainda a clara probabilidade de definir os seus novos itens, embora mantendo os campos da circular inicial, numa base de itens mais genéricos mais próximos da formulação de objectivos gerais do que específicos e comportamentais. Neste sentido, o rol inicial de itens era detalhado e observável de modo mais discriminativo face ao que se encontra realmente no manual. Portanto, entendemos também que o sentido quer da circular Nº 22/91 quer do nosso constructo evidencia vantagens desde que os docentes entrem num acordo prévio à análise no sentido de atribuir pesos distintos aos itens de acordo com a sua real valia o que tornará o instrumento mais adequado a uma análise que se pretende realmente análise e que é mais difícil de acontecer no caso das recentes grelhas avaliadoras do ME. Não é por acaso que estas se denominam, logo no cabeçalho como “registo de apreciação...” Ora apreciação, era o que tradicionalmente se fazia com base na subjectividade referida atrás.

No que toca à diversidade e exaustividade dos itens houve na grelha mais exaustiva do ME, grelha de avaliação em sentido geral, uma redução passando de 31 itens no total da circular para 19 (quase metade), o que concorre, sem dúvida, para a o incremento da sua funcionalidade, o que é muito relevante, dado que é aqui que se joga a possibilidade de os instrumentos serem úteis ou não, de servirem os fins que perseguem ou serem simples

75 Ver grelhas em anexos.

instrumentos de fachada que ninguém usa. Poderemos dizer, mesmo assim, que ficaram de fora itens com algum relevo.

Excerto da grelha de avaliação em sentido geral do ME nos pontos relativos à comunicação gráfica e características dos materiais:

3. Comunicação

1. A concepção e a organização gráfica do manual facilitam a sua utilização e motivam o aluno para a aprendizagem - (Caracteres tipográficos, cores, destaques, espaços, títulos e subtítulos, etc.);

2. Os textos são claros, rigorosos e adequados ao nível de ensino e à diversidade dos alunos a que se destinam;

3. Os diferentes tipos de ilustrações são correctos, pertinentes e relacionam-se adequadamente com o texto - (Fotografias, desenhos, mapas, gráficos, esquemas, etc.).

4. Características materiais

1. Apresenta robustez suficiente para resistir à normal utilização.

2. O formato, as dimensões e o peso do manual (ou de cada um dos seus volumes) são adequados ao nível etário do aluno.

3. Permite a reutilização

Conclusão: Demo-nos conta, num continuado contacto com a avaliação de manuais escolares, que o campo da comunicação e os sistemas de símbolos gráficos e visuais utilizados impõem pela sua presença e importância, ao menos na clara evidência do seu crescente número, uma atenção cuidada e um estudo de pormenor. Identificamos também que esses campos podem estar relacionados ou implicados com outros aspectos que são recorrentemente citados e até investigados, como o crescente peso dos instrumentos didácticos que os alunos (nomeadamente mais jovens) transportam para a escola, ou os valores, que não são só curriculares, veiculados pelo campo das imagens. Achamos que os itens da grelha do Ministério da Educação, apesar de referirem no campo da comunicação dois pontos muito explícitos acerca da comunicação visual presente no manual escolar (os pontos um e três do grupo três – comunicação, da grelha acima transcrita), eles são apenas referenciados como pertinentes para análise, sem no entanto se darem quaisquer pautas de como se pode operacionalizar essa análise. Quer dizer, não é possível quando nos dizem para verificar se “os diferentes tipos de ilustrações são correctos...”, só por aí, fazermos uma leitura precisa pois que não é indicado o que se entende por “ilustração correcta”. Para uns pode ser uma ilustração amaneirada, vistosa, colorida e muito agradável, para outros pode muito bem ser uma ilustração que atenda mais à parte cognitiva e racional de transmissão do conteúdo ainda que a sua forma de representação seja menos luxuriante que no primeiro caso. Quer dizer, a grelha é só um declarar de intenções de princípio porque, de facto, a verdadeira análise fica ao encargo da subjectividade do professor ou dos professores. Neste sentido se pronuncia também Cabral (2005, p. 50) que é de opinião ainda de que a directiva está comprometida à

partida devido “à variedade da ―formação dos analistas [os docentes das várias disciplinas ] e pela natureza das várias disciplinas abrangidas que requerem critérios próprios”. Há pois que estudar mais o que se passa com as imagens nos manuais escolares da actualidade, as suas formas, as suas funções, de que modo efectivam a transmissão de conhecimentos e valores. Saber como são, como existem fenomenicamente na folha impressa para daí se tirarem mais adequadas pautas de análise face à pertinência e utilidade do seu uso ou não no manual escolar actual; e, nomeadamente, poderem vir a integrar grelhas de análise mais úteis e também mais funcionais de avaliação dos próprios manuais escolares, que é um assunto ainda não resolvido.

Como conclusão podemos reter ainda que o trabalho desenvolvido anteriormente se constituiu como um factor de motivação e justificação importante para o presente trabalho de investigação.

Existem desenvolvimentos recentes, nomeadamente em contexto português, que se direccionam para uma melhoria da objectividade geral da análise e que está patente em grelhas que conseguem matizar e acrescentar positivamente dados não abordados pela última atrás exposta. Morgado (2004, p. 61-73) apresenta uma proposta bem articulada e aonde, por agora, nos interessa referir a aplicada à análise da “informação gráfica”. Assim este autor estipula os seguintes pontos de análise aonde é visível a preocupação em determinar também por separado a função que os vários tipos de imagem, fotografias, desenhos (ilustrações) e esquemas, desempenham (p. 69):

a) Equilíbrio entre a quantidade e a qualidade da informação gráfica utilizada: 1. Existe informação distractiva;

2. Existe informação gráfica redundante;

3. A quantidade de informação gráfica é necessária;

4. A quantidade de informação gráfica utilizada apresenta qualidade (adequação, relevância);

b) As fotografias utilizadas no manual escolar:

1. Denunciam uma certa segregação cultural – sexo, raça… (obstáculos educativos);

2. Na maioria dos casos são redundantes;

3. São úteis pelo realismo e veracidade das situações apresentadas; 4. Acrescentam informação pertinente.

c) Os desenhos utilizados no manual:

1. Frequentemente fantasiam a informação fornecida e/ou a própria realidade; 2. Muitos poderiam evitar-se;

3. Auxiliam a compreensão dos conhecimentos veiculados; 4. Apresentam rigor científico, tornando-se imprescindíveis; d) Os esquemas que integram o manual escolar:

1. Na maior parte dos casos complicam a compreensão dos/as alunos/as; 2. Muitos eram desnecessários;

4. Denotam rigor científico, sendo imprescindíveis.

É uma grelha muito interessante para os objectivos do nosso trabalho usando de terminologia e conceitos que também entendemos pertinentes para uma análise da componente icónica e verbo-icónica nos manuais. Assim podemos isolar, desde já, os seguintes termos que estão explícitos e implícitos na relação anterior: útil, necessária, adequada, pertinente, qualidade versus quantidade, auxiliadora, realista e verídica, justa (em termos de quantidade), rigorosa, redundante, segregadora, fantasiosa, complicativa, excessiva… Alguns deles estarão debaixo da nossa atenção para a estruturação da nossa própria grelha de análise.

No documento Análise da imagem em manuais escolares (páginas 109-115)