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4.1 Problemática da vivissecção

4.1.1 O ativismo animal contra a vivissecção no Brasil

De acordo com Tom Regan, os “ativistas” ou defensores dos direitos animais” (DDAs) são pessoas dotadas de plena consciência animal que

                                                                                                                          523

 SINGER, Peter. Libertação animal. Tradução de Marly Winckler. Porto Alegre, São Paulo: Lugano, 2004. p.59; 76; 98.  

524

FEIJÓ, Anamaria Gonçalves dos Santos. Utilização de animais na investigação e docência:

uma reflexão ética necessária. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. p.91.   525

SINGER, Peter. Libertação animal. Tradução de Marly Winckler. Porto Alegre, São Paulo: Lugano, 2004. p.76-77.

compartilham convicções abolicionistas 526. Pode-se entender como “dotado de plena consciência animal” alguém que consegue enxergar em seres não-humanos, mais do que algo, mas outro alguém, um ser vivo dotado de expectativas e necessidades, capaz de sentir e expressar emoções diversas. Por “convicções abolicionistas” compreende-se o senso comumente compartilhado entre os defensores dos direitos animais de que é chegada a hora de uma revolução pela libertação animal, no sentido de que eles – enquanto seres vivos – não podem mais ser tratados como coisas, à disposição do homem para a satisfação de suas necessidades.

Assim, os ativistas são muitas vezes considerados extremistas. E, segundo Regan, de um certo modo realmente o são. Aliás, pode-se afirmar que todos são extremistas em relação a algo. Isso porque “extremista” diz respeito “à natureza incondicional daquilo em que as pessoas acreditam” 527. Para o autor é nesse sentido que os DDAs são extremistas, isto é, “eles realmente acreditam que é errado treinar animais selvagens a representar atos para o entretenimento humano, por exemplo” 528. O problema é que, comumente, esse termo é empregado “como instrumento retórico para evitar a discussão informada e justa” 529 ao invés de se perceber que o foco da questão não está em ser radical com relação a algo, mas se esse radicalismo se justifica.

No Brasil, o caso de ativismo em favor dos animais mais popular 530 ocorreu no início da madrugada do dia 18 de outubro de 2013, quando um grupo da “Frente de Libertação Animal” (do inglês Animal Liberation Front – ALF) invadiu a unidade do Instituto Royal localizada em São Roque/SP (que realizava testes de

                                                                                                                          526

REGAN, Tom. Jaulas vazias: encarando o desafio dos direitos animais. Tradução de Regina Rheda. Porto Alegre: Lugano, 2006. p.41.

527

REGAN, Tom. Jaulas vazias: encarando o desafio dos direitos animais. Tradução de Regina Rheda. Porto Alegre: Lugano, 2006. p.13.

528

Ibidem, p.13.

529

Ibidem, p.12.

530 A Revista Época cita a depredação ocorrida no laboratório do Departamento de Fisiologia Geral da

USP durante a madrugada do dia 5 de novembro de 2008; e um incêndio ocorrido no biotério da Universidade Federal de Santa Catarina, em 20 de setembro de 2011. GUIMARÃES, Camila; PONTES, Felipe; KORTE; Júlia. A vida dele vale tanto quanto a sua? Revista Época, 25 out. 2013. Disponível em: <http://epoca. globo.com/ideias/noticia/2013/10/b-vida-dele-valeb-tanto-quanto- sua.html>. Acesso em: 17 jan. 2014.

segurança para medicamentos e fitoterápicos 531 com animais) e retirou de lá 178 cães da raça beagle, além de sete coelhos (conforme divulgado pela imprensa 532). Os ativistas, antes da invasão, faziam protestos há dias no local, pedindo a interrupção dos testes com animais, tendo, inclusive, registrado denúncia junto ao Ministério Público. Posteriormente, no dia 13 de novembro de 2013, o instituto foi novamente invadido, ocasião em que foram levados do local diversos camundongos que também eram utilizados como “cobaias”.

Ao comentar sobre o uso de animais em experimentos, a gerente geral do instituto, Silvia Barreto Ortiz, explicou que:

para esses testes, são utilizados animais determinados de acordo com protocolos pré-clínicos. Ratos, camundongos, coelhos e cães, estes últimos, da raça beagle. Esta raça é a mais indicada como modelo biológico padronizado para as pesquisas científicas por conta de seu padrão genético e sua similaridade com a biologia humana 533

.

Ainda conforme a gerente, o Instituto Royal era certificado pelo Concea (cuja imparcialidade já se teve oportunidade de questionar no capítulo 3, item 3.3) que, assim como outros órgãos (Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, Ministério Público e Zoonoses), podia verificar o “carinho” com que eram tratados animais. E vai além: “É muito triste constatar que um pequeno grupo pode colocar tudo isso a perder, em nome de uma visão deturpada e a partir de uma falta de sensibilidade atroz” (grifo nosso) 534. Na verdade, o que parece mais deturpado nesse caso, é a visão que a porta-voz do instituto tem sobre “carinho” e “maus- tratos”. Enquanto o instituto se considera vítima de furto qualificado, os ativistas alegam que agiram a fim de interromper um crime que ocorria (flagrante delito), qual

                                                                                                                         

531 Segundo a gerente geral do instituto, Silvia Ortiz. Há de se constatar que, até o momento, as

atividades realizadas pelo instituto não foram divulgadas e o caso corre em segredo de justiça. BARROS, Ana Cláudia. Em vídeo, Instituto Royal se defende e afirma que beagles eram tratados

com carinho. Portal R7 Notícias. 23 de outubro de 2013. Disponível em: <  http://noticias.r7.com/sao-

paulo/em-video-instituto-royal-se-defende-e-afirma-que-beagles-eram-tratados-com-carinho- 28102013>. Acesso em 18 jan. 2014.

532

ARAÚJO, Tiago de. Caso Royal: sem provas, investigações apontam para ausência de maus-

tratos. Portal R7 Notícias. 25 de novembro de 2013. Disponível em: <http://noticias.r7.com/sao-

paulo/caso-royal-sem-provas-investigacoes-apontam-para-ausencia-de-maus-tratos-25112013>. Acesso em: 18 jan. 2014.

533

BARROS, Ana Cláudia. Em vídeo, Instituto Royal se defende e afirma que beagles eram

tratados com carinho. Portal R7 Notícias. 23 de outubro de 2013. Disponível em: <  

http://noticias.r7.com/sao-paulo/em-video-instituto-royal-se-defende-e-afirma-que-beagles-eram- tratados-com-carinho-28102013>. Acesso em 18 jan. 2014.

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seja o de violação das disposições do art. 32 da Lei nº 9.605/98, Lei de Crimes Ambientais, pois denunciavam a prática de maus-tratos pelo instituto com os animais.

Há uma dicotomia acerca da concepção de maus-tratos: legalmente, consistiria em não observar os requisitos legais da experimentação animal, relativos à utilização de animais ante a inexistência de métodos alternativos, minimização do sofrimento, vedação de crueldade e maus-tratos, bem como as orientações de órgãos especializados (como o CONCEA e a ANVISA) e as determinações de leis locais (como é o caso do Decreto nº 40.400/95, no Estado de São Paulo, por exemplo, que aprova Norma Técnica Especial relativa à instalação de estabelecimentos veterinários); todavia, do ponto de vista ético, privar um ser de sua liberdade, mantê-lo em baias juntamente com outros dormindo sobre as próprias fezes, bem como submetê-lo a experimentos invasivos e manipulações em seu corpo e órgãos, à ingestão de substâncias prejudiciais à sua saúde, não pode ser considerado “carinhoso” e, em contrapartida, é uma forma de maltratar esse ser.

Enquanto a discussão legal se limita ao entendimento de que animais são parte do meio ambiente, que é um “bem de uso comum do povo” e que um crime contra um animal é um crime contra o meio ambiente, que atenta contra o senso de civilidade do homem, portanto, um crime contra a sociedade (composta por homens – sujeitos de direito); o discurso ético vê os animais como as verdadeiras vítimas dos atos contra eles cometidos, pois são eles os maiores prejudicados (são os animais que experimentarão a dor, o sofrimento, a angústia, a tristeza, e não a sociedade). Nesse paradigma, Lenio Luiz Streck reflete:

Quem é a vítima? Diz a generalidade dos juristas, ancorados em Kant, a vítima (do ato que tirou a vida dos cães) é a sociedade (humana, claro). É ela que foi agredida no seu senso de civilidade. […] O crime não foi a rigor cometido contra aqueles animais! Contra a vida deles. Por quê? Ora bolas: porque eles são coisas, objetos de direito. Não são sujeitos. A vida, a rigor, não era deles. Era do seu dono... O corpo deles não era deles. Era... do seu proprietário. […] É no mínimo curioso. Quem sofre a dor é o animal, a vida que se esvai é do animal, mas a vítima não é ele. Um animal que é queimado, que tem a pata ou a língua cortada, que é espancado, como tantos são diariamente, nenhum deles é vítima. Se tem dono, a vítima é o proprietário. Se não tem, se selvagens são considerados, a vítima é

a sociedade (direito difuso). Nunca o animal, ele mesmo, em si. Simples assim. Uma engenhoca jurídica para sair do paradoxo de afirmar que o próprio animal é a vítima e ainda assim é objeto 535. Note-se, nessa linha de raciocínio, que não há qualquer motivo ético capaz de justificar o uso de animais na ciência.

Um relatório, divulgado pela imprensa, de uma vistoria realizada em março de 2013 pelo biólogo Sérgio Greif, corrobora essa ideia. Inicialmente, é de suma importância registrar que, segundo o relatório, a visita ocorrera mediante agendamento prévio, o que o biólogo considerou potencialmente prejudicial à produção de provas e apuração das questões apontadas em denúncia ao Ministério Público 536. Ao indicar a inadequação do “canil estoque”, onde cães eram mantidos após o desmame até seu uso em experimentação 537, o biólogo argumenta:

Esses animais embora forçados a absorver em seus organismos substâncias prejudiciais, tóxicas e potencialmente letais, não seriam, portanto, considerados como sofrendo maus-tratos, em uma definição bem-estarista do termo. No entanto, esse conceito de maus-tratos, embora alinhado com as normas legais e formalmente válidas, não condiz com os melhores interesses dos animais. […] O problema que eu encontro ali [Instituto Royal] não é diferente de qualquer lugar onde há experimentos em animais. O problema é inerente à experimentação. Então, dentro do que ele se propõe a fazer e dentro da lei que nós temos, não consigo perceber nessa inspeção pontual alguma coisa errada que contrarie a lei que existe hoje. Mas moralmente, eticamente, vejo muitas coisas erradas. Você está forçando o animal a inalar, a ingerir ou injetando nele produtos que são sabidamente tóxicos, que vão prejudicá-lo 538.

                                                                                                                         

535 STRECK, Lenio Luiz. Quem são esses cães e gatos que nos olham nus? Consultor Jurídico. 6

de junho de 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jun-06/senso-incomum-quem-sao- caes-gatos-olham-nus>. Acesso em: 19 jan. 2014.

536 BARROS, Ana Cláudia. Parecer solicitado pelo MP aponta “condição insalubre” em um dos canis do Instituto Royal. Portal R7 Notícias. 26 de outubro de 2013. Disponível em:

<http://noticias.r7.com/sao-paulo/parecer-solicitado-pelo-mp-aponta-condicao-insalubre-em-um-dos- canis-do-instituto-royal-28102013>. Acesso em: 18 jan. 2014

537 “Na avaliação de Greif, as condições dos cachorros nesse local especificamente se mostraram

“bastante inferiores” às encontradas naqueles que estavam no “canil maternidade” e “canil experimental”. Apesar de contarem com uma área de recreação, os animais, após recolhidos, eram colocados em gaiolas suspensas de 2,15 x 1,97 m ou 1,80 x 1,30, com quatro a cinco beagles, cada uma. Segundo o relatório, o odor de fezes e os latidos criavam “uma condição estressante e insalubre”. O parecer destacou: ‘As gaiolas são colocadas a uma distância do chão, de modo a facilitar a limpeza, no entanto, por ocasião da inspeção, verificou-se que na sala onde estavam abrigados os machos o piso das gaiolas já se encontrava sujo de fezes e pisoteado pelos animais, e seria naquele local que os cães passariam a noite, ou seja, os cães necessariamente teriam de dormir sobre as próprias fezes’”. Ibidem. Acesso em: 18 jan. 2014

538

O advogado do instituto, Daniel Antônio de Souza Silva tentou rebater as más condições em que os animais eram mantidos justificando que as fezes encontradas entre os animais e fotografadas pelos ativistas decorreram de uma reação do organismo desses animais, que se assustaram ao se depararem com diversas pessoas à sua volta (referindo-se à invasão do instituto pelos ativistas), vez que estão acostumados a ver, durante toda a vida, apenas cerca de três ou quatro pessoas. Todavia, o advogado não comenta o parecer fruto da vistoria retromencionada, que embora “pré-agendada” constatou a insalubridade das baias onde eram mantidos diversos animais em meio às próprias fezes. O advogado ainda comparou os ativistas a uma “manada de elefantes” 539, como se tal expressão tivesse o poder de ofender aqueles que justamente vêem os animais como semelhantes. É possível que a maioria das pessoas, ao se deparar um discurso tão reprovável, preferisse ser um elefante em sua manada a pertencer à espécie homo

sapiens e ter de conviver em uma sociedade com noções tão deturpadas sobre o

lugar que os animais ocupam no mundo atual.

Talvez do ponto de vista legal não houvesse maus tratos. Mas do ponto de vista ético certamente havia. E aí repousa o cerne da questão: enquanto uns atêm-se à análise legal do tema, entendendo que os ativistas devem ser indiciados por furto qualificado (visão totalmente instrumentalizada dos animais), outros extrapolam tal dimensão e se voltam ao estudo ético do caso, concluindo pela inexistência de justificativa para um tratamento tão diferenciado entre humanos e seres sencientes (o que classificam como especismo, ou seja, priorizar o status moral dos membros de determinada espécie em detrimento do de outras).

Revistas como Veja e Época prestaram apoio incondicional aos defensores da vivissecção, não poupando críticas às ações dos ativistas. Na matéria de capa da Revista Época, lia-se o título: “A vida dele vale tanto quanto a sua? Explode no Brasil a violência que opõe os defensores de testes científicos com animais àqueles que querem proteger os bichos a todo custo”. No interior da revista, era possível encontrar páginas e páginas em defesa da vivissecção, comentando

                                                                                                                          539

ARAÚJO, Tiago de. Advogado de instituto suspeito de maus-tratos a animais compara

ativistas a “manada de elefantes”. Portal R7 Notícias. 18 de outubro de 2013. Disponível em:

<http://noticias.r7.com/sao-paulo/advogado-de-instituto-suspeito-de-maus-tratos-a-animais-compara- ativistas-a-manada-de-elefantes-28102013>. Acesso em: 18 jan. 2014.

sobre significativos avanços que proporcionou à medicina e o sofrimento experimentado por pesquisadores vítimas de “grupos radicais anti-vivisseção”. Vale transcrever trechos do texto:

Grupos radicais que afirmam defender os direitos dos animais e usam táticas terroristas para passar seu recado são comuns na Europa e nos Estados Unidos há pelo menos duas décadas. O britânico Frente pela Libertação dos Animais (ALF, na sigla em inglês) é um dos mais violentos. [...] a ALF pode ser considerada a grnde inspiradora do ataque recente ao Instituto Royal, em São Paulo [...]

O médico Marcelo Marcos Morales, coordenador do Conselho Nacional de Controle da Experimentação Animal (Concea) e secretário da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, afirmou o seguinte sobre o espisódio: “Um trabalho que demorou anos para produzir foi jogado no lixo. O prejuízo é incalculável para a ciência e para o benefício humano”.

[...] é correto usar animais em experimentos para salvar vidas humanas? A resposta, embora nem todos a enxerguem com clareza, é: sim – sem sombra de dúvida.

[...] A ética dos ativistas é regida por simpatias, não apenas pela moral.

[...] A despeito de nossos afetos sinceros pelos bichos, ergue-se entre nós e eles uma intransponível barreira evolutiva 540. (grifo nosso)

Ainda, ao argumentar sobre os benefícios advindos da experimentação para os próprios animais, ironiza:

Gatinhos, passarinhos e cachorrinhos não desfrutariam as rações vendidas nos pet shops e os benefícios dos remédios veterinários se outras criaturas iguais a eles não tivessem sido cortadas, furadas, infectadas e – sim – involuntariamente torturadas em laboratórios 541. (grifo nosso)

De acordo com a revista, há necessidade de investimento em métodos alternativos dotados de igual eficácia como forma de reduzir o sofrimento e a quantidade de animais usados em pesquisas, recurso que tem sido buscado por cientistas e centros de pesquisa em todo o mundo, como é o caso do médico anestesista Ray Greek, o qual afirma que as alternativas já existem: “Apenas devemos impô-las e parar de fazer algo inútil, que não funciona. (Mas os

                                                                                                                          540

GUIMARÃES, Camila; PONTES, Felipe; KORTE; Júlia. A vida dele vale tanto quanto a sua?

Revista Época, 25 out. 2013. Disponível em: <http://epoca. globo.com/ideias/noticia/2013/10/b-vida-

dele-valeb-tanto-quanto-sua.html>. Acesso em: 17 jan. 2014.

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laboratórios) não querem aprender coisas novas, trazer pessoas de fora ou mudar departamentos” 542. No Brasil, há um único centro destinado a essa finalidade, o Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos.

Ao final da matéria, disponibilizada na página virtual da Época, dos vinte primeiros comentários feitos por leitores, treze eram críticas que a acusam de ser tendenciosa, de não ouvir todos os pontos de vista e, inclusive, de ter sido “encomendada” por interessados na defesa da experimentação.

Já a Revista Veja apresentava, em sua capa, uma proposta aparentemente mais sutil, com o título: “O dilema dos beagles. Amor sem remédio. Ainda não dá para fazer ciência sem que ele sofram, mas cada vez mais isso é intolerável” 543, cujo conteúdo ora denunciava o ativismo, ora ressaltava as semelhanças entre o homem e os outros animais (perfazendo um total de 17 páginas). Exceto por uma das matérias dessa edição que, de modo quase agressivo, levava a crer que os ativistas seriam pessoas fortemente contrárias à evolução. Intitulada: “Nosso povo na selva. Por que será que agora, no auge da civilização tecnológica, se valoriza tanto a ideia de abandonar tudo e voltar ao mundo natural? Antes de tentarmos o mergulho no atraso, é bom lembrar que não tem volta”, apresentava trecho em destaque, com os seguintes dizeres: “Bom pra quem, cara pálida? Na raiz de todo ativismo violento está a noção utópica e errônea de que Thomas Hobbes pensou errado e, portanto, a vida selvagem é idílica, prazerosa e fraternal” 544, enquanto apresentava, ao fundo, uma imagem de um índio com seu bebê (o que parece, no mínimo, discriminatório, pois, ao invés de respeitar a civilização indígena por seus costumes e tradições, assemelha-a a um povo atrasado, que vive “na selva”). Há de se questionar onde realmente paira a intolerância nesses casos.

Por outro lado, o que não é possível justificar, sob qualquer abordagem que se faça do princípio da proporcionalidade, são os exageros presentes em certas

                                                                                                                          542

Ibidem. Acesso em: 17 jan. 2014.

543 O DILEMA dos beagles. Amor sem remédio. Ainda não dá para fazer ciência sem que eles sofram,

mas cada vez mais isso é intolerável. Revista Veja, ano 46, no 44, 30 out. 2013.

544

ações 545. Tal postura não se enquadra na ideia de necessidade/exigibilidade, por não traduzir o “meio mais suave” de se atingir o resultado pretendido (e mesmo no que se refere à adequação, a conduta, por vezes, em nada contribui à consecução do objetivo, não se presta ao alcance do fim almejado). Há de se considerar que, por vezes, ações em defesa dos direitos dos animais empregam meios excessivos, que extrapolam a salvaguarda dos direitos animais. Tom Regan, após caracterizar como “vandalismo” a ação cujo objeto direto consiste no estrago de objetos de pequena monta e como “violenta” como o ato que envolve prejuízos de grande monta, admite que “alguns defensores dos direitos animais cometem atos de vandalismo” 546, o que normalmente gera um reflexo negativo à noção de ativismo e que apenas alimenta com argumentos seus opositores. Entretanto, tais atos são raros e, via de regra, não intencionais, razão pela qual esclarece que “apesar do que algumas pessoas falam de nós, a maioria dos defensores dos direitos animais não é composta por fanáticos fora-da-lei” 547. Sem pretender justificar atos de violência, Tom Regan pondera de que lado está realmente a violência.

Os animais são afogados, sufocados e mortos de fome; têm seus membros decepados e seus órgãos esmagados; são queimados, expostos à radiação e usados em cirurgias experimentais; são submetidos a choques, criados em isolamento, expostos a armas de destruição em massa, levados à cegueira e à paralisia; são induzidos a ter ataques cardíacos, úlceras e convulsões; são forçados a inalar fumaça de tabaco, a beber álcool e a ingerir várias drogas, como a heroína e a cocaína. E dizem que os DDAs são violentos? [...] No dia-a-dia, o maior volume de violência no mundo “civilizado” se deve ao que os seres humanos fazem aos outros animais. Que a violência seja protegida legalmente serve somente para tornar as coisas piores ainda 548.

                                                                                                                          545

No caso do Instituto Royal, por exemplo, houve informações de subtração de computadores, destruição de instalações, equipamentos, medicamentos e máquinas, em que pese não tenha havido confronto com a Polícia Militar , que esteve no local. De acordo com as notícias divulgadas, por outro lado, a autoria das ações violentas praticadas durante a invasão do dia 18 de outubro de 2013, em protesto pelo fim da vivissecção no dia seguinte à primeira invasão (que resultou em confronto com a Polícia Militar e depredação de bens), bem como todo o planejamento da segunda invasão (ocorrida em 13 de novembro do mesmo ano, ocasião em que três vigias foram mantidos reféns dos invasores,