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PARTE I PERCURSO TEÓRICO

1. CONTEXTUALIZAÇÃO TEMÁTICA

2.2 O ATO DE LINGUAGEM E O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO

Ao propor a teoria Semiolinguística, Charaudeau (2008) constrói uma teoria dos sujeitos da linguagem. O sujeito, para ele, não é um indivíduo preciso, nem um ser coletivo, é o lugar da produção de significados. Para esse autor, a significação se realizará no jogo que um dado

Bakhtin, ora nos referindo às contribuições do círculo de Bakhtin, apenas por uma questão de coesão textual, sem nenhuma intenção de entrar nessas questões de autoria.

sujeito vai estabelecer entre a configuração verbal e o sentido implícito, “na confluência entre o dito e o não dito11” (CHARAUDEAU, 2008, P. 13).

Nessa perspectiva, Charaudeau (2009, p. 20, 21) concebe o ato de linguagem como “(...) um conjunto de atos significadores que falam o mundo através das condições e da própria instância de sua transmissão. Daí se conclui que o objeto do conhecimento é o do que fala a linguagem através do como fala a linguagem, um constituindo o outro.”12.

Desse modo, Charaudeau (2009) propõe duas dimensões do ato de linguagem, uma explícita, que seria a verbal, e uma implícita, que depende dos protagonistas do ato de linguagem e de suas relações com as circunstâncias de comunicação. Essas duas dimensões são indissociáveis e, conforme o autor (op.cit., p.26), “(...) não se pode determinar de forma apriorística o paradigma de um signo, já que é o ato de linguagem, em sua totalidade discursiva, que o constitui a cada momento de forma específica”. Isso significa que o ato de linguagem só pode ser considerado se levar em conta sua parte implícita e explícita de acordo com as condições discursivas na qual se insere. Conforme lembra Machado (2005, p. 29), “(...) tais condições dependem de relações de hierarquia, dos rituais de troca linguageira, dos rituais de polidez que os diferentes sujeitos mantêm entre si”.

Charaudeau (2008, p. 13), postula quatro princípios indissociáveis que se encontram na base do ato de comunicação:

i. O princípio da interação: o ato de comunicação é definido como um fenômeno de

troca entre dois parceiros. Como uma coconstrução interativa, não simétrica, na qual um parceiro constitui o outro através do reconhecimento dos papéis de produção e interpretação.

ii. O princípio da pertinência: o interlocutor supõe que o locutor tem uma intenção, ao

mesmo tempo em que reconhecem a existência de certos saberes, valores e normas que regulam os rituais linguageiros.

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Grifos do autor

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iii. O princípio de influência: o sujeito falante escolhe diferentes estratégias para

influenciar seu parceiro, conforme puder percebê-lo: favorável, desfavorável ou indiferente a seu projeto de influência. Desta forma, poderá escolher influenciá-lo usando estratégias de sedução, convicção, de credibilidade, etc.

iv. O princípio da regulação: irá determinar as condições para que os parceiros da

comunicação entrem em contato e se reconheçam como parceiros legitimados, assim como as condições para que a troca comunicativa prossiga e atinja seus objetivos.

São estes princípios que constituem o contrato de comunicação que fundamenta o ato de linguagem. A noção de contrato de comunicação proposta por Charaudeau (2008) parece se aproximar, pelo menos no nível dos saberes compartilhados, de aspectos relevantes propostos por Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005) sobre a participação do orador e do auditório e os acordos estipulados e previstos em uma situação argumentativa. O contrato de comunicação postula que é indispensável o reconhecimento recíproco dos interlocutores enquanto parceiros da comunicação para que exista a prática linguageira. A problemática dos acordos em Perelman & Olbrechts-Tyteca supõe um laço intelectual entre os sujeitos em termos de premissas fundadas no real (fatos, verdades e presunções) e premissas fundadas no preferível (valores, hierarquias e lugares comuns). Para Charaudeau, o contrato de comunicação não se limita a esses tipos de acordos, pois incluem também saberes sobre a situação de comunicação, a identidade dos parceiros, a pertinência dos temas, etc. Contudo, a aproximação entre esses autores pode ser feita no nível conceitual da necessidade de um reconhecimento (acordo) mútuo dos parâmetros da comunicação, que é o que confere legitimidade à troca comunicativa.

Assim, o ato de linguagem deve ser visto como um encontro dialético entre dois processos: um de produção, que inclui um sujeito que produz a mensagem (EUc), um sujeito enunciador (EUe) e um sujeito destinatário da mensagem (TUd), ambos construções do sujeito comunicante que detém a iniciativa do processo de produção do discurso; e outro de interpretação, no qual está inserido um sujeito interpretante (TUi), que detém a iniciativa do processo de interpretação. Cria-se, assim, um quadro enunciativo com um circuito externo (do fazer social) e um circuito interno (do dizer). O sujeito enunciador e o sujeito destinatário constituem o resultado da encenação do dizer e de um projeto de fala do sujeito comunicante.

O sujeito comunicante, de acordo com a situação de comunicação, utilizará estratégias discursivas a fim de consolidar o que se deve, se deseja e se pretende dizer. Além disso, os sujeitos comunicantes não podem prever a reação exata do sujeito interpretante, pois como diz Charaudeau (2009, p. 44), “todo ato de linguagem é uma aposta”, mas podem se acercar de estratégias que colaborem para a interpretação esperada, não só de acordo com a intenção comunicativa, mas de maneira mais abrangente, de acordo com a situação de comunicação, que inclui a finalidade, as identidades e as circunstâncias envolvidas no ato comunicativo. Vejamos a sistematização do ato de linguagem no Quadro 1:

Quadro 1: sistematização do ato de linguagem

Fonte: adaptado de Charaudeau, 2009, p.52

O desdobramento dos sujeitos em seres de ação e de fala pode permitir uma visão sistêmica das dimensões internas e externas do discurso, o que nos parece ser um elemento metodológico importante. Além disso, a proposta Semiolinguística direciona-nos para a análise de um ato de linguagem, buscando responder “quais sujeitos o texto faz falar” e reconhecer como elementos linguageiros, semânticos e formais se organizam em um texto, conduzindo-nos aos possíveis interpretativos.