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“‘Stamos em pleno mar... Abrindo as velas Ao quente arfar das virações marinhas, Veleiro brigue corre à flor dos mares, Como roçam na vaga as andorinhas... Donde vem? onde vai? Das naus errantes Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?”

Que barco é esse, quem somos nós, os navegantes, como e por onde viemos navegando? Para narrar os ritos de passagem das quartas séries (hoje quintos anos) do ensino fundamental foi preciso localizá-los no tempo das demais travessias, nos espaços e entre lugares que cada grupo de tripulantes vem ocupando neles. Foi preciso, portanto, principalmente, ocupar-se da embarcação que as conduziu.

O barco, construído artesanalmente, com sua primeira tripulação de atores e educadores, adultos e crianças, compunham uma comunidade de arte e educação que valorizava a vida natural e a vida social. Desde o início, pratica-se horticultura, atividades ao ar livre, a produção cooperativa dos conhecimentos, a mescla de jogo, trabalho e estudo.

Na lembrança da origem destaca-se um pequeno grupo de navegantes capazes de debruçar-se no convés por um longo tempo, a mirar as vagas, os céus, os pássaros ou os peixes... Um grupo de pessoas que gostava de ser formiga, mas também cigarra, de fazer conjuntamente as diversas tarefas e de fazer tudo ficar bem bonito.

Na verdade, havíamos começado essa empreitada, eu e meu companheiro, Ruy Cezar Silva, como um projeto de vida. Inventamos uma Via, a qual nomeamos Magia, em 1982, para dar espaço ao sonho viageiro de um grupo de teatro experimental, como já disse inicialmente. Tínhamos atrás de nós uma década de trabalho em teatro, em arte/educação e em educação. Em embarcações distintas, navegáramos sem sequer saber da existência um do outro.

Talvez porque não fôssemos então marinheiros de primeira viagem, pudemos começar de novo, ter a paciência para nos deixarmos guiar pela concretude dos acontecimentos. Mesmo que orientados pela nossa vivência anterior, de alguma forma pelo que havíamos apreendido delas, estávamos, ambos, com disposição à abertura da experiência que iniciávamos com essa embarcação ainda precária, embora novinha em folha. Abertura tanto para correr à flor dos mares quanto ao quente arfar das virações marinhas...

Nosso encontro resultara numa história de amor, numa história de raiz erótica, logo em um compartilhar dramático e logo, logo, em 1984, no compartilhar dos filhos que foram nascendo e da escola, que também nascera (imagem 12) e crescia. Abrimos as velas...

Imagem 12

O nome de Casa Via Magia causava menos estranhamento pela palavra Casa do que pelo nome Magia, associada que está essa palavra a uma forma de prática religiosa típica dos povos considerados primitivos ou selvagens. Até hoje, esse nome, tremulando na bandeira desse velho barco, causa certo desconforto em algumas situações, como em encontros institucionais, seja com a academia, seja com fundações ou órgãos governamentais.

Faz sentido esse mal-estar porque realmente esse nome revela não somente um trabalho de educar apontando para a arte e sua lógica sensível, como também orientado para o exercício humano ancestral de contato direto com o mundo, vigente ainda em certas comunidades, geralmente pobres, mais rurais do que urbanas.

Mesmo que reducionista, esse olhar poderia até nos servir, pois sempre estivemos nessa rota de enlace mágico entre a vida agrária e a via dramática. Parece que o deus Dioniso, desde sempre, esteve presente em nosso barco, pois nos jogamos nesse exercício de entrega à dança dos acontecimentos e aos ciclos naturais da vida, à embriaguez de lançar-se e mergulhar no mistério do devir do cosmos.

Afinal, “quem sabe o rumo se é tão grande o espaço”8?

Nos diferentes e vários momentos em que fomos questionados sobre o nome magia que trazemos em nossa identidade, se nos demandaram uma definição sobre o motivo dessa escolha. Seria por conta de termos uma filosofia espiritualista de educação ou por sermos realmente ligados a algum tipo de religião ou esoterismo?

Lembro-me quando a palavra magia foi escolhida. Vivíamos em São Paulo e buscávamos um nome para nosso grupo de teatro experimental. Passamos também pela possibilidade de “Pé de pato, mangalô, três vezes”, que é uma fórmula de espantar a má sorte, o que nos remete ao contato lúdico atuante sobre o destino, sobre o azar. De certa forma, portanto, à magia.

Por alguma razão, naquele dia, sentados no chão, num dia de ensaio, ficamos com a expressão Via Magia. Como bem indica a situação, nos referíamos à magia da arte, especificamente do teatro, ao seu potencial de ação e transformação, a determinada forma de ver o teatro. Ainda que fosse necessário passar seis anos depois daquele instante, para que começássemos a compartilhar com entusiasmo as ideias de

8 ALVES, Castro. O Navio Negreiro. In: O navio negreiro e outros poemas. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2007.

Artaud9 sobre o teatro, já pensávamos na relação entre a ação dramática e a ação da

magia.

Artaud irá nos tocar com sua proposta de “acordar e olhar as coisas como num sonho”, de criarmos um teatro que se serve de todas as linguagens e “encontra-se exatamente no ponto onde o espírito precisa de uma linguagem para produzir suas manifestações”.

Logo no início do livro O teatro e seu duplo, ao qual nos dedicaríamos coletivamente quando voltamos a viver em Salvador, em 1984, Artaud demarca sua viagem dramática, afirmando que se falta uma magia constante em nossa vida é porque costumamos contemplar as formas sonhadas de nossos atos em vez de sermos impulsionados por elas. Fala-nos daquilo que os mexicanos denominam Manas, ou seja, das forças que dormem em todas as formas, que não podem surgir pela contemplação simples delas, mas por nossa identificação mágica com elas. Era nosso caso.

Em se falando de identificação mágica com o teatro, revela-se aí mais uma identificação: nossa com as crianças com quem convivemos e com a infância (de nossos tempos, evidentemente).

Sentimo-nos próximos ao modo como as crianças com quem trabalhamos dão sentido ao mundo em que vivem. Da mesma maneira como certos antropólogos, apontados por Cohn10, acreditamos que as crianças explicitam certos saberes que os

adultos também têm, mas não costumam expressar. Diríamos que podem deixar fluir e tomar forma suas representações. Como artistas adultos, estabelecem, sem dar-se conta, canais de comunicação direta com saberes inconscientes, o que podemos perceber em suas dramatizações desde a mais tenra idade.

9 ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São Paulo: Max Limonad, 1987. 10 COHN, Clarice. Antropologia da Criança. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

Não somente identificação nossa com elas, mas também delas conosco, a recíproca mostra-se verdadeira. Um bom exemplo dessa identificação de mão dupla aconteceu com o grupo do quinto ano de 2001, que escolheu o tema da magia para construir seu espetáculo (imagem 13). Foi algo inesperado e de certa forma instigante para os adultos envolvidos na produção, pois nos colocava a tarefa de olharmos a nós mesmos, a darmos ouvidos às perguntas sobre o nome Via Magia, o que até então não havíamos dado tanta importância, pelo menos aparentemente.

Imagem 13

Essa combinação de crianças não resultara num grupo fácil de conduzir, fora um daqueles mais polêmicos, diante do qual vacilamos e quase desistimos de concluir esse processo ritual. Muito embora não lhes faltasse talentos.

Foi juntamente com essas crianças, tão perto de nossa via de aprender e tão longe do processo ritual que lhes propúnhamos, com quem paramos para observar o quanto o tema da magia tem despertado mais e mais interesse no mundo atual. Mesmo

que colocado como algo suspeito, e não como a relação direta que une o humano às perspectivas cósmicas que vivem nele, o que as pessoas, de um modo geral, parecem desconhecer, conforme revolta-se Artaud, remetendo-se ao teatro ocidental contemporâneo, acusando-o de reducionista e psicologista.

Além do mais, parece-me significativo o fato de que o epílogo do roteiro dessa montagem em volta do tema magia esteja registrado à mão em meu volume pessoal encadernado, e não exista digitalizado, o que denota uma conclusão tardia.

Observando melhor o roteiro, que traz a sequência das cenas desse espetáculo, seguido pelos textos das cenas, percebo também que não se efetivou o prólogo, anunciado nele: “O que é magia?”. A única hipótese possível agora é a de que o que se supunha ser introdutório só pôde acontecer como finalização, que o prólogo tornou-se epílogo. Por incrível que pareça a magia e sua concepção como tal, mostrava-se algo de difícil definição para nós, embora não fosse impossível encenar acontecimentos, literatura e dramaturgia ligados a ela.

Da mesma forma como esse grupo de crianças era identificado com a escola ao ponto de propor a magia como tema e, ao mesmo tempo, era polêmico na relação com os educadores da Casa, nós mesmos também nos mostramos ambíguos nessa produção, pois não pudemos tratar esse tema tão facilmente em narrativas mais conceituais.

Lembro-me agora do folder (imagem 14) que circulou por mais de uma década como elemento de comunicação ao público da proposta de nossa escola, cujo desenho é da autoria de uma menina de um quinto ano.

Imagem 14

Por mim, tudo se mostra relacionado de forma instigante. A criança pertencer ao grupo do quinto ano, a arte infantil de um componente desse grupo tornar-se ícone fundante da escola, significante do elo entre nós e as crianças ‒ também entre nós, as crianças e a natureza ‒, enfim arte e natureza como elo entre nós todos, crianças e adultos, o mundo e o cosmos. Ou seja, a magia como via. Mais que tudo, vejo nessas aparentes coincidências, as crianças e nossa produção de conhecimento junto a elas, contribuindo para a busca comum de um posicionamento simbólico existencial, irredutível às explicações de ordem consciente.

De qualquer modo, não por acaso os antropólogos passaram mais de um século discutindo o que é magia, o que é religião e o que é ciência. O curso da vida comum pode parecer simples de se explicar à primeira vista, mas na verdade não é. Os diversos especialistas se ocuparem durante tanto tempo do discernimento entre esses

saberes historicamente construídos, inclusive se atormentarem com isso, como nos relata Peirano11, pode ilustrar como essa diferenciação vem sendo custosa.

Demorou, para que se considerasse a magia como expressão peculiar, não referida a um tipo de capacidade mental inferior, apenas resultado de uma época em que o ser humano vivia um estágio social considerado elementar, primitivo, infantil.

O fato de se considerar que há um pensamento na magia, uma espécie de racionalidade, de produção de sentido, já é fruto de uma nova visão, para a qual a pesquisa de antropólogos e sociólogos do século XX, de diversas posições teóricas, contribuiu diretamente.

No avançado do século XX, está Levi Strauss12, para quem o pensamento

selvagem não tem função exclusivamente prática e está relacionado às inquietudes humanas que promovem as distintas formas de produção de conhecimento. “Essa ânsia de conhecimento objetivo constitui um dos aspectos mais negligenciados do pensamento daqueles que chamamos 'primitivos'”.

Na sequência, Strauss continua: “Quando cometemos o erro de ver o selvagem como exclusivamente governado por suas necessidades orgânicas ou econômicas, não percebemos que ele nos dirige a mesma censura e que, para ele, seu próprio desejo de conhecimento parece mais equilibrado que o nosso”.

Continuamos vivendo sob visão similar, guardadas as devidas diferenças, com relação à criança que, quando ouvida, pode também expressar suas críticas à aparente objetividade do mundo adulto. É muito explícita, de um modo geral, a ideia de que a maneira infantil de compreender o mundo, extremamente colada ao fazer, à imaginação, ao devaneio e à brincadeira, tem sentido despretensioso, de necessidade lúdica prática e não visa construção de conhecimento e desejo de saber de si.

11 PEIRANO, Mariza. Rituais ontem e hoje. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

Se pensarmos assim, o pensamento mágico infantil, na medida do passar do tempo, em seu progressivo desenvolvimento, seria algo que se deixaria para trás. Um modo de entendimento irracional que só teria valor como passagem para algo melhor, racional, algo a ser superado inevitavelmente.

Não é o que pensamos com relação ao pensamento mágico infantil. Tampouco é o que pensava Strauss13 com relação ao dos povos considerados primitivos. Diz-nos

ele que:

o pensamento mágico não é uma estreia, um começo, um esboço, a parte de um todo ainda não realizado; ele forma um sistema bem articulado; independente, nesse ponto, desse outro sistema que constitui a ciência, salvo a analogia formal que os aproxima e que faz do primeiro uma espécie de expressão metafórica do segundo. Portanto, em vez de opor magia e ciência, seria melhor colocá-las em paralelo, como dois modos de pensamento desiguais quanto aos resultados teóricos e práticos (...) mas não devido à espécie de operações mentais que ambas supõem e que diferem menos na natureza que na função dos tipos de fenômeno aos quais são aplicadas.

Cohn14 considera as contribuições recentes da antropologia para a compreensão

do pensamento das crianças resultantes de novas formulações de vários de seus conceitos, entre eles os de cultura e de ação social. Nessa perspectiva, o que conforma uma cultura é uma lógica particular, um sistema simbólico acionado pelos atores sociais para dar sentido às suas experiências, a cada momento.

Então, embora compartilhando plenamente a mesma cultura, os significados elaborados pelas crianças são qualitativamente diferentes dos adultos. Os pequenos dão um sentido próprio ao mundo que os rodeia, têm papel ativo na constituição de laços e relações sociais, na elaboração de uma identidade para si e para as outras pessoas de seu entorno. As crianças não pensam menos do que os adultos, pensam de outra forma e possuem seus conhecimentos próprios e apropriados à sua experiência e memória.

13LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Campinas, SP: Papirus, 1989. Pg. 28. 14 COHN, Clarice. Antropologia da Criança. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

Contudo, acredita-se que, assim como na história dos grupos humanos, também em cada pessoa particular, o pensamento mágico, mesmo já tendo o status de pensamento, seria passageiro e suporia uma evolução para o pensamento lógico, sinal de progresso, melhoria, aperfeiçoamento cultural. Esse olhar permanece muito presente no senso comum, mas também em certas psicologias e em diversas pedagogias.

Ao contrário disso, acreditamos no eterno retorno da infância, ou melhor, do esquecido e/ou recalcado da infância, na interminável busca de prazer e atualização de fantasias, no desejo inconsciente marcado pelo mito de um Outro, em desejo de saber inaugurado pelo desejo de saber de si, no Eros do pensamento.

O pensamento mágico e a magia podem sim nos remeter a manifestações arcaicas e antigas e, portanto, ao tempo tão criativo do poema de tradição oral, sem registro escrito (ou sem acesso amplo da maioria das pessoas ao registro escrito), mas podem nos levar também à significação colada ao real indecifrável de todos os tempos, ao imaginário atemporal, a ritos e mitos não presentes apenas na antiguidade, mas próprios da condição humana, que atravessam a história de povos e culturas. Da mesma maneira como nossa infância permanece conosco de forma latente ou manifesta, sendo atualizada outra e outra vez em nossa história de vida.

Nada disso é bem visto numa certa visão científica a que a educação está submetida desde a emergência do que chamamos modernidade. De alguma maneira, portanto, a arte tem mais liberdade para ser o que é, embora continue sem lugar de destaque ou respeito na educação, nem mesmo das crianças menores. Talvez por isso, diferentemente da escola, nomearmos nosso grupo de teatro de Via Magia pareceu mais adequado.

Mas a escola e o teatro cresceram juntos. Em pleno mar... A escola herdou o nome do teatro, mas independente da cronologia dos fatos, a escola alimentou o grupo de teatro e vice-versa. Na verdade, um beneficiou o outro.

Como disse no início, fazer parte dessa tripulação tem implicado o compromisso de escolher viver-com. Não é gratuito o nome que inicialmente se lia à proa desse

barco: Casa Via Magia - Espaço de Convivência. Demarcava-se desde o início o caminho de aprender a buscar o singular do ser no viver-com, de compreender-se como ser-no-mundo.

Um olhar que pretende focar a vida amplamente, a humana e tudo mais além. Portanto, caminho trançado de convivência entre adultos e crianças, entre crianças, entre adultos, entre cada um e si mesmo; entre todos nós e diversas áreas de conhecimento; entre todos os navegantes dessa embarcação e a imensidão do mar; entre nosso mundo e a nave Terra; entre todos nós e o cosmos...

O que não quer dizer harmonia e pertencimento pacífico. Mas, mutação do espaço navegante assim como de cada um de seus tripulantes ligados por uma mesma rede de relações, com suas inter-relações, seus contrastes e diferenças.

Contudo, inicialmente tudo parecia ser o resultado de uma paixão, da força unificadora e criativa de Eros. Então, esse barco juntava-se ao mundo paradoxalmente separando-se dele. Atracava pouco tempo em terra firme, estava quase sempre em alto mar.

Nossa embarcação era uma unidade móvel, mas bastante isolada, de certa forma fechada. Velas ao vento, os timoneiros transportavam fantasias antigas à frente das empreitadas coletivas. A ilusão do amor, velando a falta, como diria Lacan15, pode

muitas vezes produzir uma sensação saborosa de completude, de autossuficiência, de oásis livre da aridez dos terrenos humanos.

O sentimento de intensa camaradagem e igualitarismo próprio da communitas santificada, como diria Turner16, que vivenciávamos aí, transgredia as normas que

governam as relações estruturadas e eram acompanhadas por uma sensação de poderio sem precedentes.

15 LACAN, Jacques. O seminário, livro 8: a transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010. 16 TURNER, Victor W. O. O Processo Ritual: estrutura e anti-estrutura. Petrópolis: Editora

Em nossas viagens compartilhadas, todavia juvenis, estivemos jogados na intensidade de uma experiência a uma só vez conjunta e solitária, deliciosamente envolvente, bastante inconsciente de nosso destino de nau errante.

Nas aventuras intercontinentais iniciantes da escola, não se separavam adultos e crianças. Nem cotidiano e ritual. Tampouco qualquer parte da existência. As distâncias eram grandes, as noites escuras, mas a intimidade e o cultivo de momentos mágicos de troca, à luz do sol ou das estrelas, reuniam todos os navegantes numa espécie de canto coral.

Despojados de roupagens reguladoras como os uniformes escolares ou figurinos espetaculares de certo tipo de teatro, desde então, estamos na maior parte do tempo descalços, seja trabalhando com as crianças, seja trabalhando entre adultos, seja ensaiando, seja em apresentações. Tenho muito presente em mim a memória corporal da pele do pé em contato com o chão acompanhada de uma sensação de soltura sem precedentes como uma experiência emblemática do acolhedor de nosso navegar.

Essa atitude de entrega ao convívio com as pessoas e com a natureza, pressupondo uma igualdade existencial, continua gerando afastamento, de certa forma, marginalidade com relação ao mundo. Contudo, vivida tão plenamente, vem nos trazendo as condições propícias para gerar mitos, rituais, obras de arte...

Da vigência desses momentos oníricos de antiestrutura, surgem momentos tempestuosos, estruturantes. Não poderia ser diferente, nos confirmaria Turner. Dessa forma, entre marés mansas, marés cheias e ressacas, muitas viagens tem tido partidas, percursos e chegadas verdadeiramente afetuosos, sinceros e significativos, mas também árduos e tumultuados.

Estabelecer-se-ia em nossa embarcação, após suas viagens originárias, um navegar instável, entre o ir e vir das ondas do mar, evidentemente entre a realidade e o sonho, entre o compartilhamento e a submissão, o que é próprio da condição humana e, portanto, de qualquer projeto comum entre nós.

Seja qual for o itinerário de nosso barco, avistamos desde acima, pela luneta, a linha do horizonte e a incerteza do futuro, a imensidão do mar onde estamos imersos, o firmamento inalcançável...

Do lado dos marinheiros, o que se vem vivenciando a bordo desse barco tem sido um constante e instável movimento, balanço, o que às vezes resulta em enjoo e

No documento Passagens : rito e drama na escola (páginas 31-45)

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