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Quando se fala do ambiente escolar, considerando não somente o espaço físico da escola, mas o conjunto do espaço físico e das relações ali estabelecidas pelas crianças com o meio físico e social, é necessário também refletir sobre o lugar do brincar nesse ambiente, elemento tão presente na vida das crianças e importante para que elas vivenciem a infância com prazer.

O brincar tem se apresentado como temática de destaque em encontros, congres- sos e eventos na área educacional, nos documentos relacionados a uma educa-ção de qualidade, bem como nos discursos de várias áreas além das educacionais. Apreciado por suas possibilidades e contribuições nos processos de desenvolvimento humano, incluindo o desenvolvimento integral da criança, vem apresentando-se como temática de bastante interesse e aprofundamento em termos de pesquisa e aplicação.

Nos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – RCNEI (1998) há a preocupação de sensibilizar os educadores para a importância do brincar tanto em situações formais quanto informais. Neles a brincadeira é entendida como linguagem infantil que vincula o simbólico e a realidade imediata da criança.

Além dos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1998), outros documentos ressaltam e reafirmam a necessidade da ludicidade na vida e na educação das crianças como elemento fundamental para o desenvolvimento das crianças e respeito aos seus direitos, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2010), os critérios para um atendimento em creches que respeite os Direitos Fundamentais das Crianças (2009), os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (2006), dentre outros.

Verifica-se, com base nesses documentos, que existe a preocupação de promover melhores condições de desenvolvimento por meio da educação. Nesse contexto, como ressalta Carvalho et al. (2005), a inserção do brincar pode constituir-se em um elemento importante para o ensino nas instituições educativas, pois é por meio do brincar,

atividade presente na infância, que as capacidades e potencialidades das crianças são construídas. Como ressalta Kuhlmann Jr. (1999),

(...) tomar a criança como ponto de partida exigiria compreender que para ela, conhecer o mundo envolve o afeto, o prazer e o desprazer, a fantasia, o brincar e o movimento, a poesia, as ciências, as artes plásticas e dramáticas, a linguagem, a música e a matemática. Que para ela, a brincadeira é uma forma de linguagem, assim como a linguagem é uma forma de brincadeira (KUHLMANN JR., 1999,

p. 65).

Diante disso, reconhecer a relevância do brincar como possibilitador do desenvolvimento integral da criança e do prazer gerado por essa ação, nas discussões da presente dissertação, vem reafirmar a necessidade de uma reflexão sobre o seu lugar na educação de nossas crianças.

Romera (2007) ressalta que, embora a temática sobre a vinculação do lúdico à educação vem recebendo destaque atualmente, os estudos que defendem sua aplicação e seu vínculo ao processo educativo podem ser verificados ao longo dos registros de nossa história. De acordo com Kishimoto (1998), filósofos como Platão e Aristóteles, e posteriormente Quintiliano, Montaigne e Rousseau, defenderam, àquela época, o papel do jogo na educação. Porém, segundo a autora, foi no início do século XX, a partir de Froebel, o criador do jardim da infância, que o jogo passou a integrar o currículo da educação infantil.

Podemos-se destacar também obras de outros autores que pesquisaram o tema, como Callois (1988) e Huizinga (2000), que propõem o estudo do lúdico relacionado ao jogo. Autores da psicologia como Winnicott (1975), Piaget (1978/1976), Vigotsky (1982) e Wallon (1966), ressaltaram a importância do jogo para o desenvolvimento infantil, possibilitando às crianças aquisição de regras, expressão do imaginário, apropriação e exploração do meio e construção de conhecimentos.

Na perspectiva piagetiana, a atividade lúdica é o berço obrigatório das atividades intelectuais da criança. Ela não é apenas uma forma de alívio de tensões ou entreteni- mento para gastar energia das crianças, mas um meio que contribui e enriquece o desen- volvimento intelectual (PIAGET, 1976).

Oliveira (2009) ressalta que o jogo, nessa concepção, é percebido como um elemento desencadeador de situações que permitem a inter-relação dos processos e mecanismos necessários à construção do conhecimento, resultando em uma situação- problema carregada de desafios ou estratégias para resolução. Para a autora, o jogo pode

ser elo entre a ação e a compreensão com reflexão da ação, no sentido de estabelecer relações entre a atividade prática de conhecer um objeto e a sua apropriação do mesmo em um sistema de relação lógica que pertence ao sujeito (OLIVEIRA, 2009,

p. 16).

A preocupação epistemológica que permeou toda a obra de Jean Piaget se refere a um sujeito ativo e em constante interação com o meio na construção do conhecimento. Em consonância com essa perspectiva, acredita-se que a educação deve priorizar o processo construtivo do conhecimento pelo sujeito, e que o jogo se apresenta como uma

prática significativa, pois oferece flexibilidade, desafio e exigência de raciocínio, fatores que caracterizam uma aprendizagem construtiva (OLIVEIRA, 2009, p. 17).

Em concordância com essa ideia, Ortega e Rosseti (2000) afirmam que o brincar permite a articulação entre os processos de ensino e educação e exige uma postura ativa por parte do educando. Dessa forma, a inserção do brincar livre e espontâneo no currículo educacional é um processo de transformação política e social na medida em que as crianças passam a ser reconhecidas como cidadãs, que participam e transformam a realidade em que vivem.

Embora o brincar seja reconhecido como propiciador do desenvolvimento infantil e da construção de conhecimento de forma prazerosa, sua presença nas institui- ções educacionais ainda é mínima, praticamente se restringindo aos momentos do recreio e às áreas externas à sala de aula. Wajskop (1995), ao avaliar a inserção do brincar no contexto educacional, ressalta que as atividades das crianças nas instituições de educação infantil têm se restringido a exercícios repetidos de discriminação visual, motora e auditiva, por meio de brinquedos, desenhos e música. Segundo o autor, ao fazerem isso, não só limitam a organização independente das crianças para a brincadeira, mas também infantilizam as crianças, como se suas ações simbólicas servissem somente para explorar e facilitar ao educador a transmissão de determinada visão de mundo, definida, em princípio, pela instituição escolar.

Carvalho et al. (2005), em uma pesquisa que teve como objetivo analisar as relações existentes entre o contexto das instituições educativas e o comportamento de brincar de seus educandos, constatou que em nenhum momento os professores mencionaram a palavra brincar como parte integrante da rotina institucional ou como elemento que subsidiasse as atividades realizadas com as crianças.

Esses dados vão ao encontro das ideias apontadas por Fortuna (2000) de que não costuma ser difícil convencer os educadores da importância do jogo no desenvolvi-

mento humano, porém convencê-los da importância dele para a aprendizagem não é uma tarefa simples. A autora ressalta que muitos educadores buscam sua identidade na oposição entre brincar e estudar e que, quando tentam ultrapassar essa dicotomia, acabam por reforçá-la ao tratar a relação jogo-aprendizagem privilegiando o ensino dirigido sobre o jogo, descaracterizando-o.

Essa dicotomia também é apontada por Jorge e De Vasconcellos (2000), que enfatiza a ambivalência existente nas instituições educacionais, ressaltando que de um lado tem-se o universo da brincadeira e de outro, o universo do estudo, do trabalho e da seriedade. Nesse contexto, ou se estuda ou se brinca, existindo pouca interação entre esses aspectos.

A dicotomia destacada por esses autores nos aponta para uma preocupação da escola de transmitir conteúdos às crianças cada vez mais precocemente. De acordo com Romera et al. (2007), ao se destacar o caráter conteudista do ensino brasileiro, que contagiou até os espaços da educação infantil em nome de um preparar-se para o futuro, acaba-se retirando da criança oportunidades de brincar, atribuindo a essa situação a escassez de tempo, que pouco resta após o cumprimento de todos os deveres.

Fortuna (2000) ressalta que se examinarmos detalhadamente as práticas pedagógicas que predominam na atualidade constataremos a inexistência absoluta de brinquedos e de momentos para brincar na escola. Segundo a autora, encontramos na escola um brincar literalmente acantonado, que não contamina as demais atividades escolares e é mantido sob controle. O brincar na escola aparece quando sobra tempo ou na hora do recreio, momentos estes que sofrem constantemente o risco de ser suprimidos, seja por má conduta, seja por não ter feito alguma atividade ou por não ter dado tempo.

Lisboa (2008), ao analisar a concepção de jogo na perspectiva dos professores e das famílias e seus reflexos na ação educativa com crianças de 3 a 8 anos que frequentam uma escola onde as atividades com jogos e brincadeiras compõem o fazer pedagógico, constatou que os pais e professores concebem o jogo de forma diferencia- da, conforme a idade das crianças. Embora as famílias e os professores compreendam o jogo como elemento integrador na educação das crianças, eles o diferenciam de acordo com o nível de ensino (Educação Infantil e Ensino Fundamental). Para Lisboa (2008), a família e os professores compreendem as funções do jogo sob a mesma ótica, na qual o jogo é lúdico, prazeroso para as crianças menores, diferentemente do jogo para as

crianças a partir dos 6 anos, em que passa a ser sério, a ter função pedagogizante; ele é regra, aprendizado, conteúdo.

Romera et al. (2007) constatam que, em nome de uma preparação para o futuro, no qual a criança deverá estar pronta para o mercado de trabalho e o sucesso profis- sional, esta acaba tendo que abandonar, precocemente, seu tempo de brincar. Nesse contexto, o brincar é visto como algo não importante, tampouco necessário, pois não está vinculado à seriedade e à produtividade que marcam nossa atualidade. Segundo as autoras, essa preocupação em preparar as crianças para as exigências do mercado de trabalho desde cedo reflete o extenso conteúdo que elas têm de cumprir durante as aulas, restando pouco tempo para brincar.

Carvalho et al. (2005) constataram que quando os professores utilizam o brincar em suas práticas pedagógicas utilizam-no como treino de coordenação motora fina, aprendizagem do alfabeto, numerais e outras habilidades. Sendo assim, o brincar como

expressão máxima da fantasia, das representações, da imaginação, da criatividade, da autonomia, da socialização, vai perdendo cada vez mais espaços nas instituições

(CARVALHO et al., 2005, p. 225). Esse fato reflete como o brincar se encontra inse- rido nas rotinas das instituições e nos projetos pedagógicos, no tocante às concepções e atividade.

Carvalho et al. (2005) verificaram que os professores entrevistados parecem privilegiar o brincar atrelado a um objetivo, com a finalidade de passar conteúdos específicos para a aprendizagem das crianças. Tal como foi observado no estudo de Kishimoto (1997), o uso do brincar se remete a um recurso metodológico para fim de aprendizagem orientada em detrimento do brincar livre, que fica restrito aos horários do recreio ou àqueles em que as crianças ficam juntas com outras de faixas etárias diferentes, como nos momentos da chegada à instituição e na roda inicial (CARVALHO

et al., 2005).

Segundo Romera et al. (2000), o que vitima o jogo, colocando-o em uma posição rebaixada perante as demais atividades, é sua não seriedade, o prazer que implica e sua improdutividade, que em um sistema de sociedade capitalista acaba so- frendo segregação. As autoras contestam a visão que os moldes do capitalismo têm em relação ao jogo, ao afirmar que a dimensão lúdica do homem é responsável pelo pro- gresso do conhecimento, por meio da invenção e criação que oportuniza.

As atividades relacionadas aos jogos são significativas para o desenvolvimento integral do indivíduo e sua estrutura mental, por estimularem o ato de pensar sem

priorizar o desempenho final. Desta forma, o acerto final ou o êxito em uma ação não são por si só indicadores de aprendizagem e compreensão por parte do sujeito. Segundo Oliveira (2009), o jogo nessa concepção apresenta elementos que estimulam e alimen-

tam o processo construtivo do pensamento e poderia suscitar, tanto a aprendizagem quanto mudanças cognitivas (p. 17).

Portanto, como ressalta Fortuna (2000), quando se defende o brincar na escola não significa negligenciar a responsabilidade sobre o ensino, a aprendizagem e o desenvolvimento. Para Warjskop (1996), se as instituições escolares fossem organizadas em torno do brincar, poderiam cumprir suas funções pedagógicas, privilegiando a educação das crianças em uma perspectiva criadora, voluntária e consciente.

Oliveira (2009) defende a utilização de jogos na escola, por considerá-los importantes na prática educativa. Nesse sentido, ressalta que o seu uso não pode ser simplesmente do jogo pelo jogo e que uma forma adequada de intervenção com o jogo necessita ser priorizada. A autora se baseia na discussão de Brenelli (1999), que defende que o jogo promove trocas individuais, por ser uma atividade social, além de ser um meio favorável para promover tanto a aprendizagem quando o desenvolvimento. Para Brenelli (1999),

[...] o jogo precisa ser conquistado pela escola. É preciso construir um espaço em que a criança e o professor se encontrem envolvidos numa relação de interdependência, sem a qual o jogo seria mais uma atividade desinteressante (BRENELLI, 1999, p. 86).

Fortuna (2000) aponta que o brincar, o jogo, no ambiente educacional precisa estar inscrito em um projeto, ter intencionalidade e, de igual forma, preservar suas características lúdicas. É necessário tomar cuidado para que o brincar não se transforme em atividade dirigida e manipuladora, desprovido de liberdade e espontaneidade que o caracterizam. Para a autora, o que se busca no ensino por meio do jogo é a aprendi- zagem com prazer. Prazer este presente no jogo e gerado por sua espontaneidade, improdutividade, trânsito entre a realidade externa e interna, interatividade, simbolismo constantemente recriado, desafio e instigação, mistério, imponderabilidade e surpresa.

Lisboa (2008) percebeu a necessidade, por parte dos professores, de maior diálogo entre escola e família no que se refere ao jogo, suas funções e interações na prática educativa. Segundo a autora, apesar das situações de jogos oferecidas pela escola, percebe-se que ainda há entraves, tanto por parte da escola em inserir de fato o

jogo como elemento integrador na educação das crianças, como por parte dos pais em compreender a proposta da escola e, mais especificamente, os aspectos ligados ao jogo.

Friedmann (2004) destaca a importância do resgate do brincar no cotidiano dos Centros de Educação Infantil. A autora ressalta que é fundamental assumir o brincar como essencial na formação das crianças, o que implica não só o professor, mas toda equipe da escola. Essa cultura do brincar envolve sair do espontaneísmo consciente e

chegar à consciência do brincar como linguagem simbólica, essencial ao desenvolvi- mento humano (FRIEDMANN, 2004, p. 16).

Fortuna (2000) ressalta que a verdadeira contribuição do jogo na educação é ensiná-la a rimar aprender com prazer. Portanto, a sala de aula é um lugar de brincar se o educador consegue reconciliar os objetivos pedagógicos com os desejos e interesses das crianças. Nesse contexto, em uma aula ludicamente inspirada convive-se com a aleatoriedade, com o imponderável, uma aula em que o professor renuncia à centralização, à onisciência e ao controle onipotente e reconhece a importância da criança ter uma postura ativa, sendo sujeito de sua aprendizagem, uma aula em que a espontaneidade e a criatividade são constantemente estimuladas. Para a autora, é preciso aprender a brincar para viver com prazer e, por extensão, aprender com prazer.

Macedo (1994), ao buscar responder a questão “Por que se joga?”, afirma:

[...] conhecer é um jogo de investigação [...] em que se pode ganhar, perder, tentar novamente, usar as coisas, ter esperanças, sofrer com paixão, conhecer com amor, amor pelo conhecimento no qual as situações de aprendizagem são tratadas de uma forma mais digna, filosófica, espiritual. Enfim, superior (MACEDO, 1994, p.17).

Assim como Carvalho et al. (2005), ressaltamos que de fato é importante que os profissionais da educação repensem o lugar que o brincar está ocupando dentro das instituições educativas, criando na rotina de atividades mais espaços para as brinca- deiras. É necessário, portanto, estabelecer uma articulação entre o brincar, o projeto pedagógico e a rotina de atividades, promovendo, assim, a qualidade das instituições educativas.

2.5. Pesquisa com crianças e sua importância para a qualidade no atendimento na