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Uma abordagem histórica das Instituições de educação infantil

As instituições de educação infantil nem sempre foram organizadas como são hoje, mas são o resultado de uma construção histórica e social. Para compreendermos o surgimento e a organização do ambiente escolar destinado à infância menor de 7 anos, precisamos refletir sobre a história das instituições criadas, a fim de atendê-la.

A história da educação infantil no Brasil apresenta características que lhe são próprias, apesar, de certa forma, de acompanhar a história dessa área internacional- mente. Uma dessas características é a de que, até os meados do século XIX, o atendimento às crianças pequenas em instituições como creches, pré-escolas e parques infantis, praticamente, não existia (OLIVEIRA, 2005).

É importante não isolarmos a história da educação infantil como se ela não tivesse relação com demais fatos sociais, políticos e econômicos. Essa possível demora pelo início no atendimento às crianças pequenas acompanha vários eventos, caracte- rísticas e transformações de nossa sociedade. Como ressalta Kuhlmann Jr. (2007/1988), o fato social da escolarização pode ser explicado em relação aos demais fatos sociais, como a demografia infantil, o trabalho feminino, as transformações familiares, as novas representações sociais, dentre outros. Da mesma forma, o surgimento e as modificações da educação infantil estão estreitamente relacionados com questões concernentes à história da infância, da família, da população, da urbanização e, também, com a história das demais instituições educacionais.

Como pontua Oliveira (2002), a educação infantil, no contexto do nosso país, deve ser pensada no âmbito da expansão do trabalho feminino na atividade industrial e no setor de serviços em uma situação de urbanização crescente, refletindo em múltiplas contradições da organização econômica, política e social do País.

Bazílio (2002) caracteriza a história do atendimento à infância no Brasil por três diferentes fases. A primeira se refere ao período do Descobrimento até o início da década de 1920, caracterizada pela filantropia e o assistencialismo, na qual a criança era vista como objeto de caridade, e não como sujeito de direitos.

Para o autor, dois seriam os símbolos desse momento inicial: a fundação das Santas Casas de Misericórdia com a participação direta da Igreja Católica, por meio das “irmandades” ou “ordens terceiras”, e a Instituição da “Roda”.

A Roda é um dispositivo de madeira, em formato cilíndrico, com um dos lados vazados, assentado em um eixo que produz movimento rotativo. Bazílio (2002) a denomina de “instituição do abandono”, pois era na Roda que se depositavam as crian- ças indesejadas, sem que as pessoas que as enjeitavam fossem identificadas. Esse instru- mento foi uma alternativa encontrada para que as crianças não fossem abandonadas pelas ruas, em portas de casas ou da igreja.

Esse período é caracterizado por uma visão patrimonialista, no qual a concepção filantrópica presente nas diferentes instituições de atendimento à infância é marcada pela ideia de que os recursos públicos é que deveriam sustentar as iniciativas particu- lares (BAZÍLIO, 2002).

A segunda fase caracteriza-se pela criação de um grande corpo jurídico/ institucional pelo Estado brasileiro para o atendimento da infância. Esse período se inicia na década de 1920 e segue até os anos de 1980. Nessa fase são criados dois

Códigos de Menores: o Serviço de Assistência ao Menor e a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor. Esses acontecimentos podem ser entendidos considerando as normas “científicas” de regulação social do Brasil República (BAZÍLIO, 2002).

O surgimento da educação infantil no Brasil esteve ligado ao campo da assistência à infância, sendo resultado da articulação de interesses de diferentes setores da sociedade, como o jurídico, o empresarial, o político, o médico, o pedagógico e o religioso. As primeiras propostas de instituições pré-escolares no Brasil tiveram início em 1899, com dois fatos. O primeiro foi a fundação do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro e o segundo, a inauguração da creche da Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado (RJ), a primeira creche brasileira para filhos de operários de que se tem registro (KUHLMANN JR., 2007).

Os primeiros estabelecimentos de atendimento à infância surgiram, principal- mente, como forma de resolver o problema da mãe trabalhadora que não tinha com quem deixar seus filhos para trabalhar, já que a mão de obra feminina crescia com a expansão da indústria, demandando, assim, lugares onde elas pudessem deixar as crianças. Inicialmente as creches ou asilos eram, em sua maioria, destinados às crianças pobres, pois não se pensava em generalizar a creche para outros setores da sociedade, porque não era cogitada a ideia de que mulheres de outra condição social pudessem querer trabalhar quando gerassem filhos. E por ser destinada a esse setor de menor poder aquisitivo da sociedade, poucos eram os investimentos para a melhoria do seu atendimento. Como pontua Kuhlmann Jr. (2000), a concepção da assistência científica, formulada no início do século XX, juntamente com propostas das instituições de educação popular divulgadas em congressos e nas exposições internacionais, já previa que o atendimento à pobreza não deveria ser feito com grandes investimentos. Nesse ponto a educação assistencialista cumpriu seu objetivo, que era o de preparar os pobres para aceitar a exploração social. O Estado, então, não assumia responsabilidades de gerir diretamente as instituições, deixando essa função a cargo de entidades assistenciais para as quais enviavam os poucos recursos.

Nos primeiros textos produzidos sobre as instituições de educação infantil, na passagem do Império para a República, elas eram consideradas como uma maneira de educar não só as crianças pobres, como também as mães, por meio de cursos para as mães, exercendo uma forte interferência na família, como ressalta Kuhlmann Jr. ao afirmar que para os pobres, a creche seria um meio para promover a organização

familiar, e por isso sempre se colocou como complementar a ela (KUHLMANN JR.,

2000, p. 12).

A compreensão da constituição da educação infantil e das políticas destinadas para essa área exige que se conheçam quais foram suas principais influências, e Kuhlmann Jr. (2000) aponta três influências básicas: a jurídico-policial, a médico- higienista e a religiosa.

A influência médico-higienista nas questões educacionais teve início na década de 1980, principalmente depois de pesquisas e descobertas no campo da epidemiologia que fizeram com que a medicina e a higiene ganhassem status de autoridade social. No campo da educação, vários médicos redirecionaram suas atividades profissionais para a área da educação, como donos de escolas, membros de órgãos governamentais, pesquisadores, membros de associações de educação popular. Os médicos, também por meio dos conhecimentos encontrados na puericultura, divulgavam normas racionais de cuidados com a infância. Os higienistas faziam presença por meio de projetos para construção de instituições, implantação de serviços de inspeção médico-escolar e suges- tões para ramos do ensino (KUHLMANN JR., 2007).

A influência jurídico-policial está relacionada tanto com preocupações das legislações trabalhistas quanto com a criminalidade da infância moralmente abandonada. Em relação às legislações trabalhistas, foram implementadas medidas para trabalhado- res vistos como beneficiários, sendo uma delas no aspecto da educação dos seus filhos, apontando a necessidade das empresas criarem locais onde os filhos dos operários fossem atendidos. Outra medida foi no campo da assistência, destinada para os mais pobres, por serem considerados uma ameaça para as elites, como marginais em potencial e que não possuíam condições de vida nem estrutura familiar “adequadas”, sendo, portanto, necessária a criação de locais de assistência e educação dos menores, como eram chamadas as crianças e os adolescentes nessa condição, evitando-se, assim, a criminalidade (KUHLMANN JR., 2007).

A influência religiosa, segundo Kuhlmann Jr. (2007), se deu por meio da implementação de políticas assistenciais, tendo, no discurso, a caridade como cerne de suas ações, o que contribuía para o controle das classes trabalhadoras. Com isso, percebia-se a presença dos religiosos trabalhando em creches e asilos, nos discursos em congressos, dentre outras atividades.

A partir dessas influências percebe-se que, na sua origem, as instituições de educação infantil eram propostas como meio agregador da família para apaziguar

conflitos sociais. Porém, com os movimentos populares e feministas e suas reivindica- ções, começava-se também a pensar a educação infantil como um meio de educação, visando a uma sociedade igualitária, e também como um instrumento de libertação da mulher das obrigações domésticas, como superação de limites da estrutura familiar. Nesse momento, também a ampliação do trabalho feminino nos setores médios fez com que as famílias de classe média começassem a demandar instituições para a educação de seus filhos, surgindo pré-escolas particulares (KUHLMANN JR., 2000).

A partir de então, o atendimento educacional de crianças pequenas começa a ganhar legitimidade social, e não ser só destinada aos filhos da população pobre. No início da década de 1980, os textos elaborados pelo Ministério da Educação começam a falar da educação pré-escolar de 0 a 6 anos, embora as creches estivessem vinculadas aos órgãos de serviço social. Isto se deve, também, às lutas pela democratização da escola pública, em defesa do caráter educacional das creches, empenhadas por educadores e profissionais desde a década de 1970, que juntamente com os movimentos sociais e pressões feministas por creches possibilitaram a conquista do reconhecimento da educação infantil, seja em creches ou pré-escolas, como um direito da criança e um dever do Estado na Constituição de 1988 (OLIVEIRA, 2002).

O período referente às décadas de 1980 e 90 é considerado por Bazílio (2002) como a última fase da história do atendimento à infância no Brasil. Segundo o autor, destaca-se nessa fase o surgimento das organizações não governamentais – ONGs, pelo desmonte que o Estado brasileiro efetiva em suas instituições de atendimento e pela elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, que teve como avanço a participa- ção da sociedade civil.

Esses acontecimentos, de fato, contribuíram para a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei no 9.394/96, que definiu a educação infantil como a primeira etapa da educação básica, ou seja, que integrou a educação infantil ao sistema de ensino regular. Como ressalta Oliveira (2002), essa foi uma conquista histórica, pois a partir dessa lei as crianças menores de 7 anos deixavam de ser atendidas dentro de uma visão assistencialista de educação, preconceituosa em relação à pobreza e descomprometida com a qualidade do atendimento.

Embora tenhamos avançado em relação ao atendimento às crianças pequenas, ainda encontramos, como pontua Kuhlmann Jr. (2007), creches e pré-escolas que se destinam às classes populares que possuem uma proposta educativa voltada para uma visão assistencial e discriminatória, não se preocupando com sua qualidade. O autor

então ressalta que a definição de parâmetros de qualidade pode ser uma opção mais adequada para superar esses tipos de práticas. Para isso, Kuhlmann Jr. (2007) afirma:

Não se pode aceitar que a defesa da qualidade seja desvinculada de nossa trajetória de lutas – que tem todos os tropeços inevitáveis àqueles que se propõem a seguir por um determinado caminho – propostas que tem seguido sempre a perspectiva não do consumo, do mercado, mas do direito de todos a uma vida digna (KUHLMANN

JR., 2007, p. 191).

Por isso, é importante repensarmos o modelo de uma educação escolar para crianças de 0 a 6 anos. Como ressalta Oliveira (2002), deve-se pensar em uma educação para as crianças menores e não se igualar a um modelo do ensino fundamental, no qual as crianças têm de ficar longos períodos imobilizadas e atentas a uma única fonte de estímulo. Deve-se ter em mente que a educação infantil envolve novas concepções de espaço físico, nova organização das atividades, repensar rotinas e modificar a relação de seus atores envolvidos – adulto-criança e criança-criança.