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CAPÍTULO 2 – INCLUSÃO,ÓCIO E O PAPEL DOS PAIS NO

2.1 Escola e a Educação Inclusiva

2.1.6. O brincar no processo de construção do conhecimento

O jogo é uma importante estratégia que proporciona à criança a oportunidade de aprender e de aplicar as habilidades sociais que se tornam fundamentais para o contexto escolar e para a sociedade em geral. Este meio educativo contribui também para a boa autoimagem/autoconceito da criança, uma vez que através do jogo ela desenvolve e explora capacidades e competências acabando por se conhecer melhor e por conhecer o outro.

O brincar através do jogo pode ser um meio onde se aprofundam conhecimentos já construídos e uma forma de resgatar o que não se conseguiu assimilar (e.g. compreensão e interpretação de histórias/contos no ensino pré- escolar). O jogo também serve como meio para desenvolver competências pessoais (autoestima, motivação, autoconhecimento) e atenuar algumas dificuldades. No caso

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das crianças com perturbação do espectro do autismo, o jogo pode ser utilizado para colmatar algumas dificuldades do foro neurológico (competências sociais, comunicativas, cognitivas).

A atividade lúdica através do jogo propicia o pensar dando possibilidade à criança/jovem de criar hipóteses para encontrar possíveis soluções para a elucidação do jogo proposto.

O lúdico muitas vezes é visto apenas como um momento de divertimento e de distração para as crianças ocuparem o tempo livre. O lúdico deve ser visto mais do que ‘uma ocupação de tempo’, pois proporciona a criação de momentos de trocas significativas (a nível de conhecimentos, de competências sociais) e gera motivação possibilitando aos alunos o desenvolvimento das suas capacidades, potencialidades, saberes, e a aquisição de novos conhecimentos e de novas descobertas durante os jogos (Saldanha, 2014).

O brincar através do jogo tem várias funções: contribui para o desenvolvimento da socialização (estabelecimento de relações) e linguagem (funciona como instrumento da socialização); tem função de transformação; ajuda à capacitação cognitiva da criança; ajuda a despertar a curiosidade; a raciocinar; gera motivação (sem motivação dificilmente se geram aprendizagens significativas); ajuda na capacidade para aprender e a solucionar problemas (e.g. jogo de quebra cabeças); desperta a criança para o questionamento; enriquece e estimula a imaginação e funciona como um desafio às suas capacidades.

Através da brincadeira a criança aprende a trabalhar a persistência, a motivação, a atenção, a compreensão, o aprender a dialogar, o aprender a errar e a continuar, etc.

O brincar assume assim uma grande importância no desenvolvimento das crianças, na medida em que contribui para o seu autoconhecimento, permite interiorizar valores morais e culturas, promove a autoestima, a capacidade de cooperação, promove a imaginação, a fantasia e criatividade, e adquire sentido crítico.

Daguano e Fantacini (2011) referem que “através das atividades lúdicas a

criança com [perturbação do espectro do autismo] assimila valores, adquire

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e aprimora habilidades motoras [e cognitivas, aumenta o raciocínio lógico, a atenção

etc.]. No convívio com outras crianças aprende a dar e receber ordens, a esperar a sua

vez de brincar, a emprestar e a tomar como empréstimo o seu brinquedo, a

compartilhar [momentos agradáveis e menos agradáveis,] a fazer amigos, a ter

tolerância e respeito, enfim, a criança desenvolve a sociabilidade” (p.114). Ao brincar a criança torna-se operativa e agente ativa do seu próprio processo de desenvolvimento.

Algumas brincadeiras proporcionam à criança o treino do saber esperar pela vez, o desenvolvimento do contacto visual com os outros colegas e a partilha do prazer, o desenvolvimento da comunicação, da imaginação, etc. A aprendizagem realizada através de jogos convencionais/funcionais passando de seguida para a aprendizagem do jogo simbólico permite à criança raciocinar, dar outro significado ao objeto, imaginar e criar.

As crianças com espectro do autismo não se juntam espontaneamente a outras crianças nos jogos do ‘faz-de-conta’, no entanto podem aprender com os colegas ou com o educador quando este assim o solicita a executar determinadas ações.

As crianças envolvem-se e usam as brincadeiras para adquirir novas competências, para praticar competências que já dominam, variam a brincadeira, experimentando novas formas criativas de usar os brinquedos e objetos e utilizam- nas para praticar as suas aptidões sociais. No entanto, no caso das crianças com perturbação do espectro do autismo, as suas brincadeiras variam relativamente aos seus pares. Segundo Dowson, Rogers e Vismara (2015) estas crianças passam um tempo invulgarmente longo com os seus brinquedos preferidos (não se aborrecem rapidamente como as outras crianças), as suas brincadeiras podem ser muito mais simples não as explorando para desenvolver novas competências, podem brincar com objetos invulgares ou de forma invulgar (e.g. brincar com os carros na mão ou alinhá-los em vez de os guiarem), demonstram menos interesse e competências na brincadeira do faz-de-conta (têm dificuldades a entender este tipo de brincadeira) e preferem ficar mais felizes a brincar com os seus brinquedos do que em brincar com os pares. Pode-se gerar então a seguinte questão. Porque é que isto é um problema? Todos estes fatores acabam de certa forma por limitar a criança em adquirir e a variar

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os conceitos de brincadeiras com os seus pares, de se relacionar com os outros, de adquirir vocabulário e comunicar de forma mais complexa, de imitar os outros, etc.

Ao programar atividades lúdicas para as crianças é essencial que estas sejam estruturadas e que façam parte da rotina das crianças com autismo. Mostrando às crianças o que é para fazer, como, quando e onde são realizadas as atividades, permite reduzir o stress da criança com autismo, como também possibilita a sua compreensão acerca da própria atividade e do que é esperado dela. Para estruturar as atividades de tempo livre, segundo Jordan (2000), a maneira mais fácil de o conseguir é através da utilização de esquemas visuais.

O jogo deve ser adaptado às necessidades e limitações das crianças e no caso das crianças com perturbação do espectro do autismo não é exceção. As crianças com autismo, ao estarem integradas numa turma regular (sempre que possível), têm a oportunidade de usufruir dos mesmos direitos a oportunidades e aprendizagens que as outras crianças com desenvolvimento neurotípico. As crianças com perturbação do espectro do autismo, ao estarem integradas e incluídas numa turma, são estimuladas a desenvolver jogos como o jogo simbólico ou o faz-de-conta (forma de construção da realidade que está ligada à linguagem e a uma forma de pensamento diferente do real), brincadeiras convencionais ou funcionais, brincadeiras de causa-efeito, jogos de expressão, jogos de exploração (e.g. quebra cabeças), jogos de construção e de encaixe (e.g. puzzle, caixas de encaixe), jogos de enfiamento, brincadeiras no exterior (e.g. realizar passeios), jogos de recurso às novas tecnologias (e.g. aplicativos para Tablet), jogos com bola, brincadeiras com materiais de arte, jogos de mesa (e.g. xadrez), etc., devendo sempre privilegiar de diferentes espaços comunitários e diferentes espaços na própria escola/ jardim-de-infância (Saldanha, 2014).

As crianças com espectro do autismo, ao brincarem com outras crianças, acabam por reconhecer diferentes papéis sociais e compartilhar interesses e atividades.

É importante realçar que, quando a criança com autismo tem uma aptidão particular ou está bastante interessada em realizar determinadas tarefas, é aí que se devem basear as atividades de lazer. Torna-se também necessário ampliar o reportório das crianças ao nível das suas brincadeiras e promover a sua flexibilidade,

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se as brincadeiras realizadas pelas crianças com autismo forem muito limitadas e repetitivas (Jordan, 2000).

O educador que trabalha com a criança com perturbação do espectro do autismo deve não só conhecer o perfil da criança e trabalhar de forma a colmatar as suas dificuldades, como também deve trabalhar as suas potencialidades baseadas nos seus interesses e procurar atualizar as suas práticas pedagógicas.

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Parte II- Parte Empírica

“Os estudos em educação […] constituem uma «ciência prática», na medida em que não queremos apenas conhecer factos e compreender as relações em nome do saber, mas também pretendemos conhecer e compreender com o objetivo de sermos capazes de agir e de agir «melhor» que anteriormente” (Langeveld, 1965, cit. in Bell, 1997, p.36).

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