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4 O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E A TAXA DE

4.1 O cálculo da taxa a partir da capacidade contributiva

O aspecto da regra matriz de incidência que é mais pertinente a este assunto é o quantitativo, pois é nele que se leva em conta o porte econômico do contribuinte na TCFA.

Lembrando, tem-se que:

Art. 369-G. A Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental será devida, trimestralmente, por estabelecimento, de acordo com o potencial de poluição ou o grau de utilização de recursos naturais e porte económico do sujeito passivo, conforme valores definidos na Tabela II do Anexo IX deste Código.

E o porte econômico é definido da seguinte forma, no mesmo artigo:

§ 2º Para fins de definição do porte económico do sujeito passivo e do valor da taxa a ser recolhido, considera-se:

I - microempresa ou empresa de pequeno porte: a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário que se enquadrem nos limites de receita bruta anual definidos pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, e suas alterações posteriores;

II - empresa de médio porte: a sociedade empresária: a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário que tenha receita bruta anual, no ano-calendário anterior, superior ao definido para empresa de pequeno porte e igual ou inferior a R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais);

III - empresa de grande porte: a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário que tiver receita bruta anual, no ano-calendário anterior, superior a R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais). (Artigo acrescido pelo art. 49 da Lei Complementar nº 241, de 22 de novembro de 2017).

A presença deste elemento para se chegar ao valor devido pela taxa poderia gerar dúvidas em alguns contribuintes, haja vista a espécie tributária taxa ser devida em razão do exercício do poder de polícia, o que, à primeira vista, não detém relação com o porte econômico do sujeito passivo. Não seria a TCFA um imposto sobre a renda disfarçado, já que a própria lei leva em conta a receita bruta dos praticantes das atividades?

44 Primeiramente, deve-se observar a literalidade do artigo 369-G do Código Tributário Municipal. O porte econômico da pessoa não é o único fator a mensurar a exação, ele será combinado com o potencial de poluição e o grau de utilização de recursos naturais, elementos que, sem dúvida, suscitam a atividade fiscalizatória do Estado.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro confirma:

Pelo conceito moderno, adotado no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público. Esse interesse público diz respeito aos mais variados setores da sociedade, tais como segurança, moral, saúde, meio ambiente, defesa do consumidor, patrimônio cultural, propriedade. Daí a divisão da polícia administrativa em vários ramos: polícia de segurança, das florestas, das águas, de transito, sanitária, etc53.

A liberdade para a prática de atividades econômicas é assegurada pela Constituição Federal54, sendo um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil “os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa”55, todavia, o exercício deste pode afetar a coletividade de forma prejudicial, como é facilmente perceptível ao se observar quais as atividades sujeitas à taxa municipal, sendo elas:

Extração e Tratamento de Minerais, Indústria de Produtos Minerais Não Metálicos, Indústria Metalúrgica, Indústria Mecânica, Indústria de material Elétrico, Eletrônico e Comunicações, Indústria de Material de Transporte, Indústria de Madeira, Indústria de Papel e Celulose, Indústria de Borracha, Indústria de Couros e Peles, Indústria Têxtil, de Vestuário, Calçados e Artefatos de Tecidos, Indústria de Produtos de Matéria Plástica., Indústria do Fumo, Indústrias Diversas (Usinas de produção de concreto e de asfalto), Indústria Química, Indústria de Produtos Alimentares e Bebidas, Serviços de Utilidade, Transporte, Terminais, Depósitos e Comércio, Turismo, Uso de Recursos Naturais.

O Estado, exercendo seu papel de mantenedor da ordem social, deve controlar e fiscalizar o exercício de tais atividades, o que pode gerar a instituição de taxas de polícia.

Ademais, se um maior faturamento da empresa, o que influi no seu porte econômico, gerar para o Estado um maior dispêndio de recursos em autuações, fiscalizações, controle, maior quantitativo de agentes para verificar se a atividade não está gerando nenhum maleficio, não há nenhum problema em levar em consideração o porte econômico da empresa para a definição da taxa.

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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 118. 54

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...].

55 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e

do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:[...] IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

45 A mesma situação foi observada quando da instituição da taxa de fiscalização de mercados, cobrada pela Comissão de Valores Mobiliários. Os ministros, em sua maioria, chegaram à conclusão de que quanto mais ações na Bolsa a empresa tivesse, o que influenciaria em seu patrimônio líquido, maior seria a fiscalização exercida pela CVM, o que não invalidava a taxa.

O ministro Marco Aurelio, inclusive, se manifestou pela invalidade da taxa, alegando que o patrimônio líquido das empresas não guardava relação com a atividade estatal, como demonstrado a seguir:

É o caso de indagar-se: qual a relação entre o poder de polícia e o patrimônio líquido do contribuinte? Inexiste elo que justifique o cálculo a partir da saúde da empresa. Aliás, surge até mesmo um contra-senso: quanto menor esta última, maior, presume- se, a necessidade de fiscalização56.

Entretanto, não foi esse posicionamento que vigorou na Suprema Corte. A maioria dos ministros entendeu que o patrimônio não era a base de cálculo do tributo, sendo apenas expressão da capacidade contributiva, e que maiores empresas geravam maior controle da autarquia. O ministro Nelson Jobim proferiu voto no seguinte sentido:

É o patrimônio líquido - no nosso ponto de vista, creio que também no do Relator - um critério pelo qual se possa aferir o tipo de serviço prestado, considerando a circunstância de que, quanto maior o patrimônio líquido, maior a atividade desenvolvida na Bolsa, porque é condição para essa atividade a garantia do seu patrimônio57.

Voltando à taxa de controle e fiscalização, não é difícil imaginar que, por exemplo, uma grande indústria alimentícia produza uma quantidade muito maior de poluentes e use mais recursos naturais do que uma pequena padaria, que atende apenas aos consumidores de determinado bairro. O Poder Público certamente irá utilizar mais o seu aparelho estatal para fiscalizar a primeira empresa do que a segunda, o que justifica os valores diferentes para os dois estabelecimentos.

Aliás, taxa muito semelhante é cobrada no âmbito Federal, pelo IBAMA, sendo os nomes idênticos (Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental), a qual foi objeto de

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 177.835-1. AGROVAP Agropecuária Vale do Prata S/A e Outros e Comissão de Valores Mobiliários-CVM. Relator: Ministro Carlos Velloso. Brasília, Distrito Federal, 22 de abril de 1999. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=223337. > Acesso em: 25 mai. 2019. 57 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 177.835-1. AGROVAP Agropecuária Vale do Prata S/A e Outros e Comissão de Valores Mobiliários-CVM. Relator: Ministro Carlos Velloso. Brasília, Distrito Federal, 22 de abril de 1999. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=223337. > Acesso em: 25 mai. 2019.

46 questionamento perante o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, o qual se manifestou do modo exposto:

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. TAXA DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL. LEI Nº 10.165/2000. ADEQUAÇÃO À ORDEM CONSTITUCIONAL. ENQUADRAMENTO LEGAL. ANEXO VIII, DA LEI Nº 10.165/2000.

1. A Taxa de Fiscalização Ambiental - TCFA, por força do novo diploma legal, Lei nº 10.165/2000, restou compatibilizada com a Ordem Constitucional vigente, estando presentes todos os elementos necessários à identificação dos contribuintes e à fixação do valor da referida exação.

2. Considerando ser a proteção do meio ambiente competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inexistindo limites específicos, é possível ao IBAMA, no cumprimento do seu mister, com base nas normas constitucionais e infraconstitucionais pertinentes, exigir a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA, haja vista o art. 17-b, da Lei n.º 6.938/81, com redação dada pela Lei n.º 10.165/2000.

3. A gradação para a cobrança da taxa em tela fora fixada com base em critério variado, em função da potencialidade poluidora da atividade exercida pelo contribuinte, combinando o grau de risco da atividade desenvolvida com o seu porte econômico. Considerou-se, assim, que as empresas com maior volume de negócios apresentam, em regra, maior potencialidade de dano ao meio ambiente. (grifo nosso).

4. Precedentes este egrégio TRF da 5a Região: (AMS 79558/PE. Órgão Julgador: Primeira Turma, Relator Des. Federal Francisco Wildo, Data do Julgamento: 17/03/2005, DJ 15/04/2005 - Pág.: 1019; AMS - Apelação em Mandado de Segurança nº 86347/CE. Segunda Turma DJ: 14/09/2005-Página::1057. Rel. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima; AMS nº 90478-CE. Quarta Turma. DJ: 21/06/2005- Página:670. Rel. Des. Federal Ivan Lira de Carvalho)

5. Apelação improvida58.

Valores de taxas diferentes em razão de uma maior ou menor atividade estatal referida aos contribuintes não são reservados apenas para as taxas de polícia. As taxas cobradas em razão da utilização de serviços públicos específicos e divisíveis também podem fazer essa aferição, como é o caso das taxas judiciárias cobradas no Estado da Bahia, a partir da lei 6955/96.

A taxa judiciária baiana varia conforme o valor da causa, apresentando maiores valores à medida que sobe o valor da ação, o que demonstra que a lei está admitindo que causas de valores maiores geram uma maior prestação do serviço judiciário, gerando taxas de numerários diferentes. A bem da verdade, as taxas de polícia adequam-se melhor ao princípio da capacidade contributiva, mas, como visto, ele também pode ser verificado nas taxas de serviço.

58 BRASIL. Tribunal Regional Federal. Apelação em Mandado de Segurança nº 92410. Ferreira, Pinto &

Cia/ Ltda e Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Relator: Desembargador Federal Cesar Carvalho (Substituto), Recife, Pernambuco, Acórdão. 20 de abril de 2006. Disponível em:<06https://trf-5.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/234983/apelacao-em-mandado-de-seguranca- ams-92410-pe-20028300005940-4?ref=serp>. Acesso em: 14 jun. 2019.

47 O STF pronunciou-se sobre a taxa judiciária da Bahia, na ADI-MC 1530/BA, que admitiu a possibilidade de progressividade da referida taxa, suspendendo apenas a alíquota de 2% prevista caso o valor da causa ultrapassasse 39.161,13 reais.

Não se pode esquecer, também, que a TCFA realiza o princípio da capacidade contributiva quando institui hipóteses nas quais os contribuintes estão isentos da cobrança da taxa, pois as causas de isenção elencadas pelo legislador é uma das formas de manifestação da capacidade contributiva59, sendo os beneficiados:

Art. 369-F. São isentos do pagamento da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental: I - os órgãos dos Poderes públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como as autarquias e as fundações por eles instituídas e mantidas; II - as associações e fundações privadas, sem fins lucrativos, que atendam aos requisitos previstos no artigo 8°, inciso III, deste Código;

III - as pessoas físicas e os microempreendedores individuais optantes pelo Simples Nacional;

IV - as microempresas optantes pelo Simples Nacional, quando o potencial de poluição ou o grau de utilização de recursos naturais seja pequeno e médio. (Artigo acrescido pelo art. 49 da Lei Complementar nº 241, de 22 de novembro de 2017).

Portanto, a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental, ao ser valorada de acordo com o porte econômico do contribuinte, realmente aponta a presença de um critério medidor de capacidade contributiva, pois o rendimento bruto das empresas é indicativo de riqueza por parte do sujeito passivo.

Entretanto, este fator coincide com a maior movimentação da estrutura pública a fim de realizar a fiscalização da entidade nos casos concretos, como demonstrado nos exemplos citados anteriormente. Por fim, não é único critério a ser considerado, devendo ser combinado com o risco potencial da atividade e a utilização dos recursos naturais, os quais também guardam relação com a atividade fiscalizatória do Estado.

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