• Nenhum resultado encontrado

3 DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

3.6 O princípio da capacidade contributiva e as taxas

A possibilidade do princípio da capacidade contributiva ter repercussão em outras espécies tributárias, além dos impostos, não é matéria pacífica na doutrina, havendo autores igualmente respeitáveis que possuem posicionamentos opostos.

Em relação aos impostos, não há maiores dúvidas da clara afinidade destes com a capacidade contributiva, apresentando signos presuntivos de riqueza por excelência, os quais demonstram a existência da capacidade para contribuir, como os impostos sobre bens imóveis, rendas, bem móveis e outros.

Além disso, o princípio impõe sua presença a partir do comando constitucional previsto no artigo 145, §1º da Constituição Federal, o qual vincula, expressamente, sua aplicação aos impostos. Sobre o assunto, Hugo de Brito Machado Segundo esclarece:

O “sempre que possível” a que refere o §1º do art. 145 da CF/88 não significa que o atendimento aos citados princípios (pessoalidade e capacidade contributiva) dependa da vontade ou da simpatia do legislador ou do intérprete, ou das circunstâncias econômicas, mas sim que os mesmos são metas, ou diretrizes, que devem ser prestigiadas com máxima efetividade possível à luz das demais regras e princípios do ordenamento jurídico40.

Contudo, a problemática se dá em relação aos outros tributos, como as taxas, por exemplo. Regina Helena Costa sustenta que as taxas não são aptas a observar o princípio da capacidade contributiva, afirmando:

Sustentar a necessidade da observância do princípio da capacidade contributiva nas taxas é não atentar para a natureza dessas imposições tributarias. Uma contraprestação pela atuação do Poder Público, diretamente referida ao contribuinte,

40

SEGUNDO MACHADO, Hugo de Brito. Manual de Direito Tributário. 9. Ed. ref., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2017. p. 94

38 não se pode erigir, nas taxas, como critério informador desses tributos, uma circunstância absolutamente alheia a essa atuação estatal. Vale dizer, se, com a taxa, pretende-se remunerar a atuação estatal, essa remuneração deve reportar-se ao custo da mesma e não à capacidade contributiva do sujeito passivo [...]41.

Neste mesmo sentido, também é o posicionamento de Geraldo Ataliba, asseverando que as taxas são tributos vinculados a uma atuação do poder estatal, seja a disponibilização de um serviço ou o exercício do poder de polícia, assim, não cabem às taxas dimensionar quaisquer aspectos pessoais relativos ao contribuinte42.

Diferente é o pensamento de outros estudiosos do tema, sendo exemplo alguns juristas estrangeiros, como Fernando Sainz de Bujanda e Alberto Tarsitano. A cautela ao se citar autores estrangeiros não é ignorada pelo presente trabalho, tendo em vista que os ordenamentos podem ter peculiaridades que lhe permitem fazer afirmações não aplicáveis para outros.

Ainda mais quando as competências tributárias são tão rigorosamente delineadas no texto constitucional brasileiro, o que não ocorre, muitas vezes, em diplomas alienígenas. Contudo, Bujanda, tratando das taxas referentes à prestação de serviços públicos, mesma hipótese da brasileira, comenta:

No se está en presencia de un fijan imperativamente em la ley. No se está en presencia de un fenómeno de cambio, sino de la realización de un servicio público, prestado por el Estado o por el ente público de que se trate, a la coletividade, que ha de contribuir a su sostenimiento. El reparto contributivo há de producirse, pues, con un critério de justicia distributiva, como en cualquier otro tributo. De ahí que la capacidad económica de los usuários del servicio, obligados al pago de la tasa, deba estar presente a la hora de establecer las tarifas y los restantes elementos de cuantificación de las cuotas que hayam de satisfacerse43.

Já Alberto Tarsitano, citado por Betina Grupenmacher em seu livro sobre as limitações constitucionais ao poder de tributar, assevera, simplesmente: “En mi opinión el princípio da capacidad contributiva, al igual que el resto de los princípios constitucionales, tiene plena vigência respecto de todos los tributos”44.

No mesmo sentido, afirmando a possibilidade da aplicação do princípio às outras manifestações tributárias, entre elas as taxas, Sacha Calmon Navarro Coêlho, manifesta-se:

Por ser do homem a capacidade de contribuir, a sua medição é pessoal, sendo

41 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 55. 42

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. 16. tir. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 133.

43

SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Hacienda y Derecho, Volume III. Madri: Instituto de Estudios Políticos, 1963. p. 262.

44

GRUPENMACHER, Betina Treiger. Eficácia e aplicabilidade das limitações constitucionais ao

39 absolutamente desimportante intrometer no assunto a natureza jurídica das espécies

tributárias. É errado supor que, sendo a taxa um tributo que tem por fato jurígeno

uma atuação do Estado, só por isso, em relação a ela não há falar em capacidade contributiva. [...] Nas taxas e contribuições de melhoria, o principio realiza-se negativamente pela incapacidade contributiva, fato que tecnicamente gera remissões e reduções subjetivas do montante a pagar imputado ao sujeito passivo sem

capacidade econômica real45.

O autor ainda acrescenta que a atuação estatal é relevante para quantificar a taxa, entretanto, a capacidade de pagar a prestação guarda relação com o sujeito passivo, e não com o fato que enseja a tributação.

Com a devida ousadia, este trabalho admite que a capacidade contributiva se manifeste em outras situações além daquelas que configuram “remissões ou reduções subjetivas”, nos dizeres de Sacha Calmon, havendo a instituição da taxa com valores diferentes, a depender do contribuinte, havendo manifestação, ainda que indireta, do princípio.

É o que comenta o professor Hugo de Brito Machado, no livro Comentários ao Código Tributário Nacional:

É certo que a taxa tem, como ocorre com o imposto, fato gerador que seja um signo presuntivo de capacidade contributiva. Não é razoável, portanto, sustentar que o valor da taxa há de ser determinado sempre em consideração à capacidade contributiva daquele de quem é exigida. Nada impede, porém, que o legislador coloque, entre os critérios adotados para a determinação do valor de uma taxa, um que de algum modo realize o princípio da capacidade46.

O Supremo Tribunal Federal também já demonstrou não ser contrário à possibilidade da aplicação do princípio da capacidade às taxas, como foi demonstrado no julgamento do Recurso Extraordinário 177.835, relativo à taxa cobrada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

No caso em tela foi questionada a Taxa de Fiscalização do Mercado de Valores Mobiliários, instituída pela lei 7.940/89 e cobrada pela CVM. A taxa variava de acordo com o patrimônio líquido da empresa a ser fiscalizada, o que, na opinião do autor do recurso, seria sua base de cálculo, o que é vedado tanto pela Constituição Federal47 como pelo Código Tributário Nacional48.

45

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 74.

46

MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional, volume I. São Paulo: Atlas, 2004. p. 673.

47

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: [...] § 2º As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.

40 O entendimento do STF, no entanto, foi no sentido de que a variação da taxa em razão do patrimônio líquido, por si só, não configurava sua base de cálculo, até mesmo porque os valores a serem pagos eram fixos.

O Ministro Carlos Velloso confirmou que a tabela progressiva da taxa demonstrava a presença de capacidade contributiva, mas que, apesar do artigo 145, §1º só citar os impostos, nada impedia a sua observação em relação às taxas, trazendo à baila a manifestação da então Procuradora da Fazenda Nacional Germana de Oliveira Moraes:

O estabelecimento de classes de contribuintes, além de lógico, é um critério equitativo acima de tudo. Uma grande empresa certamente requisitará mais a atividade fiscalizadora da Comissão de Valores Mobiliários do que uma pequena empresa. A existência de uma taxa de valor único, para todo o amplo espectro de empresas, não iria senão agravar o encargo para as de menor porte. Tratar os desiguais como iguais é uma profunda ignomínia e ofende o sagrado princípio da igualdade constitucional49.

Assim, restou configurado que empresas de maior porte, detendo maiores patrimônios líquidos, despendiam mais a atividade de fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários, o que tornava totalmente devida a taxa, pois havia uma coincidência de um aspecto revelador de capacidade contributiva com o poder de polícia instigado pelas empresas.

A posição do Supremo não é isolada em relação a essa temática, tendo sido também demonstrada quando da análise da ADI 4.697, relativa à contribuição de interesse das categorias profissionais, anuidade cobrada pela OAB.

O caso não tratava especificamente da aplicação do princípio à contribuição, mas nos autos, o Supremo garantiu que a lei federal 12.514/11, instituidora do tributo, observou a capacidade contributiva dos contribuintes, o que demonstra que a aplicação da capacidade, para além dos impostos, é aceita pela Suprema Corte50.

âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas

49

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 177.835-1. AGROVAP Agropecuária Vale do Prata S/A e Outros e Comissão de Valores Mobiliários-CVM. Relator: Ministro Carlos Velloso. Brasília, Distrito Federal, 22 de abril de 1999. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=223337. > Acesso em: 25 mai. 2019. 50

[...] 6. A Lei 12.514/2011 ora impugnada observou a capacidade contributiva dos contribuintes, pois estabeleceu razoável correlação entre a desigualdade educacional e a provável disparidade de rendas auferidas do labor de pessoa física, assim como por haver diferenciação dos valores das anuidades baseada no capital social da pessoa jurídica contribuinte. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 177.835-1. AGROVAP Agropecuária Vale do Prata S/A e Outros e Comissão de Valores Mobiliários-CVM. Relator: Ministro Carlos Velloso. Brasília, Distrito Federal, 22 de abril de 1999. Disponível em: <

41 Falando em contribuições, a pesquisa gostaria de abrir um parêntese para falar, brevemente, já que esse não é o tema do trabalho, sobre a importância que as contribuições assumem atualmente na carga tributária suportada pela população brasileira.

De acordo com o sítio eletrônico do Portal da Transparência Federal, no exercício de 2018, as receitas correntes, das quais fazem parte os tributos, totalizaram mais de 1 trilhão de reais (R$ 1.537.375.953.916,25), não sendo os impostos, taxas e contribuições de melhoria o maior fator desse montante, representando apenas 33% desse valor, mais de 506 bilhões de reais.

A maior fonte de receitas correntes proveio das contribuições, ou contribuições sociais, representando 55% do total arrecadado, somando mais de 800 bilhões de reais. A União, de forma geral, é o único ente competente para instituir as contribuições, e os impostos, no âmbito federal, hoje em dia, não são o principal elemento formador da carga tributária.

Recursos estes que não são compartilhados com os Estados, Distrito Federal e Municípios, já que é próprio das contribuições ter o produto da sua arrecadação vinculado às atividades que geraram sua tributação, sendo exceção à regra prevista no artigo 4º, inciso II do Código Tributário Nacional51.

Assim, seria desarrazoado que o legislador constituinte, diante do quadro tributário atual, não permitisse a aplicação do princípio da capacidade contributiva às outras espécies tributárias, como as taxas e contribuições, deixando de abranger esse enorme quantitativo de recursos oriundos destas últimas.

Continuando a análise sobre as taxas, houve ainda a edição da súmula vinculante nº 29, que assim dispõe: “É constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de um determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra.”

Ou seja, adotando um ou mais elementos próprios dos impostos, a taxa acabará revelando capacidade contributiva, mas não havendo a total identificação dela com o imposto, não haverá qualquer empecilho à sua cobrança, como ocorre com a taxa de lixo cobrada pelas municipalidades, que geralmente é calculada de acordo com a área do imóvel, elemento que faz parte da base de cálculo do IPTU.

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=223337. > Acesso em: 25 mai. 2019.). 51 Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II - a destinação legal do produto da sua arrecadação.

42 A taxa de lixo já teve sua constitucionalidade questionada, mas há outra súmula vinculante que também trata do assunto. A súmula 19 foi assim redigida: A taxa cobrada exclusivamente em razão de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal.

No entanto, muito pertinente é a ressalva do tributarista Hugo de Brito Machado Segundo, chamando a atenção para o fato de que nem toda taxa poderá ser condizente com o princípio em questão. O exemplo é bastante didático:

Uma taxa, por exemplo, não pode ser graduada conforme a capacidade econômica do contribuinte, pois isso implicaria transformá-la em um imposto. [...] Se a taxa para a emissão de um passaporte, por exemplo, fosse calculada conforme a riqueza do contribuinte que o solicita, tomando como critério o valor dos seus imóveis, por exemplo, ter-se-ia um imposto imobiliário disfarçado52.

Portanto, não só é possível, mas recomendável que as diversas exações instituídas pelo poder estatal, respeitada a natureza jurídica da espécie tributária em questão, respeitem a observância do princípio da capacidade jurídica, como forma de expressão da igualdade e da repartição da carga tributária, fazendo prevalecer a justiça fiscal.

52

SEGUNDO MACHADO, Hugo de Brito. Manual de Direito Tributário. 9. Ed. ref., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2017. p. 95.

43

4 O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E A TAXA DE CONTROLE E

Documentos relacionados