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Mapa 3 Mapa representando o número de cursos superiores oferecidos (1998-

4 PEDAGOGIA DA DESTERRITORIALIZAÇÃO: EDUCAÇÃO DO CAMPO E OS

4.5 O Campo Simbólico da Educação do Campo: a Cultura

O Campo simbólico é um importante elemento para se pensar a Educação do Campo. Em Pierre Bourdieu (1983, 2005, 2011) foi possível buscar a definição de dois elementos que dão subsídios para pensarmos os demais campos. A conceituação de “Campo” e “habitus” permite que seja possível adentrar elementos pertinentes à discussão sobre a Educação do Campo e que são delimitados adiante.

Para Bourdieu (2005), os “campos” têm regras próprias e podem ser definidos dentro de conflitos e tensões ou mesmo de oposições entre os sujeitos que o compõem. Os campos “são resultados de processos de diferenciação social, da forma de ser e do conhecimento do mundo e o que dá suporte são as relações de força entre os agentes (indivíduos e grupos) e as instituições que lutam pela hegemonia” (BOURDIEU, 1983, p. 114).

Os sujeitos buscam a autoridade, que concede “o poder de ditar as regras e de repartir o capital específico de cada campo” (BOURDIEU, 1983, p. 114). Para o autor, os sujeitos são agentes que sabem ser “dotados de um senso prático”, com suas preferências e estruturas que orientam a percepção da situação. O habitus seria esse senso prático do que deve ser feito em cada situação. As nossas escolhas irão nos direcionar. Tal como dar preferências para o capital cultural ou o capital econômico. (BOURDIEU, 2011).

O habitus, tal como Pierre Bourdieu apresenta, direciona-nos para refletirmos sobre o capital cultural da Educação do Campo presente neste campo simbólico. O autor apresenta a escola como um espaço onde as aptidões são inseparáveis das diferenças sociais, legitimando a dominação dos “eleitos”.

Romper a lógica de dominantes e dominados no ambiente escolar é uma das premissas da Educação do Campo que vê o sujeito em sua integralidade, capaz de romper com a visão de subalternidade imposta aos estudantes do campo frente aos estudantes da cidade. Essa

supremacia é rompida ao passo que o estudante do campo é levado a reconhecer sua identidade camponesa, com pensamento social autônomo capaz de se reconhecer como sujeito da história.

Moreira e Candau (2008) refletem sobre como há muito tempo alguns grupos sociais têm sido alvo de discriminações e, por meio de lutas, vêm conquistando seus direitos, sendo conscientizados de que as diferenças que os apartam são, na verdade, “construções sociais e culturais que buscam legitimar e preservar privilégios” (MOREIRA; CANDAU, 2008, p. 39). A Educação do Campo como instrumento de fortalecimento da identidade camponesa desafia a identidade hegemônica que marginaliza os sujeitos do campo com o estigma do atraso, e o reconhecimento da cultura camponesa é um dos caminhos a ser seguido.

Discorrer sobre a cultura do povo camponês passa pela identidade do sujeito camponês, que se reconhece como pertencente ao campo. Para se pensar a identidade do campo, é preciso compreender que o que nos dá identidade é justamente o que nos difere de outros grupos. No caso dos sujeitos do campo, o que os difere de outros grupos é sua relação com a terra e o trabalho e essa relação não pode ser omitida no currículo escolar.

Não obstante, apesar da legislação que trata da Educação e da Educação do Campo indicar que haja adaptação nos currículos e dos calendários, ainda é comum que se sugira uma adaptação do currículo das escolas urbanas para as escolas no campo. Na Lei de Diretrizes e Bases (9394/96), no Art. 28, está previsto que:

na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente. I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II – organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar e fases do ciclo agrícola e as condições climáticas; III – adequação à natureza do trabalho na zona rural.

Na prática, a lei, por vezes, não é aplicada e os governos municipais e estaduais que mantêm maior parte dessas instituições simplesmente transferem o material utilizado nas escolas urbanas para as escolas no campo, como princípio de igualdade, quando, na verdade, os estudantes não podem se reconhecer no material didático e nas práticas pedagógicas da escola. Boaventura Sousa Santos, dentro do pressuposto da construção intercultural da igualdade e da diferença, afirma que “temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza” (SOUSA SANTOS, 2008, p. 316).

Nesse viés, entendemos a relação cultura e escola como um Campo Simbólico para a Educação do Campo. A escola, ao se reconhecer como mecanismo formativo, deve assumir uma prática pedagógica que dialogue com a proposta de equidade de direitos para os povos do campo, ao mesmo tempo em que deve reconhecer os saberes culturais que formam esses sujeitos. É relevante e imprescindível dar oportunidades para que a comunidade escolar tome consciência da construção de sua própria identidade cultural, tendo como base a cultura camponesa que ladeia a sua realidade.

Provocar que a comunidade escolar assuma a sua identidade parte do pressuposto de uma construção coletiva, dentro uma visão dinâmica e plural da identidade. Os enraizamentos da cultura camponesa têm que fazer parte dos fundamentos filosóficos da escola, perpassando todo ambiente escolar. A pertença à cultura camponesa deve estar internalizada em todos que compõem a comunidade escolar, para que essa não seja enfraquecida.

A Educação do Campo cumpre sua função ao passo que não alcança somente o ambiente escolar, transcendendo a sala de aula. Dentro do ciclo que a constitui, a Educação do Campo nasce dentro da escola camponesa, pensada a partir da luta dos seus sujeitos, mas é capaz de romper suas cadeias e estabelecer um ciclo para que a escola do campo exista.

Enquanto luta, a Educação do Campo nasce no chão da sala de aula dos assentamentos, como prática pedagógica alcança a formação de professores e, como territorialização dos saberes, adentra as universidades e retorna para as escolas em forma de conhecimento, que valoriza o saber cultural dos povos do campo sem desconsiderar o saber científico que permeia a educação.

Esse movimento vai consolidando a Educação do Campo e torna indispensável que esse ciclo se realize dentro do Campo Simbólico. A relação escola, cultura e saberes é indissociável quando se objetiva construir uma escola para o campo e para os seus sujeitos. Nesse sentido, o currículo é o instrumento capaz de estabelecer essa relação e fazer com que ela se estabeleça na escola.

A palavra currículo provém do latim curriculum e está estritamente ligada ao tempo corrido. Tal definição reforça o caráter do currículo escolar de ocupar o tempo do aluno, sem necessariamente fazer com que o tempo tenha sentido na formação do sujeito. Essa abordagem sobre currículo tira da escola, seja no campo ou na cidade, a potencialidade de reconhecer as demandas sociais e culturais que a cercam e de organizar o currículo a partir da sua realidade e com a participação dos seus sujeitos.

Ao mesmo tempo em que o currículo oficial não inclui a cultura, os saberes e a realidade da comunidade escolar, ele oportuniza que os aspectos do ambiente surjam dentro

do currículo oculto e façam uso de alguns recursos, dentre eles, o poder, para moldar o cotidiano escolar. Para Silva (2010, p. 78), “o currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes.” O que, portanto, não se pode perder de vista, segundo o autor, é o que se aprende e através de quais meios, ou seja, do currículo oculto.

Em uma perspectiva crítica do currículo, o currículo oculto por vezes busca moldar comportamentos, atitudes e valores convenientes às estruturas e às pautas de funcionamento (SILVA, 2010). No caso das crianças pertencentes à classe trabalhadora, o currículo oculto pode incutir o conformismo e a obediência, ao passo que ensina atitudes que levam à subordinação.

No campo simbólico, em que a cultura deve ser reconhecida como parte estruturante do currículo escolar, na medida em que ela é negligenciada, pode haver um distanciamento dos aspectos culturais que são genuínos da cultura camponesa. Nessa situação, o valor do homem do campo na construção da sociedade pode ser distorcido, moldando os alunos ora para uma visão de aceitação de sua condição social, ora para uma definição ideológica do papel do homem do campo, desconsiderando a diversidade presente nas denominações da população do campo.