• Nenhum resultado encontrado

Canto XXIV (Omega) – O resgate do corpo de Heitor (

IX) , o Retorno de Aquiles à Guerra (Canto XVIII).

2. O Canto I da Ilíada

O proêmio da Ilíada está circunscrito aos sete primeiros versos do Canto I. Ali, numa mescla de proposição e invocação, o poeta apresenta o argumento do poema – a fúria funesta de Aquiles que tantos heróis mandou para o Hades cumprindo o que havia estabelecido Zeus. A narração propriamente dita inicia-se a partir do verso 8, estendendo-se até o final do Canto XXIV, após os funerais de Heitor. O argumento do Canto I é o desentendimento entre Aquiles e Agamêmnon. Preocupado com a peste que grassa no acampamento grego, matando homens e animais, Aquiles convoca a ágora – a assembléia dos Aqueus –, para saber qual a origem de tantos males. Ele descobre, através do sacerdote Calcas que a culpa de tal desgraça cabe a Agamêmnon, autor de uma grave ofensa ao sacerdote de Apolo Crises. É para desagravar Crises que Apolo desencadeou a peste no acampamento Aqueu.

Querendo resgatar a filha, Criseida, que havia sido feita prisioneira na tomada de Lyrnessos por Aquiles, Crises vai até Agamêmnon, a quem coube a presa de guerra, e oferece-lhe um alto resgate, em troca da liberdade da filha. Agamêmnon não só não aceita, mas também ofende e ameaça de morte o sacerdote de Apolo. A descoberta da causa da peste leva Aquiles ao confronto com Agamêmnon, sobretudo quando este ameaça tomar o quinhão de qualquer outro, mesmo o de Aquiles, caso entregue Criseida de volta ao pai, Crises. A discussão se instaura entre eles, com Aquiles se sentindo desonrado e Agamêmnon se sentindo privado do seu prêmio. Aquiles só cede ao ímpeto de matar Agamêmnon diante da intervenção de Palas, que, aparecendo só a ele, o detém, puxando-lhe a cabeleira loura e o aconselhando a ofender com palavras o quanto puder a Agamêmnon, mas evitando matá-lo. Privado de sua Briseida,

tomada por Agamêmnon, Aquiles se retira da guerra, lamenta a sua desonra à mãe, queixa-se de Zeus que não está cumprindo a sua parte no acordo do destino breve, mas glorioso. Thétis, sua mãe, resolve interceder por ele junto a Zeus e obtém do pai dos deuses e dos homens a certeza de Aquiles voltar a ser honrado pelos Aqueus, após derrotas para os Troianos. O canto se fecha com o banquete dos deuses no Olimpo.

O que norteia o Canto I da Ilíada é a discussão travada sobre a honra do herói. Como obter a glória que se busca sem a honra? Este é o drama de Aquiles. De um lado se põe o senhor dos heróis, Agamêmnon, comandante supremo do exército de coalizão dos Aqueus, que conta, aproximadamente, com cem mil homens. Do outro lado está o maior dos heróis, o melhor dos Aqueus, o mirmidão Aquiles, temido por todos os guerreiros Troianos, por ser, nas palavras de Nestor, “a grande muralha dos Aqueus contra a guerra cruel” (Canto I, versos 288-289). É a prepotência de um contra a força do outro. Ofendido na sua honra, Aquiles sente tomar-lhe o ímpeto desafiador que o leva ser irônico e mordaz com Agamêmnon, e a sentir ganas de matá-lo. Agamêmnon por sua vez, não abre mão de seu direito como chefe supremo, poder que emana de Zeus, concentrado no cetro que empunha, com uma honra, portanto superior à de Aquiles. É isto o que diz também Nestor (Canto I, versos 278- 279)

Em favor de Aquiles, no entanto, registre-se que o herói deseja a contemporização, procurando compensar Agamêmnon de outras formas, uma vez entregue Criseida ao pai – caberia ao Atrida três ou quatro vezes mais que aos outros o butim partilhado, depois da ruína de Tróia (Canto I, versos 122-129). Agamêmnon é que parte para o confronto (Canto I, versos 130-147), o que desencadeia as ofensas de Aquiles (Canto I, versos 148-171; 225-245; 292-303). Dentre elas, destaca-se a alusão à cara de cão de Agamêmnon (Canto I, verso 159), numa referência a seu caráter impudente, cujo espírito só pensa no ganho (Canto I, verso 149). Em outro momento, a avidez do cão, se associa ao medo do gamo e ao prazer do vinho a que se entregaria Agamêmnon, vez que o grande senhor não participa dos combates na visão de Aquiles (Canto I, verso 225). Tal é cupidez de Agamêmnon que Aquiles o chama de devorador do povo, que precisa para exercer seu mando reinar sobre gente nula (Canto I, verso 231). Aquiles finaliza suas ofensas, não antes de jogar por terra o cetro do Atrida

(Canto I, verso 245), dizendo que se aceitasse sem contestação a força de mando de Agamêmnon, não seria mais do que desprezível e nulidade (Canto I, verso 293).

As réplicas de Agamêmnon (Canto I, versos 177-187; 285-291) não ficam atrás. Mandando Aquiles reinar sobre os Mirmidões (Canto I, verso 180), numa ironia cortante, cujo trocadilho se perde na tradução, Aquiles é para Agamêmnon nada mais do que o povo que ele comanda – formiga. Agamêmnon replica diante da ponderação que faz Nestor, na tentativa de sanar os ânimos: Aquiles pretende ser o mais poderoso e reinar sobre todos, o que é uma afronta a seu comando e a investidura divina de seu poder de senhor supremo (Canto I, versos 287-288).

Com fortes ironias despachadas de ambos os lados, nem a contemporização de Nestor é capaz de apaziguar os dois que se ofendem mutuamente. Nestor e Palas Atena são a racionalidade em contraponto à fúria e ao descomedimento de ambos os heróis. Nessa arena está em jogo a honra ferida – Agamêmnon de vasto poder não só não honrou o melhor dos Aqueus como também não honrou a sacerdote de Apolo, Crises (Canto I, versos 10-11) –, o que desencadeia toda a querela. Aquiles se retira da guerra, pois desonrado não pode alcançar a glória. Será necessária a intervenção de Zeus, a pedido de Thétis, para que o herói volte à guerra. Se Zeus lhe deu uma vida breve, que pelo menos em troca lhe conceda a honra (Canto I, verso 353). Prêmio de guerra e honra/desonra com as variantes das formas e tempos verbais correspondentes são as palavras centrais desse capítulo.

Assim é que as prolepses desse capítulo são importantes para o desencadeamento da narrativa: os versos 212-214 antecipam a embaixada a Aquiles, que ocorrerá no Canto IX, e os esplêndidos presentes (Canto I, verso 212) que o Pelida aceitará no Canto XIX, como pagamento da desmedida de Agamêmnon, pondo fim ao desentendimento entre ambos. É o que lhe promete Atena. Os versos 240-244, proferidos pelo próprio Aquiles, antecipam as vitórias dos Troianos liderados por Heitor sobre os Aqueus; os versos 337-342 revelam a necessidade que os Aqueus terão de ter Aquiles consigo para poderem combater perto das naus sem perigo. Isto se dará com o retorno efetivo de Aquiles à guerra, no Canto XX. Por fim, o destino de Aquiles, aludido tantas vezes neste Canto I (versos 352-356; 413-

428; 517-527), será retomado ao longo da Ilíada, principalmente no canto XVIII.

GLOSSÁRIO

Acaios: Nome genérico para designar os gregos. O termo é

proveniente de Acaia, regiões gregas, uma situada no Peloponeso e a outra na Tessália, no continente. O mesmo que Aqueus ou Aquivos.

Ágora: A praça onde se reuniam os senhores para tomada de

decisão sobre alguma coisa. O termo, por metonímia acaba designando a própria assembléia.

Aqueus: V. Acaios.

Argivos: Nome genérico para designar os gregos. O termo é

proveniente da região de Argos, uma das principais cidades do Peloponeso.

Atrida: Epíteto para Agamêmnon e Menelau, ambos filhos de

Atreu.

Canto: Capítulo do poema épico, assim chamado porque o poema

era para ser cantado, não declamado.

Dânaos: Nome genérico para designar os gregos. O termo é

proveniente de um dos ancestrais gregos, chamado Dânaos.

Dardânios: Nome genérico para designar os troianos, proveniente

de um dos ancestrais da raça troianos, chamado Dárdanos.

Epílogo: Parte final do poema épico, quando se acaba a narração e

encaminha-se o fim da narrativa.

Epíteto: Aposto ao nome de pessoas, deuses, heróis e cidades.

Muito usado no poema épico como recurso mnemônico, dando ritmo ao hexâmetro.

Flash-Back: Retorno ao passado de modo linear e organizado, de

modo a esclarecer fatos da narrativa.

Helenos: Nome genérico dado aos gregos, termo proveniente de

parte dos soldados tessálios comandados por Aquiles. O termo também se refere a Helena, filha de Deucalião, visto como pai dos gregos.

Hexâmetro Dactílico: Verso característico do poema épico,

construído com seis medidas ou seis pés, tendo como base o pé dáctilo, constituído de uma sílaba longa e duas breves.

Honras Fúnebres: Todas as pessoas que morriam deveriam ter

direito às honras fúnebres, sem as quais a sua alma não chegaria ao Hades, o mundo inferior. As honras fúnebres do herói, por exemplo, consistiam na queima de sua carne e no encerramento de seus ossos numa urna para posterior sepultamento num túmulo, erigido sobre uma colina.

In Medias Res: Termo utilizado por Horácio (século I a. C.), para

designar a ação do poema épico, já bem adiantada quando a narração se inicia. O termo significa “no meio das coisas”, sem preâmbulos, sem explicação anterior.

Invocação: Uma das partes do poema épico, que consiste no

pedido de auxílio às Musas, como deusas protetoras das artes e do conhecimento, para que elas comuniquem o seu saber ao poeta e ele possa cantar o que assinala na proposição do seu poema.

Micenas: Cidade-estado ao nordeste do Peloponeso, reino

florescente entre os séculos XVI e XII a. C. O grande senhor Agamêmnon reinava absoluto sobre a Micenas homérica, nos tempos míticos.

Mirmidão: Um dos epítetos para designar Aquiles, por reinar

sobre os soldados do mesmo nome. O nome é proveniente das formigas que habitavam a ilha de Egina, transformadas em homens por Zeus, para que Éaco, avô de Aquiles, pudesse reinar sobre eles. No plural, designa os soldados comandados por Aquiles.

Narração: A parte mais longa do poema épico. Cerne do poema

épico, quando o poeta desenvolve minuciosamente em episódios o argumento apresentado na proposição.

Pelida: Um dos epítetos de Aquiles. O termo é proveniente de

Peleu, pai do herói. Aquiles também pode ser chamado de Eacida, por causa do avô, Éaco.

Período Arcaico: Primeiro período da literatura grega, situado

entre os séculos VIII e V a. C. É o momento do início, quando surge a primeira forma literária, o poema épico. Nesse período ainda surgiria a poesia lírica, em sua forma de lírica amorosa, lírica exaltativa e bucólica.

Presa de Guerra: Trata-se do butim, do espólio conseguido pelo

guerreiro, depois de conquistada e destruída uma cidade. É assim que Briseida e Criseida são tratadas na Ilíada: presas ou prêmios de guerra.

Proêmio: Versos iniciais e introdutórios do poema épico,

reunindo a proposição e a invocação. É onde se encontra o argumento do poema, apresentado sinteticamente para ser desenvolvido posteriormente na narração.

Prolepse: Adiantamento da narrativa. Ao leitor ou ao ouvinte é

dado conhecer os fatos antes de eles acontecerem. Assim, não vemos a destruição de Tróia ou a morte de Aquiles na Ilíada, mas sabemos que ambos os fatos vão ocorrer, pois eles são adiantados, através de alusões as mais variadas.

Proposição: Parte do poema épico em que se apresenta o

argumento. De modo sintético, o poeta diz qual será o tema de seu canto. A Ilíada apresenta como argumento a fúria funesta de Aquiles; a Odisséia, a volta de Odisseus para Ítaca.

Teomaquia: Significa, literalmente, batalha dos deuses. Termo

cunhado para designar a Ilíada, sobretudo a partir do Canto XX, quando Zeus libera os deuses para tomar partido na guerra de Tróia e formam-se os grupos de deuses em defesa dos gregos ou dos troianos.

Teucros: Nome genérico para designar os troianos. O termo é

proveniente do nome de um dos ancestrais dos troianos, cujo nome era Teucro.

Tróades: Nome genérico para designar os troianos. O termo é

proveniente do nome de um dos ancestrais dos troianos, cujo nome era Tros.

Observação: Para uma melhor assimilação dos conteúdos desta unidade, faz-se necessária a leitura do Canto I da Ilíada.

Documentos relacionados