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4. A execução do projeto em 2015

4.9 Outras práticas de letramento abrangidas pelo projeto

4.9.2 O cartaz

Figura 16 – Cartaz de divulgação do evento.

Fonte: Acervo digital da professora Anna, 2015.

Isaac planejou o cartaz de propaganda e me mandou o arquivo com o material por e-mail, a fim de que eu providenciasse a sua impressão.

Entreguei o arquivo a um funcionário do Portinari que, gentilmente, diagramou o material e o imprimiu, com a qualidade de uma gráfica profissional, nas dimensões 1m x 0,4m, duas copias. Um cartaz foi afixado no pátio do Portinari (informando que o convite era proveniente do 8º ano do LM e destinado às turmas do 8º ano do Portinari), e outro no pátio do LM.

Foram levantadas várias possibilidades de composição para o cartaz, com reprodução de foto e outras opções, mas ele restringiu-se, basicamente a expor informações sobre data, local e horário para não onerar o custo da impressão. A frase de efeito “Venha ser do seu jeito também!” foi criada por Isaac que, no meu entendimento, foi inteligente e criativo, ao conjugar o título da fotonovela com o objetivo do cartaz.

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4.9.3 A dança

Yasmin foi responsável por planejar uma apresentação de dança que fosse capaz de construir a atmosfera adequada à apresentação da história de amor de Mary Red e Lobão.

O desafio constituía em Yasmin montar uma sequência coreográfica, partindo dos sentidos que ela atribuiria à música escolhida, dentro do espaço do pátio da escola, de acordo com o tema “amor”.

A dança faz parte da linguagem humana, pois é capaz de comunicar, através da utilização de gestos, expressões, sinais, organizados de acordo com o ritmo, com a música. A linguagem corporal promovida pela dança comunica sentimentos, necessidades, emoções, atribuições de sentido as mais variadas. É uma forma de usar o corpo para dizer algo.

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5. A culminância do projeto

O projeto fora programado, desde o começo, para ser apresentado à comunidade. Os alunos sempre tiveram como objetivo a divulgação da fotonovela que, de fato, foi publicada em várias redes sociais, inclusive no site da escola e em canais do Youtube.

5.1 Planejando a apresentação

Quando coloquei em pauta o planejamento da apresentação da fotonovela à comunidade, levantamos algumas possibilidades para esse momento:

 Abertura com os diretores, que explicariam o trabalho;

 Uma apresentação de voz e violão: Hanna (voz) e o professor de música (violão);

 Uma apresentação de dança, com uma música cujo tema fosse “amor”.

A data para a apresentação do trabalho ficou marcada para 6 de novembro, às 14h, no pátio da escola.

Dividi a sala em dois grupos de trabalho. Sob o comando de Isaac, alguns planejariam os cartazes, convites e/ou outras estratégias para convidar/comunicar à comunidade a apresentação da fotonovela. Enquanto eu acompanhava os outros grupos, solicitei a Jéssica que acompanhasse esse grupo em especial, explicando os gêneros que eles poderiam usar para a atividade, suas características.

O segundo grupo, comandado por Yasmim, ficou responsável pela abertura: a fala dos diretores e a apresentação de dança. Hanna não quis, apesar do apelo dos colegas, participar da abertura cantando. E Lara manifestou a timidez em falar em público. Discutimos como seria essa fala, o que eles (em especial os diretores) achariam importante contar para a plateia sobre o trabalho. Marco Aurélio fez um planejamento de fala que daria conta do objetivo, e tentou convencer Lara e Jacqueline de que a tarefa seria fácil. Ficaram ensaiando a fala por um tempo, os três juntos.

Alunos do LM vão assistir às fotonovelas dos alunos do Portinari

Desenvolvi o mesmo projeto em 2015 com minhas turmas de 8º ano da rede particular. No Portinari, o projeto acaba tomando um tamanho maior, pois, além de serem 4 turmas, o espaço físico da escola – um auditório com 209 assentos – permite o envolvimento de toda a comunidade.

91 Levei 10 entradas do evento do Portinari para distribuir aos alunos do LM. Seriam dois dias de apresentação. Perguntei quem gostaria de ir. Quase todos se empolgaram. Pegaram todos os ingressos em minhas mãos e expliquei que seria interessante que todos que pegaram os ingressos fossem realmente, pois, além de o evento ser concorrido, seria oportuno que eles percebessem outras opções para organizarmos a nossa apresentação.

Por conta da dificuldade de deslocamento, três alunas confirmaram a ida ao Portinari, mas apenas duas foram, Karolayne e Yasmin. Encontramo-nos no auditório do colégio, fiz questão de apresentá-las a diversos alunos, que as receberam gentilmente, agradecendo a presença.

No dia 1º de outubro, em sala, as duas contaram a ida ao Portinari aos colegas. Elas se mostraram muito animadas com essa experiência cultural e, ao compararem a fotonovela da turma com as apresentadas no Portinari, contaram que estavam orgulhosas do próprio trabalho, pois, segundo a avaliação de Karolayne, “a nossa fotonovela não deve nada a dos meninos do Portinari”. Fiquei muito feliz com essa observação, pois sei que momentos como esse ajudam a construir, nos alunos da rede pública, a certeza de que, apesar das adversidades, eles são capazes de se inserir nessa sociedade com sucesso, almejando ocupar lugares que hão de escolher de forma a fazerem o que gostam.

Retomamos o planejamento da apresentação da fotonovela. As apresentações que Karolayne e Yasmin assistiram subsidiaram o planejamento deles, que decidiram fazer a abertura do evento com uma apresentação de dança – como aconteceu na escola particular – para a apresentação do trabalho no LM.

Karolayne sugeriu que convidássemos os alunos do Portinari a vir ao LM assistir à fotonovela. A turma gostou da sugestão. Consultei a diretora do LM e, depois de seu consentimento, perguntei à coordenação do Portinari se poderia concretizar o convite nas salas. O Portinari autorizou que o convite fosse feito.

5.2 A apresentação

A data acordada para a culminância do projeto foi 05 de novembro. A turma estava muito ansiosa para esse momento, orgulhosa do trabalho produzido. Por conta de problemas pessoais, morte de uma pessoa da família, eu precisei alterar a data da apresentação do trabalho, avisando às escolas, na manhã do dia programado, e aos alunos através do grupo de Whatsapp. A apresentação foi remarcada para o dia 12 de novembro.

92 Para o evento, o pátio da escola foi lavado. Arrumou-se, nesse espaço, todo o material necessário: telão, retroprojetor, microfone, caixa de som, e mais de 100 cadeiras. Deixamos o material todo pronto: computador com o vídeo “engatilhado”, música da dança “no ponto”.

Faltando 15 minutos para a apresentação, os alunos de todas as salas do vespertino desceram e foram se organizando no espaço. Alguns sentados nas cadeiras, outros foram sentando no chão, outros, ainda, se acomodaram nas escadas. Apenas dois alunos do Portinari, acompanhados de suas mães, puderam prestigiar o evento no LM. O dia 12 coincidiu com a semana de avaliações finais da escola particular, o que atrapalhou que os alunos pudessem vir em maior número.

Yasmin trouxe seus companheiros da companhia de dança. A apresentação do grupo foi muito aplaudida, e conferiu à abertura a atmosfera desejada. A seguir, Marco Aurélio, Lara e Jacqueline deveriam falar sobre a fotonovela. Novamente, quem falou com mais desenvoltura foi Marco. Lara e Jacqueline praticamente não falaram nada.

A apresentação da fotonovela foi um sucesso. Os alunos aplaudiram bastante e a turma ficou muito orgulhosa. Ao final, Lara agradeceu a presença de todos e me prestou uma homenagem, entregando-me flores e chocolate em nome do grupo. Apresentei os alunos do Portinari a Lara, Jacqueline e Marco Aurélio, e eles ficaram conversando um pouco. Meus alunos da escola particular contaram que gostaram bastante do que viram. Uma delas também tinha sido diretora-geral, e conversou com Lara sobre a dificuldade que é ter tanta responsabilidade. Outro aluno foi o editor, e contou que gostou bastante das fotografias e da seleção de músicas do trabalho.

A satisfação do grupo frente ao sucesso da apresentação, com os comentários positivos dos alunos da outra escola e dos alunos das outras turmas da própria escola era visível. Meus alunos sentiram-se empoderados, capazes. Todo esforço foi recompensado e, acredito, o sucesso do projeto contribuirá na construção, por parte dos alunos do 8º ano C, de uma relação mais saudável com o conhecimento, com a administração da própria vida.

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6. Avaliação do projeto

Ainda vivemos uma realidade escolar que, ao final de cada unidade, nos cobra a “mensuração” do desenvolvimento dos alunos através de notas. Por conta dessa tradição que nos engessa, precisamos construir critérios para uma avaliação capazes de serem revertidos em valores de 0,0 a 10.

Tenho por prática discutir com os alunos, ainda durante o desenvolvimento dos projetos, os critérios para a sua avaliação. Essa discussão acontece com a contextualização de todas as atividades. Algo como: Qual é o nosso objetivo ao produzir esses textos? Quem é o nosso interlocutor? Que linguagem é adequada para esse fim? Que estratégias eu posso usar para atingir esse objetivo? Às vezes os alunos começam o trabalho com tanta animação que perdem de vista esses referenciais, e é importante que eles sejam, ao longo das atividades, relembrados, para que os problemas e desafios que se apresentam sejam encaminhados da melhor maneira.

Acredito no valor da autoavaliação, principalmente em projetos de grupo que demandam atitudes de colaboração e empenho de equipe, uma habilidade tão importante para a sociedade que precisamos construir: colaborativa. Porém há uma parte da avaliação que nos pertence, que pertence ao professor especialista, como, por exemplo, avaliar as competências específicas que dizem respeitos às habilidades de construção de significado, verificando os textos produzidos, as adequações aos contextos, a opção feita pelas variantes linguísticas adequadas ao contexto sociocultural, e, por vezes, o domínio da norma padrão, necessária para garantir a inserção de nossos alunos em todos os lugares sociais que eles pretendam.

Conforme fora combinado com a coordenação, a turma não participaria da semana de provas finais, pois o projeto representaria a avaliação da 4ª unidade, valendo 10.

A fim de “mensurar” os resultados, estipulamos a culminância do projeto, a apresentação da fotonovela à comunidade escolar, como o “resultado” a ser avaliado. Dividimos a avaliação em três áreas: propaganda, abertura e

fotonovela.

Que valor conferir a cada área, num total de 10 pontos? Primeira proposta, sugerida por Jacqueline: 2,5 para propaganda; 2,5 para abertura; 5,0 para a fotonovela. Coloquei no quadro a proposta e levantei o questionamento: a propaganda deve valer o mesmo que a abertura? Lembramo-nos das discussões feitas até então para planejar esse evento (faltavam ainda cerca de 20 dias), e Yasmin, sugeriu a segunda proposta: propaganda 2,0; abertura 3,0;

94 Coloquei a proposta no quadro e perguntei: somando o trabalho com a

propaganda e com a abertura, podemos chegar perto do trabalho com a

produção da fotonovela? Todos concordaram que não, afinal levamos todas as unidades letivas produzindo a fotonovela, ela era o “centro” do trabalho, tudo girava em torno dela. Proposta de Isaac: propaganda 1,5; abertura 2,5;

fotonovela 6,0. Não houve tempo para discutir essa proposta, pois Lara falou

alto para o grupo: “A fotonovela deve valer 7,0”. E assim chegamos à quarta proposta, aplaudida por todos: propaganda 1,5; abertura 1,5; fotonovela 7,0. Por mais que eu achasse que a abertura deveria valer mais que a propaganda, pois envolvia mais elementos, essa foi a opção de distribuição de pontos acordada.

Perguntando sobre o planejamento da propaganda, informaram-me que fariam dois cartazes para afixar na escola. Em plena era digital, de redes sociais, disse-lhes que era pouco. Discutimos várias possibilidades: convites impressos para serem distribuídos nas outras salas, criação de uma página no

Facebook, confecção de um cartaz a ser postado na timeline de redes sociais e

compartilhada, entre outros.

Por fim, acertamos que, para não produzir muito material impresso, o que significaria gasto de dinheiro e de material, a propaganda aconteceria com a confecção de dois cartazes (0,5 ponto), uma visita às salas – quando os diretores do projeto convidariam os outros alunos do vespertino (0,5 ponto) e a divulgação de uma propaganda em uma rede social na timeline de todos os contatos de todos os alunos da sala (0,5 ponto). Isaac, responsável pelo grupo de propaganda, ficou encarregado, também, de convidar o fotógrafo Paulo Lima, via Facebook, a vir assistir à culminância do projeto.

Critérios para avaliação do material produzido pelo grupo de

propaganda: criatividade e adequação ao gênero.

Sobre a abertura: Avaliaríamos a fala (adequação da linguagem e conteúdo) dos apresentadores e a apresentação de dança (escolha da música e coreografia).

Critérios para a avaliação da fotonovela: adequação ao gênero, linguagem, fotografia e sonoplastia.

A fotografia apresentada a seguir mostra o quadro da sala de aula, com o registro das discussões sobre distribuição das notas e critérios.

95 Figura 17 – Propostas discutidas em sala, construídas pelo grupo.

Fonte: Acervo digital da professora Anna, 2015.

Estabelecidos os critérios, ficou claro que eu, na condição de professora, atribuiria as notas, de 0 a 10. A nota final seria submetida à apreciação da turma que, com base na produção de cada aluno, permitiria que construíssemos as notas individuais.

Dia 12 de novembro aconteceu a culminância do projeto. Dias depois, quando voltamos à sala de aula, depois de muitos comentários dos alunos sobre a repercussão do trabalho, direcionamos a aula à avaliação.

Esse momento foi tranquilo. Eu avaliei o projeto, apontando qualidades na construção da narrativa, a adequação aos gêneros produzidos, o sucesso no que se referia à execução de quase tudo que havia sido programado. Só um item não fora alcançado: a propaganda no Facebook, o que significou, de acordo com o planejado, 0,5 ponto de decréscimo. Nota final do projeto: 9,5. A seguir fizemos a avaliação de cada aluno, com a apreciação dos diretores, que diziam o que de fato o colega tinha feito para contribuir com o sucesso do trabalho, e o próprio aluno avaliava a sua produção. A nota final era a média aritmética da nota dada pelos diretores e pelo aluno. O processo avaliativo ao se restringiu ao olhar dos alunos, mas, dessa forma, com o diálogo estabelecido entre eles, acredito que tenhamos promovido reflexões que os prepararão para desafios futuros.

Ao longo desses mais de 20 anos de sala de aula, desenvolvi vários projetos de letramento. Alguns foram criados por mim, outros eu encontrei nas escolas em que trabalhava. Todos eles, ao longo das execuções, são adaptados, reelaborados. Como dito anteriormente, o próprio projeto

Fotonovela Digital já recebera outros nomes.

Avalio a execução do projeto Fotonovela Digital em 2015 positivamente. Não apenas porque o vídeo produzido foi bem avaliado pelos seus autores.

96 Mas principalmente pela satisfação da turma frente ao resultado. Isso é, ao meu ver, o melhor resultado do projeto. Para além das habilidades relacionadas às práticas de produção de leitura e produção de texto, destaco o empoderamento dos alunos, que se percebem competentes e capazes. A satisfação por se perceberem responsáveis pela produção é importantíssima.

A educação que pretendemos não pode partir do princípio de que ensinar uma língua é, basicamente, habilitar os alunos a ler a escrever, a interagir no mundo, até porque isso eles já fazem. Muito além disso, o que se pretende é que o aluno perceba-se como autor de sua própria história, responsável pelo produção do texto de sua vida.

Hoje, ao escrever e, novamente, analisar tudo o que aconteceu durante o desenvolvimento do projeto, tenho vontade de voltar no tempo e rever a avaliação fracionada do trabalho. Acredito que um projeto de letramento não deveria se submeter aos padrões escolares, pois ele implica em uma outra perspectiva de trabalho, que demandaria outra forma de avaliação. Gostaria de volta no tempo e dar nota máxima a todos os alunos.

Quando estamos muito tempo em sala de aula, deixamos de problematizar alguns de nossos procedimentos. E isso é ruim. Eu acreditava que eu já tivesse desenvolvido um ouvido atento às demandas de meus alunos. Afinal, percebo constantemente que aprendo muito com eles. Embora a consciência de que preciso aprender mais seja uma característica minha, assustei-me ao perceber que, em alguns momentos, tenho atitudes contrárias a essa prática, como foi o caso da avaliação do projeto, em que não me permiti a rebeldia da quebra dos paradigmas escolares. Preciso aprender mais. Não posso me permitir achar, que em algum momento, eu já posso prever todas as demandas, todas as necessidades. As mudanças de paradigmas, hoje, acontecem em uma velocidade cada vez maior. Precisamos manter o diálogo com nossos alunos, no sentido “freiriano”, para não corrermos o risco de não realizarmos, de fato, a nossa mais importante tarefa, que é colocar o educando no centro das nossas propostas.

Muitos alunos do 8º ano de 2015 permaneceram meus alunos no 9º ano em 2016. Principiaram o ano de 2016 querendo, ainda, desenvolver o projeto. Não queriam falar sobre mais nada. Por isso, várias possibilidades de continuidade ao projeto foram discutidas: apresentá-lo em outras escolas, acrescentando textos didáticos sobre bullying, com palestra apresentada pelos alunos, entrega de material impresso, sob o formato de “cartilha”, ensinando aos alunos reconhecer essa prática de discriminação, e propondo estratégias para combatê-la, principalmente, dentro dos muros da escola.

Ao planejarmos ações, aproveitei para perguntar-lhes sobre a validade da construção de um projeto, e registrei as respostas para apresentá-las aqui. São elas:

97  “Projeto é bom porque integra a turma toda. Antigamente a gente não

era assim, todo mundo falando com todo mundo.”

 “Projeto é bom porque a gente depois mostra pra todo mundo o que fez.”

 “Projeto é bom porque dá vontade de vir para a escola. De encontrar os amigos.”

 “Projeto é bom porque a gente sai da escola, vai para outros lugares, faz coisas diferentes.”

 “Projeto é bom porque é a gente que faz, que escolhe, que decide.”  “Projeto é bom porque a gente aprende fazendo. E todo mundo faz

alguma coisa que ajuda o grupo.”

As respostas dos alunos vão ao encontro do modelo de educação proposto por Paulo Freire. A formação do aluno, construída a partir do diálogo, pretende que ele se que configure sujeito de suas ações, inserido de forma consciente na sociedade. Ao ampliar a sua competência leitora, os alunos vão fortalecendo a sua condição de ler criticamente o mundo, o que é necessário para que eles sejam os agentes da mudança, da construção de uma sociedade mais justa e feliz. É preciso promover o autoconhecimento, para que sejamos capazes de planejar as mudanças necessárias, para que não nos submetamos à opressão do sistema.

E as respostas também mostram que a proposta de Ângela Kleiman pela reorganização das aulas de Língua Portuguesa, trazendo para o centro do planejamento as práticas sociais, e não conteúdos desarticulados das reais necessidades dos alunos, os projetos de letramento, assim como o exposto neste trabalho, promovem a construção do conhecimento no sentido mais amplo, com a interação do sujeito com o outro, com a comunidade, participando, com vistas à construção da autonomia e da autoria, da vida.

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7. Ponto de chegada

Depois, mal o sol acabou de nascer, o homem e a mulher foram pintar na proa do barco, de um lado e do outro, em letras brancas, o nome que ainda faltava dar à caravela. Pela hora do meio-dia, com a maré, A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma.

José Saramago Nós, professoras e professores, buscamos, como “o homem que queria um barco” e “a mulher da limpeza”, o transporte para a nossa viagem. Buscamos novos encaminhamentos pedagógicos que favoreçam a construção significativa do conhecimento por nossos alunos. Poderíamos ter ficado no palácio, limpando, costurando, abrindo e fechando portas. Seria tão fácil continuar executando essas tarefas repetitivas. Poderíamos ter desistido de conseguir um barco, porque, afinal, dizem que já não há mais ilhas desconhecidas. E continuaríamos ignorando todos os estudos produzidos pelos professores pesquisadores, todas as teorias sobre língua, linguagem, discurso e construção de sentidos, letramento e projetos, dialogia, identidade e variações linguísticas, afinal, há uma língua normatizada, sistematizada, reguladora, modelar, que pode apagar todas as outras variantes.

Mas fomos6 persistentes e exigimos o barco. Não queríamos ficar no mesmo lugar. Retornamos à universidade e voltamos a estudar.

O rei, para não gastar tempo com as nossas reivindicações, ordenou que nos entregassem nada além de uma caravela velha. Gostamos da velha embarcação, foi amor à primeira vista e, pelo gostar, ela se tornou verdadeiramente nossa. E nossas salas de aula são assim: simples, antigas e apaixonantes.

Como convocar a tripulação? Como convencer outras pessoas de que podemos procurar ilhas desconhecidas? Essa é a tarefa mais fácil: nossos alunos querem achar essas ilhas. Não lhes interessa o limite do estabelecido.

Como lançar nosso barco ao mar? Ler mapas, manusear bússolas e sextantes são linguagens que se aprendem na prática, assim como qualquer linguagem. Os projetos de letramento são as cartas de navegação. A

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