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Primeira produção de texto

4. A execução do projeto em 2015

4.2 Primeira produção de texto

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Fonte: Acervo digital da professora Anna, 2015.

O texto de Jacqueline apresenta alguns problemas, mas uma grande qualidade: uma proposta de autoria. O fato de só uma aluna produzir o texto solicitado deixa claro que a turma ainda não se colocava no lugar de autor, os alunos ainda estavam muito dependentes, de alguma forma, do texto do outro. Por isso, o que eles apresentaram foram cópias, o que reforça a necessidade de um maior investimento no incentivo da produção de texto. A turma precisa ganhar confiança para escrever.

Analisamos o texto de Jacqueline, apontando qualidades e problemas que demandariam alterações na redação.

O texto começa com um diálogo entre uma mãe e uma filha. A mãe sugere que, antes de irem embora (para onde?), a filha peça a avó para lhe contar uma história. Quando a avó pergunta “que história você quer?”, parece que a neta já conhecia a narrativa, pois ela responde “a do Curupira”. E a avó segue contando sobre amigos que saem para rever uma amiga, de carro, tomando a precaução de encher o tanque do automóvel, o que nos dá a entender que o deslocamento não seria pequeno. No entanto, apesar de os amigos terem tomado a providência de abastecer o carro, eles param em uma estrada de terra (perdidos em meio à caatinga), sem combustível, à noite, e com muita fome. Não deixa de ser engraçado o fato de essas pessoas estarem com tanta fome a ponto de se aventurarem no meio de uma mata, às escuras, com um canivete na mão para procurarem comida. Essa, na verdade, foi a estratégia usada por Jacqueline para criar a situação em que o Curupira (protetor da floresta e dos animais) apareceria em cena. Verifica-se que Jacqueline seguiu o combinado feito em sala, pesquisou sobre a lenda, o que fica claro quando ela coloca, na narrativa, a presença do vento forte e do assobio, ações típicas do Curupira. Para evitar que as personagens caçassem um tatu, o Curupira aparece e libera o grupo, depois que prometessem nunca mais tentar matar um animal. O final do texto é surpreendente, pois deixa

58 dúvidas sobre como o carro, sem combustível, funcionou e foi capaz de tirar os amigos da mata.

Conversamos sobre o texto, propusemos soluções para resolver alguns problemas e discutimos a possibilidade de usá-lo para o projeto, mas o grupo não quis prosseguir com o texto de Jacqueline, julgando-o “chato”.

4.3 “Chapeuzinho Vermelho” em diálogo

Voltamos a discutir o tema do projeto. Lara citou uma série de tevê americana que a turma toda conhecia, gostava e costumava assistir chamada

Once upon a time. A série apresenta adaptações contemporâneas aos contos

de fadas.

A partir dessa ideia de Lara, relembramos as primeiras aulas de produção de leitura do ano, quando discutimos não necessariamente contos de fadas, mas histórias infantis, como o texto Chapeuzinho Vermelho e outras versões, como Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque, e Chapeuzinho Verde, de Augusta Faro. E por que não fazer uma adaptação de Chapeuzinho Vermelho para os dias de hoje, para Salvador, Boca do Rio, Luíza Mahim? Começamos a brincar com a ideia. Chapeuzinho Vermelho poderia ser uma menina muito tímida, tão tímida que ficava vermelha toda vez que alguém falava com ela, e daí o apelido. O lobo mau poderia ser um menino com fama de bad boy.

Jacqueline trouxe para dividir com a turma uma pesquisa sobre a lenda do Guaraná. Defendeu a produção de um roteiro para o projeto a partir dessa lenda. A lenda foi lida para a turma e colocamos em votação: manter a ideia da adaptação de Chapeuzinho Vermelho ou acatar a sugestão de Jacqueline. Por unanimidade venceu a proposta de adaptação de Chapeuzinho Vermelho (nem Jacqueline votou na proposta dela).

Ficamos discutindo oralmente as possibilidades de diálogo entre o texto a ser produzido e a versão mais conhecida da história infantil. Como deixar claro que o menino, com fama de bad boy, seria o lobo mau da história? Hanna sugeriu o menino ter uma tatuagem do animal no braço. Quem seria o caçador? O papel do caçador existe como um representante do universo adulto que socorre a criança, desobediente, em apuros. A sugestão de Jacqueline foi a de que o caçador poderia ser o Ronivon, o professor de História da escola. Os meninos, em especial, se divertiram com essa ideia. “Mas ele é baixinho e feio, pró. Os heróis são altos e bonitos!” E a vovozinha? Pensaram logo na aluna Jacqueline. Riram, porque fizeram uma relação com o fato de Jacqueline vender chocolate aos colegas e a vovozinha receberia doces de sua neta.

59 Uma vez decididos os parâmetros basilares da narrativa, foram eleitos os redatores do projeto: Lara, Jacqueline, Karolayne, Hanna e Marco Aurélio. A escolha dos redatores deu-se pela identificação das alunas que “escrevem bem” (Lara e Hanna) e dos alunos que são “criativos” (Karolayne e Marco Aurélio).

Figura 4 – Grupo de redatores trabalhando.

Fonte: Acervo digital da professora Anna, 2015.

O grupo passou a se reunir durante o horário de aula para produzir a primeira versão do texto da fotonovela, enquanto a aula seguia com atividades variadas para o restante do grupo. Nesse momento, criaram o grupo no Whatsapp para a Fotonovela, e eu fui adicionada a ele.

Fonte: Acervo digital da professora Anna, 2015.

60 Para encaminhamento dos trabalhos, foram distribuídas as demais funções da seguinte forma:

1. Desenhistas: Jacqueline e Rodrigo 2. Atores:

- Mary Red: Hanna - Lobão: Marco Aurélio - Raquel: Ana Beatriz - Paula: Karolayne - Caio: Rodrigo

- Professor: Ronivon ou Ednélson

- Figurantes: Lucas, Marlon, Ana Paula, Isaac, Luciano, Romildo, Yasmim

3. Figurinista: Ana Beatriz

4. Maquiadores: Ana Beatriz e Jacqueline 5. Cenógrafos: Lucas

6. Fotógrafo: Jacqueline

Normalmente, durante a execução do projeto, fazem-se testes de elenco, vários alunos costumam “disputar” um papel. No caso da turma do LM, os testes não foram feitos, pois a turma é pequena e, em princípio, todos deveriam participar das cenas. A equipe de pós-produção (arte-final) ficou de ser escolhida depois. Jacqueline, além de ser diretora de arte, redatora, desenhista e maquiadora, quis ser fotógrafa. O tempo todo trazia novas propostas. Sua participação era bastante alegre e ela vinha adquirindo mais confiança em expor suas ideias. Se antes ela esperava a indicação dos colegas para assumir alguma função, agora ela já se candidata. Isaac ainda tinha uma participação pequena, meio avesso ao projeto, como se não o reconhecesse como válido. Por vezes fez menção a estar acostumado a um modelo de aula expositiva. Aos poucos, está participando mais, mas como sempre aponta uma crítica, suas observações não são muito bem recebidas pelas meninas, em especial por Karolayne. Marco Aurélio tem participado bastante e, ao contrário dos anos anteriores, tem ajudado bastante o grupo. Havia um grupo de meninos que não participava ativamente da aula: Rodrigo, Lucas e Marlon. Quietos, acompanhavam as discussões, mas não se manifestavam.

Na 13ª semana de aulas, pedi que o grupo de redatores me mostrasse o que já tinham produzido.

O grupo estava digitando o texto no celular de Lara e eu li a história, na tela do celular, para toda a turma, e fiz alguns comentários, pois a personagem principal, Mary Red, tinha comportamentos incoerentes. Ela não conhecia o

61 Lobão, mas queria ficar3 com ele (só eu vi incoerência nesse ato, pois, para os alunos, isso é normal: a aparência física da pessoa justifica o “querer ficar”). A história não tinha introdução. Perguntei aos redatores como eles imaginavam a conclusão, e me disseram que não tinham a mínima ideia. Karolayne defendia que “iam escrevendo e resolvendo o que ia acontecer”.

Antes de o grupo de redatores prosseguir com a adaptação de Chapeuzinho Vermelho, eu parei a aula para trabalhar o texto “A moça tecelã”, a fim de retomar aspectos discursivo-lexicais que já havíamos estudado.

4.3.1 “A moça tecelã” em cena: modelo de estrutura narrativa

Apesar de eu ter conversado com o grupo de redatores a fim de retomar aspectos importantes para a produção da narrativa escrita, eu decidi preparar uma aula com esse conteúdo para toda a turma. O problema enfrentado pelos redatores não era exclusivo dos alunos que pertenciam a esse grupo, era comum à sala toda. Sei que o conhecimento não se constrói apenas com umas poucas aulas, mas é preciso apresentar mais modelos de narrativas aos alunos. A proposta de produção textual a partir da reescrita de uma lenda, com a maioria da turma apresentando cópias de textos, fugindo do desafio da produção autoral, me fez pressupor que ainda faltavam conhecimentos mais sólidos para toda a turma.

Procurei em meus arquivos um texto com estrutura modelar, com introdução, desenvolvimento, clímax e conclusão para trabalhar com a turma. Queria um texto que tivesse uma introdução bem prototípica: apresentação da personagem principal, descrição de sua rotina (com verbos no pretérito imperfeito do indicativo), tempo e espaço. Depois da introdução, o surgimento de um problema que fizesse a história “acontecer”, com desenvolvimento, clímax, o ponto mais importante e definidor do texto, e conclusão. Lembrei-me do texto “A moça tecelã”, de Marina Colasanti, o qual costumo trabalhar com meus alunos de oitavo ano da rede particular. Gosto muito desse texto, pois, além de ter uma estrutura clara para mostrar aos alunos, tem uma mensagem bastante atual: a defesa da ideia de que a mulher é a responsável pela sua vida, pelas suas escolhas. Ainda que embrionária, achei importante trazer uma discussão sobre gênero.

Trabalhei o texto com a turma. A discussão foi muito boa. Comecei explicando o que é um tear. Como se faz um bordado. Antes de introduzir o texto, disse que talvez fosse difícil para eles a identificação da mensagem do

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Para os jovens de hoje, antes do namoro há a fase do “ficar”, que significa trocar beijos e abraços sem nenhum compromisso.

62 texto. Falei isso mais como um estímulo, a fim de que se sentissem desafiados, que prestassem mais atenção.

Fiz uma leitura sem interrupções do texto, do início ao fim. Depois fui relendo, trecho a trecho, atribuindo sentido. Eles participaram bastante. Será que foi “azar” da moça tecelã a chegada de um marido tão apegado a bens materiais? Não. Ela o bordou com sapatos engraxados, peito aprumado, barba e chapéu com pluma. Se quisesse um marido simples, teria bordado um homem simples. A moça tecelã realizou os desejos do marido até que ponto? Até o ponto em que assim desejou. Quando não quis mais, desteceu tudo. A discussão sobre a mensagem do texto, com o reconhecimento da defesa de ponto de vista feminista foi, por mim, conduzida.

Hoje, depois de colocar-me na condição de pesquisadora de minhas ações, percebo que por mais que esse modelo de aula costume funcionar para que os alunos percebam os detalhes da escrita, não colaborou muito na construção da autonomia dos meus alunos, pois eu era a leitora do texto, colocando-os na condição de ouvintes que, quando muito, colaboravam com a minha leitura. Entendo que preciso mudar essa prática, estando mais atenta para não ser a única leitora, o que prejudica a tão desejada construção da autonomia dos alunos, passo necessário para a construção da autoria.

Agora me pergunto qual seria a leitura deles do texto de Colasanti. Percebo que, por mais que em muitos momentos eu consiga estabelecer o diálogo na sala, em outros, falho, negando possibilidades importantes para entender os meus alunos, a sua visão de mundo. Se eu não os entender, falharei na interpretação de suas ações e, consequentemente, necessidades.

Depois do trabalho com o texto de Marina Colasanti e da explicação sobre gêneros textuais e narrativas ficcionais, retomei a pergunta: qual o objetivo do texto de vocês? Estão lembrados que a proposta de vocês inclui um diálogo com o texto Chapeuzinho Vermelho? Então a tarefa de produção do roteiro foi retomada, os redatores ficaram com a tarefa de trazer propostas para apresentar à turma.

Na semana seguinte, as redatoras pediram para dividir com a turma uma proposta de intencionalidade para o texto: combater o bullying. Todos aprovaram a ideia e as redatoras retomaram o trabalho.

Na décima quarta semana de aula, as redatoras apresentaram a primeira versão do texto. Porque produziram o roteiro no celular de Lara, foram ditando a história para mim, que a transcrevi com o meu computador conectado ao projetor, o que permitiu que todos visualizassem.

A turma gostou bastante da proposta de combater o bullying. Muitos alunos contaram vários episódios em que se sentiram vítimas de colegas, com

63 “brincadeiras” nada engraçadas. Os depoimentos foram também momentos de desabafo, em que se discutiu se o “riso” da pessoa que era “ridicularizada” significava consentimento, falta de sofrimento ou, ainda, falta de opção (coragem para impedir a agressão).

Um aspecto positivo dessas discussões todas foi o fortalecimento do grupo de redatores que, agora, se sentia em condições de fazer o roteiro.

4.4 Produzindo o roteiro: escrever, analisar, refletir e reescrever

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