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O caso das versões impressas e o domínio da notícia online

No dia 27 de setembro de 2019 veio a confirmação do que fora anunciado com destaque pela mídia sul-mato-grossense naquela semana: o fim da circulação da versão impressa de O

Progresso. A última edição teve na manchete principal, rasgando seis colunas do jornal, o

sentimento de gratidão expressado pela família Torres aos leitores. “OBRIGADO LEITOR! 13.595 edições escrevendo histórias”. A manchete foi apoiada por uma foto na primeira dobra do jornal rasgando as mesmas seis colunas, de Adiles do Amaral Torres com a família, jornalistas, funcionários e colaboradores da empresa, que encerrava suas atividades parando as máquinas de impressão.

Ainda, na primeira página (Figura 24), um grande anúncio da versão digital, com a cercadura de um smartphone, apareceu na dobra de baixo do jornal: “Nossa história não termina aqui”. O papel se despede e dá boas-vindas ao Progresso Digital. “Acesse www.progresso.com.br”. Abaixo, anúncios de algumas marcas parceiras como o Dourados

141 Dourados Agora, edição do dia 24.09.2019. https://www.douradosagora.com.br/noticias/dourados/jornal-o-

Agora, Sicred, Saad Lorensini, Unimed, e Taurus. Ao lado do anúncio de O Progresso Digital,

um texto de agradecimento aos leitores que acompanharam a trajetória do jornal:

O jornal O Progresso, criado por Weimar Gonçalves Torres, aos 21 de abril de 1951, tem na filosofia “Pensamento e Ação por uma vida melhor”, a diretriz norteada do seu editorial. Após 68 anos, a história e os trabalhos jornalísticos serão concentrados no Progresso Digital – www.progresso.com.br. “Quero agradecer do fundo do meu coração os nossos leitores e anunciantes que estiveram conosco durante todos esses anos e dizer que a marca permanece viva através do Progresso Digital”, explica a diretora-presidente Adiles do Amaral Torres (O PROGRESSO, 2019) 142.

Além do editorial, colunistas e vários anunciantes aproveitaram para agradecer e se despedir do seu público, numa edição carregada do sentimento de nostalgia.

Figura 24: Capa da última Edição impressa de O Progresso (27.09.2019.

Fonte: Jornal O Progresso Edição nº13.595.

O editorial intitulado “Marcas do PROGRESSO” fez um retrospecto da trajetória do jornal, desde sua instalação no início da década de 1950, por Weimar Gonçalves Torres, em Dourados, ressaltando o desafio de ter testemunhado as transformações da cidade e a vida política nos quase 70 anos de existência, bem como os momentos de dificuldade enfrentados pela empresa acarretados pelas mudanças tecnológicas. Destacou que, em quase sete décadas, “poucos fatos ficaram de fora das páginas impressas do jornal O Progresso. Além da função social de bem informar, esse periódico também serviu e continuará servindo de material paradidático, auxiliando na formação de milhares de pessoas” pelo uso do acervo digitalizado à disposição dos pesquisadores e do público em geral no CDR da UFGD, na Unidade 2. O editorial foi finalizado indicando a certeza de que a memória do jornal e da cidade estará preservada pela tecnologia.

Vale aqui ressaltar, que um dos segredos da longa existência do Jornal O PROGRESSO está nas lições aprendidas pelos exemplos de quem chegou em primeiro e mostrou que o caminho se constrói com caráter e honra, e que as pedras encontradas serviram para alicerçar o percurso. Com certeza a nossa história não termina aqui. Para isso, basta lembrar que pelas páginas desse veículo, algumas já amareladas pelo tempo, mas que serão imortalizadas pela tecnologia, muitas histórias, algumas dramáticas e outras de esperança, foram contadas e ficarão guardadas não só no pensamento dos leitores, como também nos corações das pessoas (O

PROGRESSO, 2019)143.

O editor-chefe do jornal, jornalista Vander Verão, cuja vida profissional se confunde com a história do jornal ao qual serviu durante quase meio século, escreveu um artigo na última edição. No início do texto, explicou ter entrado na empresa aos 13 anos de idade, em fevereiro de 1970. Foi trabalhar na tipografia, pois já tinha curso de datilografia, o que facilitava a compreensão do funcionamento de artefatos como componedor tipográfico, tipos móveis, paginação, impressão. O envolvimento com a pensa aguçou a imaginação do menino da vizinha Itaporã. Anos depois, ele presenciou a primeira mudança tecnológica do jornal, que passou a imprimir em linotipo, logo depois em offset. Depois o jornalista foi trabalhar na redação. (O

PROGRESSO, 2019).

De acordo com Verão, sua primeira experiência com texto foi editar um suplemento musical chamado Topic´s, que circulava aos sábados em O Progresso, entre 1977 e 1981, abrindo espaço para todos os gêneros musicais, principalmente o rock, sua área de interesse. Lembrou, ainda, que escrevia uma coluna sob o nome de Palafrém no Pascigo, mesmo título da coluna de encerramento do jornal, “que teve receptividade junto aos punks, esotéricos e

noctívagos daqueles tempos idos. Cavalo no pasto. Era, no pensamento, uma mistura de Jim Morrison, Arthur Rimbaud, Raul Seixas. Sei lá. Guavira”. Era um tempo da retomada do rock nacional com o surgimento de novas bandas, como Paralamas do Sucesso, Legião Urbana e Capital Inicial, entre tantas outras, que cantavam a descompressão política a partir dos ventos soprados pela abertura política, prenunciando a redemocratização. Nesse cenário de efervescência política e social que o Brasil respirava, Verão, com seu Topic´s, parecia contemplar todas as tribos. O jornalista afirmou ter contribuído para a divulgação do rock em Dourados, “e neste mesmo O Progresso que está partindo rumo à galeria dos jornais imortais, também mandei ver uma coluna política – Carrossel – que durou mais de 20 anos”, e foi encerrada com sua aposentadoria. Ao reconhecer que as novas tecnologias facilitaram o processo de feitura do jornalismo, o editor esclareceu:

Hoje, fazer jornal impresso é fácil, principalmente devido à informática. A internet mudou tudo. Ditas as regras. Não tem mais os “furos” de reportagem. Todo mundo faz a mesma coisa num imenso clichê de mesmice. Mas, isso faz parte da modernidade. Dos tempos. O que não volta mais é a saudosa Olivetti Lexicon 80, onde a gente “catava milhos” para alimentar a informação do dia a dia. [...] O progresso, na verdade, abriu, para mim, as portas da percepção.. e eu achava que todas as coisas, consequentemente, apareciam infinitas, inclusive o impresso. Ledo engano. Isso, só para parafrasear Huxley...Só que, toda a realidade, ficou impressa. No impresso. Despeço-me! (VERÃO, 2019 In: O PROGRESSO, 2019)144.

O jornalista Cícero Faria, editor da coluna diária Informe C, publicada há mais de 40 anos na 2ª página do jornal, usou seu espaço para se despedir do público no dia 27 de setembro de 2019. Com o título “Ninguém queria ler essa manchete”, referindo-se às manchetes estampadas na mídia douradense três dias antes, “O Progresso se despede da edição impressa na sexta-feira”, relatou que antes de editar a coluna, “tivemos a oportunidade de participar da Redação deste jornal em alguns períodos, mas foi com o Informe C que a nossa passagem se destacou. Foi bom enquanto durou” (FARIA, 2019)145.

A edição nº 13.595 que marcou o encerramento das atividades impressas de O Progresso foi composta por três cadernos e todas as sessões que normalmente o periódico publicava. O primeiro, com as notícias de política, economia e esportes, locais e nacionais; o segundo, Dia

a Dia com notícias de cultura, classificados e depoimentos de personalidades da cidade sobre a

despedida do veículo; o terceiro, com homenagens de instituições e órgãos oficiais ao jornal, além de colunas sociais.

Escrever a história não é tarefa das mais fáceis, principalmente quando não se é 144 Última edição impressa do jornal O Progresso do dia 27.09.2019.

historiador de ofício. A dificuldade se acentua quando se trata da história do tempo presente e a simultaneidade de ocorrência dos fatos não cessa. O calor das ações mistura-se aos olhares de quem pesquisa, tornando mais difícil o não envolvimento do pesquisador com o objeto. Mas a história é a ciência do homem no tempo, como ensinou Bloch (2001). Em que pese a recomendação constante da problematização do homem e do tempo, podemos perceber que a ação humana é constituída por rastros e vestígios ao longo do tempo e na construção da história. Ao tratarmos de transformações ocorridas no tempo presente, estamos cientes dos desafios que é criar possibilidades para outras pesquisas sobre processos convergentes tecnológicos.

A nós nos parece desafio maior relatar através das ferramentas da história as mudanças em curso, uma vez que no decurso desta tese as transformações ocorreram simultaneamente. Uma ocorrência de relevância envolvendo o objeto de estudo foi o encerramento da versão impressa de O Progresso. Também não se pode desmerecer que o jornalismo possibilita registrar, documentar, ainda que se refira ao próprio ato de noticiar, quando a notícia pode ter como matéria prima suas transformações proporcionadas pelas tecnologias. Além disso, devem-se considerar os impactos sociais causados pelas mudanças tecnológicas, como o fim de aproximadamente 50 vagas de emprego em decorrência do encerramento da versão impressa de O Progresso.

Por outro lado, a mesma tecnologia que reduz o campo de trabalho oferece outras opções no espectro das transformações. Foi esse processo tecnológico que possibilitou o retorno de O

Progresso, em versão digitalizada do antigo impresso, hospedada no endereço eletrônico de O Progresso Digital146, onde pode ser acessada pelo leitor. A configuração é praticamente a mesma do formato impresso, com a mesma logomarca, diagramação e tipologia. Mudou apenas o formato, em vez do antigo standard, o modelo de diagramação Germânico147. Assim, O

Progresso está de volta, antes de completar um mês de ausência do impresso. A diferença foi

que ao invés de atender a tendência das transformações tecnológicas, teve como proposta atender demandas afetivas, ainda que pelo mesmo suporte web, segundo a diretora Blanche Torres. (Figura 25).

146 www.progresso.com.br.

147 Germânico - um pouco mais alto que o tabloide, sua utilização vem crescendo em relação a outros formatos, se

tornando uma opção por ser um formato de baixo custo e grande aproveitamento de área de impressão em equipamentos offset plana. A mancha gráfica é de 43 por 29,7 centímetros, e a área total de papel de cada página fica com 46 por 32 centímetros de largura, contra os 52 por 32 centímetros do standard. A mancha gráfica ainda pode ocupar todo o papel, sem prejudicar a impressão. As indústrias de celulose dispõem de dezenas de alternativas de papel, que podem produzir um produto final das mais variadas qualidades. As alterações nos custos de impressão, quando se opta por um material alternativo, constituem grandes diferenças orçamentárias, desde que se respeite o total aproveitamento da área impressa. Disponível em: https://mimimidiando.wordpress.com/2014/10/01/jornal/. Acesso em: 20.10.2019.