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CAPÍTULO II – A CRÍTICA CINEMATOGRÁFICA

2.2 O CINEMA, O JORNALISMO CULTURAL E A CRÍTICA

Sobre cinema, Ballerini (2015) desenvolve a concepção que dentro do jornalismo cultural essa é a área mais coberta pelos jornalistas e requerida pelos leitores.

40 Ballerini (2015) revela a importância do cinema ao jornalismo pela sua grandiosa capacidade de obter recursos e conquistar espaço de destaque nos cadernos culturais. Com o cinema, não evidenciamos apenas uma revolução artística, ou social, mas a imprensa – em assuntos intrínsecos a sua produção de pautas – também se viu obrigada a transformações já que “o cinema foi o principal veículo de arte de massa, crescentemente influente nos anos 20, 30 e 40.” (PIZA, 2004, p. 43).

Mais recente que outras formas de arte, ainda hoje o cinema é o tema mais procurado dentro dos portais e outros produtos jornalísticos como podcasts e vídeos que abordam cultura. Ballerini (2015) reflete que isso ocorreu principalmente pela facilidade de acesso aos filmes em relação a outras expressões artísticas. Talvez isso sirva para nos questionarmos se hoje, com a presença até agressiva de vários serviços de streamings e seu engajamento com o público – considerando que esses apostam muito mais em seriados e programas televisivos em geral (mantendo o público que os consome mais cativo) – pode-se mudar essa realidade descrita pelo autor. Passando finalmente a Tv a liderar os espaços dos veículos de comunicação.

O cinema, desde a sua alvorada, influenciou diretamente o jornalismo cultural e assim a crítica especializada. Da mesma forma, após traçar um breve panorama histórico dentro da área, percebemos que o estilo crítico esteve presente entre grandes revoluções da área fílmica por todo o século XX.

Costa (2006) afirma que quando inventado, os aparelhos de projeção pouco se destacavam entre as diversas novidades tecnológicas que acabavam sendo utilizadas como arte ou ajudando as formas culturais a incorporar novidades aos seus produtos. Antes de se estabelecer dentro da indústria e da cultura de grande parte das pessoas do mundo, algo que foi visto principalmente da segunda década do século XX em diante, o cinema caminhava a passos curtos e ainda não havia encontrado seu espaço. Costa (2006) descreve uma série de mudanças que iam desde a produção de um filme até sua exibição.

Durante muito tempo, o cinema dos primeiros 20 anos foi considerado de pouco interesse para a história do cinema, como apenas um conjunto de desajeitadas tentativas de chegar a uma forma de narrativa intrínseca ao meio, que se estabeleceria depois. Nesse período, por estar misturado a outras formas de cultura, como o teatro, a lanterna mágica, o vaudevile e as atrações de feira, o cinema se encontraria num estágio preliminar de linguagem. (COSTA, 2006, p.22)

Martins (2006) explana sobre Louis Delluc, que é considerado o primeiro grande crítico cinematográfico da história, sendo referido também como inventor da atividade. Martins (2006) revela que o antes teatrólogo e romancista Delluc – assim como muitos

41 outros intelectuais, artistas e grande público – não gostava do cinema. Isso mudou ao longo dos anos e o escritor não parou mais de refletir sobre filmes em seus textos.

Como um bom crítico, Louis Delluc conseguia ser frio e trazer imparcialidade as opiniões dos filmes que ele criticava. Martins (2006) citando Ghali (1995) complementa que o autor francês optava sempre por originalidade nas histórias que via, principalmente cobrando isso do seu país.

Martins (2006) ainda traz a atuação determinante de Delluc como redator-chefe das revistas onde passou, dando cada vez mais espaço ao cinema e seus diretores e roteiristas, além de desejar sempre um cinema mais nacionalista, deixando isso claro nas suas análises. A linguagem crítica de Louis Delluc “não se valia do método de desmembrar um filme em sequências para abordá-lo nos mínimos detalhes. Sem a ambição de vir a ser "analista", procurava se deter no aspecto mais marcante de um filme ou grupo de filmes, construindo uma verdadeira história do cinema do seu tempo.” (MARTINS, 2006, p.97).

Para Martins (2006), a força do cinema é evidenciada a partir dessa mudança de chave iniciada por Louis Delluc. A rejeição ao novo entre as diferentes áreas é diluída e vemos a presença de cineclubes para conversa-se sobre cinema multiplicar, sobretudo nas grandes cidades. A ala artística destina espaço de exposições ao cinema e a crítica de cinema finalmente se estabelece nos jornais.

A imprensa inclusive ajudou a sedimentar as inovações técnicas que foram aprimorando o cinema muito rapidamente nos últimos anos do século 19 e no alvorecer do século 20 (BALLERINI, 2015, p. 134).

A influência das opiniões que vinham dos cadernos culturais foi cada vez mais tomando espaço nas produções fílmicas e marcando a história do cinema, prova disso é o surgimento dos filmes tidos como “noir”, vocábulo hoje sedimentado para abordar certo tipo de filmes onde se observam características específicas desde enredo à cinematografia. Mascarello (2006) explica que nunca existiu um movimento estabelecido para criar tal gênero como houve, por exemplo, no expressionismo alemão ou no cinema soviético dos anos 1920.

Essa alcunha atribuída a diversos filmes americanos surgido nos anos 1940, como Laura (1944) e Pacto de sangue (1944), surgiu, segundo Mascarello (2006), através da crítica francesa, já que diversos desses filmes eram baseados em uma coletânea de livros intitulada de “Série Noire”.

Frank e seus colegas Jean-Pierre Chartier (também em 1946) e Henri-François Rey (em 1948) frouxamente (e de forma contraditória) o empregaram para manifestar sua admiração diante dessas obras de tons escurecidos, temática e fotograficamente, surpreendentes em sua

42 representação crítica e fatalista da sociedade americana e na subversão à unidade e estabilidade típicas do classicismo de Hollywood. (MASCARELLO, 2006, p. 179).

Muitas vezes não há um consenso de como categorizar certos filmes que parecem possuir estilos cinematográficos bem semelhantes, por vezes existindo discussões sobre a taxação destinada por críticos a eles, como são os casos polêmicos do “New Western Movies” e “Pós Terror”. Isso acontece por que:

O ato de nomear um movimento, uma escola ou tendência artística costuma ser bastante arbitrário, coisa de momento, de uma primeira sensação que atende muito mais às conveniências espaço-temporais do trabalho da crítica. (TEIXEIRA, 2006, p. 268).

Outro grande momento da crítica cinematográfica em destaque na história do cinema ocorre com a revista francesa “Cahiers Du Cinéma”, nos anos 1960. Altman (2008) perpassa as mudanças ocorridas na linguagem crítica, se importando mais com ideias políticas e escolhas estéticas, com a chegada da Nouvelle Vague e do Neorrealismo italiano. A ideia, segundo Altman (2008) é de que um filme – para existir uma precisão maior de compreensão – requer do espectador uma formação mais ampla de análise e de conceitos envolvidos na película.

Manevy (2006) relembra que dois dos maiores expoentes da Nouvelle Vague, Truffaut e Godard, emprestaram seus talentos à crítica especializada, sempre buscando valorizar a montagem, o rigor em documentar/filmar realidades, e certa descontinuidade nas tramas. Sempre desejando uma ruptura dos paradigmas estabelecidos no cinema da época, a Nouvelle Vague

(...) foi um movimento de juventude, protagonizado por uma geração que começou a escrever e a fazer filmes quase adolescente, com a irresponsabilidade política dos "vinte e poucos anos", mas com um raro acúmulo cultural para jovens dessa idade. Embora esses jovens não tenham sido os primeiros diretores a advir, em bloco, da crítica cinematográfica, foram os primeiros a chegar impulsionados pela polêmica - e pelo ódio dos inimigos - deflagrada nessa atividade. (MANEVY, 2006, p. 222-223).

A crítica cinematográfica também influenciou diretamente outro movimento nos anos 1960, o Cinema Novo brasileiro. Com semelhanças bem próximas ao que aconteceu na França (Nouvelle Vague) e na Itália (Neorrealismo), Carvalho (2006) retrata como os autores do Cinema Novo – abrigando conhecimentos vindos dos cineclubes, da crítica e dos jornais culturais – trouxeram um cinema fugindo dos padrões narrativos de maior referência da época, ou seja, do cinema americano, possuindo – além da originalidade – tons bem mais viscerais que a tramas mais comerciais da época.

43 Ballerini (2015) reforça a importância da crítica cinematográfica na construção do movimento do Cinema Novo por existir uma concordância ideológica entre cineastas e autores, fazendo com que o crítico não exaltasse apenas o quanto um filme podia divertir seu público, mas conseguir extrair deles suas reflexões mais profundas e aproximá-las a ele, procurando as analogias existentes na obra com a sociedade da época. Além disso, assim como Truffaut e Godard, Glauber Rocha, talvez maior expoente do Cinema Novo, era também crítico cinematográfico.

Se tratando de Brasil, antes da presença do Cinema Novo e todas as suas novidades para o gênero no país, Ballerini (2015) relata que as primeiras revistas trazendo análises sobre cinema são datadas no final dos anos 1920, localizada primeiramente em Salvador. Ballerini (2015) esclarece que as primeiras décadas do jornalismo cultural se tratando de cinema exaltavam muito os grandes autores estrangeiros e sua importância para a evolução da arte – D. W. Griffith e Charlie Chaplin, por exemplo – e esbarravam em análises comparativas entre a qualidade da produção de um longa brasileiro com um filme de fora, sempre denegrindo os produtos do país.

Quando aparecia um grande filme brasileiro, ele era elevado ao status de qualidade internacional (BALLERINI, 2015, p.136).

Com a força do Cinema Novo se esvaindo, os cadernos culturais diminuem os espaços destinados às críticas mais profundas da época para se aterem nas agendas culturais, evento já visto no capítulo anterior. Ballerini (2015) relembra também que a produção do cinema brasileiro diminui bastante nas décadas de 1970 em diante, ganhando novamente força no fim da década de 1990. Isso fez com que a crítica retomasse um pouco do fôlego de outrora.

Em alguns momentos da história do século 20, o cinema foi capaz de fomentar discussões entre veículos da imprensa em torno de um mesmo filme. Embora isso hoje seja cada vez mais raro, era comum na época da Nouvelle Vague, na França dos anos 1960 e 1970, quando lançamentos franceses e internacionais se tornavam ponto de debates calorosos entre os críticos. No Brasil, algo semelhante ocorreu durante a retomada do cinema brasileiro, em 1995, quando a produção começava a sair do quase zero para algumas dezenas de filmes produzidos por ano. Também aconteceu no lançamento de Cidade de Deus (2002), levantando debates e pontos de discórdia entre jornalistas culturais de diversos veículos. (BALLERINI, 2015, p.138).

O problema identificado no princípio da crítica cinematográfica no Brasil por Ballerini (2015), que valorizava o cinema norte-americano, em destaque o cinema de Hollywood, em detrimento do nacional, permanece até hoje. Ballerini (2015) transcorre que isso não é exclusividade da imprensa cultural brasileira. A explicação mais simples

44 que encontramos a esse fenômeno é a força e imposição cultural do país com mais influência econômica e política do mundo.

Ballerini (2015) prossegue analisando que além das comparações no jeito de produzir cinema, as pautas sobre produções americanas sempre acabam recebendo primazia dentro das redações. Quando não é isso há “a importância atribuída a pautas com atores famosos, o que torna cada vez mais a cobertura cultural voltada para o entretenimento e a fofoca”. (BALLERINI, 2015, p. 134).

Os privilégios ao cinema americano, não só afetam o produto nacional mercadologicamente, mas como nos julgamentos críticos que se destina a esses, já que conforme afirma o produtor de filmes Bruno Wainer a Ballerini (2015), existe um olhar de rigor elevado contra o cinema nacional por parte da crítica especializada.

Crítico de cinema e também cineasta, assim como Glauber Rocha, Kleber Mendonça Filho, autor de O Som ao Redor (2012), Aquarius (2016) e Bacurau (2019), conclui a Ballerini (2015) que a força do cinema norte-americano afeta também os festivais de cinema de arte, como Cannes. Porém, o cineasta ainda nota que veículos nacionais ainda destacam o cinema de outros locais, como Irã, França e Romênia.

A cobertura de festivais menores e menos mercadológicos e de filmes de nichos mais fechados, embora pequena, ainda aparece em grandes portais de cultura no Brasil. Além do espaço dado, por vezes há uma cobrança para a chegada de mais variedade nos circuitos de cinema que não se limite aos filmes de Hollywood. Isso mostra o quanto os veículos de comunicação ainda podem ser influentes na promoção de uma gama maior de cultura e arte.

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