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CAPÍTULO III – O CASO ENTRE PLANOS

3.3 O VÍDEO ENSAIO

3.3 O VÍDEO ENSAIO

Depois da síntese inicial trabalhada no item acima, é notável que o canal EntrePlanos tenta explorar outras formas de falar das obras audiovisuais em comparação aos exemplos mais comuns que vemos na imprensa e nas mídias de comunicação em geral, seja as tradicionais ou os novos modelos, como o Youtube.

O formato encontrado pelo EntrePlanos para discutir seus temas ligados principalmente ao cinema tem poucos trabalhos semelhantes dentro do cenário nacional da plataforma de vídeos mais famosa bem como outras alternativas, como o Vimeo. Podemos citar dois exemplos encontrados, o canal “Elegante” e o canal “Gustavo Cruz”. Além de muitas vezes esses canais optarem por falar de filmes fora do circuito mercadológico do momento, eles também fazem vídeos onde ficamos imersos nas imagens editadas dos filmes enquanto há um narrador conduzindo seu raciocínio.

Esse estilo de vídeo do EntrePlanos, além de encontrar definição na crítica cinematográfica, já que através dele é possível levantar novas opiniões acerca de um filme, guiando o espectador a visões que possam ter passado despercebidas, são também definidos como vídeos ensaios.

Mas afinal, o que é de fato um vídeo ensaio? Primeiro, é preciso contextualizar que vídeo ensaio é uma derivação direta do ensaio. Barros e Santos (2019) relembram que os primeiros ensaios surgem através do filosofo e pensador francês Michel de Montaigne. O livro de Montaigne que possuía os primeiros ensaios se chamava “Essais” termo que deriva do verbo francês “Essayer” que, em tradução literal ao português, significa “tentar”. O ensaio de Montaigne possuía

(...) uma forte evidenciação do sujeito, articulando contribuições teóricas e literárias com experiências pessoais. O próprio termo ensaio nos remete, no francês, ao ato de tentar, de esboçar, aspectos que Lukács e Adorno observam com referência séculos depois, sobretudo o ato de investigar os objetos de uma forma profunda,

67 porém sem a pretensão de se chegar a uma verdade universal. (BARROS; SANTOS, 2019, p. 117-118)

Para Barros e Santos (2019), o ensaio é um exercício de compreensão de uma obra em análise, seja um texto literário, peça ou uma noção política, econômica. Porém, com o ensaio é preciso atentar à subjetividade que pode existir em seu discurso, a liberdade de construir uma análise e também ao apelo pessoal e poético de quem cria, já que seu formato opta pela liberdade da linguagem.

(...) o ensaio deixa visível os traços do pensamento, ou seja, trabalha com as significações dos próprios eventos da compreensão e da interpretação de seus autores ao relacionarem textos, conceitos e fatos. Desta maneira, uma espécie de enunciação do próprio jogo da compreensão é parte essencial do ensaio, a partir da qual o espectador jogará também quando for ao encontro do ensaio. (BARROS; SANTOS, 2019, p. 117)

Meneghetti (2011) reforça a ideia levantada acima ao afirmar que um leitor de ensaios não deve esperar sair com conclusões definitivas, mas encontrar novas perspectivas e reflexões que o motivem a edificar novas ideias. Meneghetti (2011) cita que os ensaios podem ser encontrados em diversas áreas das ciências, não apenas nas humanas e sociais, sendo explorado também na química e biologia, por exemplo.

Sobre a dificuldade de definir o que é um ensaio dentro dos gêneros textuais, podemos utilizar o raciocínio de Meneghetti (2011) afirmando que o ensaio não necessita de um modelo específico, já que sua maior característica é encontrar novos focos de análise. “Nele, o objeto exerce primazia, mas a subjetividade do ensaísta está permanentemente em interação com ele.” (MENEGHETTI, 2011, p. 323).

Meneghetti (2011) ainda destaca que um ensaísta pode analisar o objeto de estudo em diferentes formatos e possibilidades, sem a necessidade de comprovações definitivas. O autor relata que:

No ensaio, não é preciso uma conclusão no sentido tradicional; cada parte é uma conclusão por si mesma. No desenvolvimento do ensaio, são geradas as próprias conclusões para as reflexões anunciadas inicialmente em forma de questionamentos. (MENEGHETTI, 2011, p. 330)

68 Então seria o ensaio um gênero textual que pode discorrer de assuntos diversos optando por um formato subjetivo e pessoal, podendo apresentar diferentes nuances atribuídas a cada leitor, seja uma alusão, uma analogia, trocadilho. Isso sem definir uma verdade absoluta sobre os temas que se discute, como bem informou Meneghetti (2011).

Explicado as nuances do que é um ensaio, é preciso agora adentrar na sua derivação mais recente, que muito nos interessa, o filme-ensaio e em sequência, os vídeos ensaio encontrados em plataformas como o Youtube. Barros e Santos (2019) descrevem que os principais aspectos encontrados nos ensaios literários, como a originalidade na construção, uma intercessão na linguagem entre o conhecimento mais técnico e os traços mais artísticos e uma nova forma de dispor os elementos, estão também presentes no filme-ensaio.

Barros e Santos (2019) citam autores que já possuíam uma autoria mais ensaística nos primeiros anos de ouro do cinema. Nomes como o cineasta russo, Dziga Vertov – autor de Um Homem com uma Câmera (1929) – contemporâneo de Sergei Eisenstein e Luis Buñuel, autor surrealista são exemplos dos primeiros ensaístas da época. Contudo, é durante a explosão de movimentos vanguardistas dos anos 1950, como a Nouvelle Vague que os ensaios fílmicos ganham ainda mais relevância.

Machado (2003) explica, através do filme, Duas ou Três Coisas que Sei Dela (1967) quais as principais diferenças entre o filme ensaio e outro projeto fílmico mais convencional. Para o autor, o que mais o distingue dos produtos mais tradicionais é sua falta de narrativa ficcional para condensar tudo numa história que gera entretenimento, como vemos inclusive nos documentários. O foco do filme ensaio está na coletânea de imagens, mas também não é absolutamente realístico, já que há a presença de criação de cenas e textos decorados a serem gravados. Esse misto de aspectos, através de narrativas que podem ter mais ou menos coerência com as imagens utilizadas, nos transporta a uma gama de novas reflexões sobre assuntos distintos. Outros exemplos de filmes ensaios são Sem Sol (1983), Verdades e Mentiras (1973) e Noite e Neblina (1956).

Barros e Santos (2019) concluem como pode ser rico a produção artística a ideia do filme ensaio, como pontos de vista diferentes sobre uma obra podem ser explorados através do uso das imagens que instruem a consciência individual do receptor.

69 A própria forma ensaística é rica nesse sentido, pois trabalha com o factual, rejeitando a noção de objetividade e instrumentalidade da linguagem, exercício reflexivo este no cerne de um tipo de ensaísmo em voga na contemporaneidade: o vídeo-ensaio. (BARROS; SANTOS, 2019, p. 119)

Com o pensamento em destaque de Barros e Santos (2019). Podemos refletir as mudanças causadas pela contínua revolução tecnológica que o mundo vive principalmente no novo milênio. Com a enorme facilidade de acessar internet, usufruir de diferentes softwares e ir atrás de alternativas para enriquecer um conhecimento, surge a ideia dos vídeos ensaio, que são os vídeos postados diretamente para a internet que lembram os formatos ensaísticos desenvolvidos durante a história. O produtor contemporâneo não requer mais a presença de investidores nem de exibidores para produzir um conteúdo. Tudo é mais acessível.

O ensaio audiovisual produzido atualmente nas plataformas digitais, como o Youtube, – o chamado vídeo-ensaio (do inglês video essay) – representam produções de cunho ensaístico, as quais, apesar de apresentarem algumas tendências, são heterogêneas. Elas possuem diversas heranças do filme-ensaio, em especial o trabalho de reflexão por meio dos elementos audiovisuais, entretanto, inserem também outras tradições, como as análises cinematográficas, identificadas por Andrew McWhirter (2015). (BARROS; SANTOS, 2019, p. 119)

O EntrePlanos então se encaixa dentro dessa concepção de vide ensaio, já que seus vídeos analisam diversas obras audiovisuais em diferentes temas, se apropriando das imagens desses próprios produtos para construir sua obra final. Contudo, os ensaios vistos no Youtube ou outras plataformas de vídeo não apenas utilizam as imagens. É um trabalho que se apropria da arte de terceiros, para informar, mas também cria arte ao transformar aquele produto original em outro, através de cortes estratégicos, manipulação de velocidade de uma cena, closes e focos para evidenciar algo – sendo isso original do vídeo ensaio – e inserção de imagens e artes para transmitir uma ideia.

Figura 9 e 10 - Imagens do vídeo ensaio disponível no Vimeo:

https://vimeo.com/89302848. Autor traça linhas para mostrar como o diretor de cinema Wes Anderson trabalha quadros de modo simétrico.

70 Figura 11 - Outro exemplo de inserção de figuras nas imagens dos filmes utilizados

71 Figura 12 - Imagens utilizadas na montagem entre cenas do filme O Sétimo Selo

(1957), tema do vídeo do canal EntrePlanos

Explicado o vídeo ensaio e como o apelo visual é importante para capturar o espectador imerso nas imagens para elaborar uma informação mais rica e que funcione como princípio contemplativo, conseguimos começar a alinhar como os vídeos ensaio são uma nova proposta aos modelos de crítica cinematográfica que surgiram com a

72 evolução das plataformas e das mídias no século XXI. Sendo assim, é possível evoluirmos e analisar o canal de Youtube em foco dentro do jornalismo cultural.

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