• Nenhum resultado encontrado

O Concílio Vaticano II e o aggiornamento da igreja

5 CONCÍLIO VATICANO II E SUA INFLUÊNCIA NAS REGRAS ATUAIS DE

5.1 O Concílio Vaticano II e o aggiornamento da igreja

Segundo João Batista Libânio (2005a), o contexto eclesiástico que prevalecia na Igreja antes do Concílio Vaticano II (1962-1965) era marcado por uma teologia dogmatista e dualista, que zelava pela ortodoxia e por uma prática litúrgica bastante ritualista, no qual as definições de Pio IX (1846-1878) sobre a Infalibilidade do Magistério Pontifício46 advindas do Concílio Vaticano I (1869-1870) faziam da pessoa do papa a base da Igreja. A realidade era pensada de forma essencialista, imutável e a perspectiva histórica não era suscitada, na verdade, era por vezes condenada igualmente com a modernidade. As perguntas importantes eram aquelas internas à própria teologia da Igreja que não se deixava questionar pelas inovações científicas ou existenciais das pessoas. Estas críticas à modernidade foram amplamente discutidas pelos papas anteriores ao Concílio Vaticano II (1962-1965) e, por vezes, tais documentos,47 tinham um conteúdo extremamente dogmático e condenatório.

46 O Código de Direito Canônico de 1983 discorre sobre a infalibilidade papal afirmando: ―Cân. 749 — § 1. Em virtude do seu cargo, o Sumo Pontífice goza de infalibilidade no magistério quando, como supremo Pastor e Doutor de todos os fiéis, a quem pertence confirmar na fé os seus irmãos, proclama por um acto definitivo que tem de ser aceite uma doutrina acerca da fé ou dos costumes. § 2. Goza também de infalibilidade no magistério o Colégio dos Bispos, quando, reunidos os Bispos em Concílio Ecuménico, exercem o magistério, e, como doutores e juízes da fé e dos costumes, declaram definitivamente para toda a Igreja que tem de ser aceite uma doutrina acerca da fé ou dos costumes; ou quando, dispersos por todo o mundo, mas mantendo vínculo de comunhão entre si e com o sucessor de Pedro, juntamente com o mesmo Romano Pontífice, ensinando au- tenticamente doutrinas de fé ou costumes, acordam em que uma proposição deve aceitar-se definitivamente. § 3. Nenhuma doutrina deve considerar-se infalivelmente definida, a não ser que tal conste manifestamente‖ (CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO, 1983, p. 137).

47 Os documentos são: SYLLLABUS ERRORUM (1864) do papa Pio IX (1846-1878). Consultar:http://www.statveritas.com.ar/Magisterio%20de%20la%20Iglesia/SYLLABUS_ERRORUM.pdf Acesso: 20/02/13. Carta Encíclica de Pio X (1903-1914) de 1907 Pascendi Dominici GregisConsultar: http://www.vatican.va/holy_father/pius_x/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_19070908_pascendi-dominici- gregis_po.html Acesso: 20/02/13.Carta Encíclica de Pio XII (1939-1958) Humani Generis Consultar: http://www.vatican.va/holy_father/pius_xii/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_12081950_humani-

No final do pontificado de Pio XII (1939-1958), a Igreja Católica dava sinais de cansaço devido ao duro embate conduzido por este papa sobre questões como dogmática, moral, disciplina, e principalmente por seus ataques vigorosos a modernidade. Após sua morte, o conclave se reuniu e escolheu o sacerdote italiano, Angelo Giuseppe Roncalli, que foi bispo de Bérgamo (Itália) e núncio-apostólico na França, que adotou como nome pontifício João XXIII (1958-1963). Este cansaço citado acima,

... pareceu dominar o colégio cardinalício que escolheu um ancião de 77 anos com previsão de poucos anos de vida para oferecer à Igreja um tempo de transição. A sabedoria romana optou pela espera. Nada melhor que escolher um "papa de transição", idoso, que não tenha muita energia para empreender a tarefa gigantesca exigida para um mundo que emergira de terrível guerra mundial com seus valores fundamentais abalados. A história da Igreja conhece papas de transição, de espera de um outro mais jovem, capaz e decidido. Naqueles idos, já despontava a figura de Mons. Montini48, que ainda não era cardeal e, portanto, estava fora do páreo. E a escolha de João XXIII vinha muito bem para dar um tempo a fim de fazê-lo cardeal e depois confiar-lhe um arco de tempo mais longo no governo da Igreja. João XXIII foi esse acidente de percurso na sucessão dos pontífices. Ele parecia responder às expectativas para um tempo de passagem. Além disso, era um homem sábio, que tinha enfrentado situações delicadas no tempo da guerra e pós-guerra, quer na Turquia, quer na França, com enorme prudência e sagacidade, além de ter acumulado a experiência pastoral em Veneza. (LIBÂNIO, 2005a, p. 19).

João XXIII (1958-1963) era tido por muitos como um acidente de percurso na sucessão dos pontífices, um papa de passagem, que para alguns não traria a Igreja muitas inovações, tanto pela idade avançada quanto pelo fato de que o pontífice anterior, Pio XII (1939-1958) tinha exercido grande influência nos caminhos da Igreja. Contudo, entrou a imprevisibilidade da história e João XXIII (1958-1963) não se acanhou em substituir Pio XII (1939-1958), nem lhe seguiu o modo de governar a Igreja, este ancião mais que um ―Papa de transição‖, na ideia de Libânio (2005a), foi na verdade o ―Papa da transição‖ da Igreja dos tempos pré-modernos para a modernidade, e esta imprevisibilidade foi a de convocar um Concílio Ecumênico numa época, em que devido ao dogma da infalibilidade do Magistério Pontifício, que concentrou a compreensão de Igreja na pessoa do Papa, o clero parecia achar um Concílio algo supérfluo, custoso e perigoso, já que estavam acostumados a confiar na administração romana em questões de dogma e moral.

Três meses após ser entronizado, no dia 25 de janeiro de 1959 após uma missa na Basilica di San Paolo fuori le mura (Roma/Itália), João XXIII (1958-1963) fez a seguinte declaração: ―Pronuncio perante vós, certamente tremendo um pouco de emoção, mas também 48

com humilde resolução de propósito, o nome e a proposta de dupla celebração: a de um Sínodo diocesano na Urbe (cidade de Roma) e a de um Concílio Ecumênico para Igreja Universal‖ (BEOZZO, 2001, p. 42 apud KLOPPENBURG, p.38). Afirmou ainda, que o Sínodo e Concílio conduzirão ao tão esperado aggionarmento (atualização) que o Código de Direito Canônico e a própria Igreja necessitam.

Ao contrário do papa Pio IX (1846-1878), que convocara o Concílio Vaticano I (1869- 1870) para proclamar a Constituição Dogmática ―Pastor Aeternus‖, sobre Infalibilidade do Magistério Pontifício, além de condenar o racionalismo, materialismo e ateísmo, o tom do discurso de abertura do Concílio Vaticano II (1962-1965) em 11 de outubro de 1962 dado por João XXII (1958-1963) informava que este não tinha a intenção de proclamar condenações, pois agora

… a esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade. Julga satisfazer melhor às necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que renovando condenações. Não quer dizer que faltem doutrinas enganadoras, opiniões e conceitos perigosos, contra os quais nos devemos premunir e que temos de dissipar; mas estes estão tão evidentemente em contraste com a reta norma da honestidade, e deram já frutos tão perniciosos, que hoje os homens parecem inclinados a condená- los, em particular os costumes que desprezam a Deus e a sua lei, a confiança excessiva nos progressos da técnica e o bem-estar fundado exclusivamente nas comodidades da vida.49

Seis meses após término da primeira sessão50 do Concílio Vaticano II (1962-1965),o papa João XXIII (1958-1963) falece. Em Junho de 1963, o cardeal Giovanni Montini é eleito adotando como nome pontifício Paulo VI (1963-1978) e decide dar continuidade a este Concílio. Ao todo o Concílio Vaticano II (1962-1965) produziu quatro Constituições Apostólicas, três Declarações e nove decretos.51 Portanto, o consenso é que o Concílio teve como tema central a Igreja.

Ao olhar "ad intra", em relação a si mesma, a Igreja se pensa na sua auto- realidade (Constituição dogmática Lumen gentium), na clarificação de sua mensagem (Constituição dogmática Dei Verbum), na sua relação cúltica (Constituição Sacrosanctum concilium), nos seus ministérios episcopal e presbiteral (Decretos Christus Dominus, Presbyterorum ordinis), na vida e formação de seus membros religiosos (Decreto Perfectae caritatis),

49

Consultar ―Discurso de Sua Santidade Papa João XXIII na abertura solene do Ss. Concílio, 11 De Outubro De 1962, I Sessão‖ em: http://www.vatican.va/holy_father/john_xxiii/speeches/1962/documents/hf_j-xxiii_spe_19621011_opening- council_po.html Acesso: 23/02/13.

50

O concílio Vaticano II foi divido em quatro sessões: A primeira de outubro a dezembro de 1962 , a segunda deabril a dezembro de 1963, a terceira de setembro a novembro de 1964, e a quarta de setembro a dezembro de 1965.

51 Para ter acesso as Constituições Apostólicas, Decretos e Declarações do Concílio Vaticano II consultar http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/index_po.htmAcesso Acesso: 25/02/13.

seminaristas (Decreto Optatam totius), leigos (Decreto Apostolicam actuositatem) e na crucial questão da Educação (Declaração Gravissimum educationis). Olhando "ad extra", para fora de si, a Igreja (latina) se relaciona com as denominações cristãs (Decreto Unitatis redintegratio), com as Igrejas orientais católicas e ortodoxas (Decreto Orientalium ecclesiarum), com a sua vocação missionária (Decreto Ad gentes), com as religiões não- cristãs (Declaração Nostra aetate), com o direito à liberdade religiosa (Declaração Dignitatis humanae), com os meios de comunicação (Inter mirifica) e com o Mundo de hoje (Constituição pastoral Gaudium et spes)(LIBÂNIO, 2005a, p. 31).

Dentre os diversos documentos deste Concílio, dois deles incidem diretamente na questão do leigo e consequentemente na análise do nosso objeto de estudo que é a beatificação da jovem Chiara Luce. O primeiro deles é a Constituição Dogmática Lumen

Gentium52 publicada em 1964,e que trata da natureza e constituição da Igreja, e entre os seus inúmeros tópicos dois deles incidem de forma clara nos modos e mensagens sobre a santidade, são eles: o capítulo IV - ―Os Leigos‖ e o capítulo V ―A vocação de todos à santidade‖ e o segundo documento é o Decreto Apostolicam actuositatem de 1965 que trata do Apostolado dos Leigos.

Embora os leigos tenham tido ao longo da história da Igreja Católica um papel importante na sua constituição e disseminação, com a publicação destes dois documentos os leigos puderam se tornar de fato mais ativos na administração das igrejas, na organização dos cultos, na angariação de recursos, e puderam fazer parte de outras atividades, antes relegadas ao clero como a catequese, apostolado, evangelização, etc. Os efeitos destes documentos puderam ser sentidos ao longo do século XX com a criação de uma série de Movimentos Eclesiais como o Neocatecumenato, Comunhão e Libertação, Movimento dos Focolares, Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e Renovação Carismática. Em decorrência da Renovação Carismática, fruto do Concílio, surgem também as Novas Comunidades estudadas por Campos & Caminha (2009) Carranza& Mariz (2009), Mariz (2006). Se por um lado a

Constituição Dogmática Lumen Gentium, conclama os leigos a se unirem na organização e

promulgação da Igreja, esta mesma Constituição afirma a ―vocação de todos à santidade‖ sem que se leve em consideração seu estado de vida: sacerdote, casado, solteiro, celibatário.

Em resumo, os resultados do Concílio Vaticano II (1962-1965) foram diversos como mostra os documentos acima citados. Houve uma predisposição para o diálogo ecumênico, inter-religioso, com as ciências e em especial com a história e sociedade contemporânea.

Contudo, as mudanças mais visíveis foram aquelas que trataram da renovação litúrgica e do papel do leigo na Igreja. No que tange aos cristãos estes

... começaram a perceber que eles também são Igreja e não somente a hierarquia, clero, os religiosos. O povo de Deus é constituído por todos na base de uma igualdade fundamental, cimentada no batismo. A hierarquia existe a serviço da totalidade do povo de Deus. De uma comunidade passiva e clerical, passasse a uma comunidade participativa, missionária, co- responsável (LIBÂNIO, 2002, p. 95).

Para além das modificações operadas na função e integração do leigo na Igreja, advindas do Concílio Vaticano II (1962-1965), outras mudanças, estas relativas as regras nos processos de santificação começaram a ser gestadas pós-Concílio. Como observamos no capítulo anterior, as regras de beatificação e canonização sofreram diversas modificações ao longo da história sendo finalmente reunidas no Código de Direito Canônico de 1917. Neste capítulo, como afirmamos anteriormente, acrescentaremos as regras de canonização pós Concílio Vaticano II (1962-1965), e suas atualizações mais emblemáticas que ficaram a cargo dos papas João Paulo II (1978-2005) e Bento XVI (2005-2013). De início, apresentaremos as primeiras mudanças pós-conciliares nas causas dos santos que ficaram a cargo do papa Paulo VI (1963-1978).