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Paulo VI e a Criação da Congregação para as Causas dos Santo

5 CONCÍLIO VATICANO II E SUA INFLUÊNCIA NAS REGRAS ATUAIS DE

5.2 Paulo VI e a Criação da Congregação para as Causas dos Santo

Atualmente, o processo de santificação adotado pelo Vaticano para analisar os indivíduos que impuseram uma marca distintiva no cristianismo tornando-se beatos e santos é prerrogativa da Cúria Romana e fica a cargo da Congregação para as Causa dos Santos53. Com a Constituição ―Immensa Aeterni Dei‖, do dia 22 de Janeiro de 1588, o papa Sisto V (1585-1590) criou a Sagrada Congregação dos Ritos que tinha como tarefa regular o exercício do culto divino e estudar as causas dos santos. Por quase quatro séculos, as análises dos santos e beatos ficou a cargo desta Congregação, que desde o início teve uma dupla tarefa:

quello di regolare e dirigere i sacri riti della Chiesa latina, e quello di occuparsi di tutto ciò che in qualsiasi modo si riferisse alla canonizzazione dei Santi, in tutta quanta la Chiesa. Questo secondo compito fu affidato a questa stessa Congregazione dei riti, appunto perché le cause di canonizzazione ebbero sempre l'effetto conclusivo di introdurre nel culto pubblico della Chiesa i Servi di Dio inscritti nell'albo dei Santi.54

53 Para maiores detalhes sobre esta Congregação consultar: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/csaints/index_po.htm Acesso: 08/10/12.

54 Tradução livre: o de regular e dirigir os ritos sagrados da Igreja latina, e o de ocupar-se de tudo aquilo que em qualquer modo se refere à canonização dos Santos, em toda a Igreja. Este segundo dever foi confiado a

As primeiras mudanças começaram a surgir no pontificado de Paulo VI (1963-1978), que havia criado uma comissão de canonistas para que estudassem uma forma de simplificar e atualizar o processo de canonização. Segundo Woodward, Paulo VI (1963-1978) tinha dois objetivos em mente:

Primeiro, sentia que o exame e verificação da santidade devia repousar menos no direito canônico e mais na teologia e nas ciências humanas, principalmente história e psicologia. Segundo, ele queria que o processo de fazer santos fosse repensado e revisto segundo os princípios da colegialidade do Concílio Vaticano II. À luz desse princípios, os bispos locais deveriam ser vistos não como simples legados do papa, mas como sucessores do colégio original de 12 apóstolos e, desse modo, co-responsáveis com o papa pelo governo da Igreja (WOODWARD, 1992, p. 87).

Desejando por um lado levar adiante a reforma litúrgica e a colegialidade dos bispos decretadas pelo Concílio Vaticano II, e por outro promover uma atualização nas leis relativas às causas dos santos segundo a mentalidade do nosso tempo, Paulo VI (1963-1978) 55publica em 1969 a Constituição Apostólica Sacra Rituum Congregatio renovando a Sagrada Congregação dos Ritos, dividindo-as em duas: a Congregação para as Causas dos Santos que irá responder por tudo que diz respeito as beatificações dos servos de Deus e as canonizações dos beatos, bem como a conservação das relíquias sagradas, e a Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos que

… è competente in tutto ciò che in forma diretta e immediata si riferisce al culto divino nel Rito romano e negli altri Riti latini, salva la competenza di altri Dicasteri per ciò che riguarda la dottrina della fede, o tocca la disciplina ecclesiastica, o esige procedimento giudiziario.56

A Congregação para as Causas dos Santos, a qual nos interessa aqui, é divida em três departamentos: o Judicial, o do Promotor Geral da Fé e o histórico-jurídico, que é a continuação da Seção Histórica, criada pelo Papa Pio XI (1922-1939) no dia 6 de Fevereiro de 1930. No Motu Proprio de 1969, intitulado Sanctitas Clarior, Paulo VI (1963-1978) reformula algumas regras nas causas dos santos já que, em sua opinião como os costumes e modo de vida mudaram é

esta mesma Congregação dos ritos, precisamente porque as causas de canonização tiveram sempre o efeito conclusivo de introduzir no culto público da Igreja os Servos de Deus inscritos no álbum dos Santos.

Consultar http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/apost_constitutions/documents/hf_p- vi_apc_19690508_sacra-rituum-congregatio_it.html Acesso: 20/12/12.

55

Para uma análise mais ampla de Paulo VI (1963-1978), para além de suas contribuições para as causas dos santos consultar GRITTI, J (1984).

56 Tradução livre: ... é competente em tudo aquilo que em forma direta e imediatada se refere ao culto divino no Rito romano e nos outros Ritos latinos, salva a competência de outros Dicastérios por aquilo que diz respeito a doutrina da fé, ou refere-se à disciplina eclesiástica, ou exige procedimento judiciário.

… conveniente e opportuno rivedere i criteri e le modalità dell'indagine, di cui sopra, e di adeguarli alle esigenze di questo nostro tempo, affinché la suprema autorità del Sommo Pontefice e quella dei Vescovi fra loro intimamente collegate potessero rendere più agevole e più spedito il cammino per l'introduzione della causa di beatificazione e di canonizzazione dei Servi di Dio.57

A mudança mais significativa foi à unificação do Processo Ordinário e Apostólico. O Código de Direito Canônico (CDC) de 1917 estabelecia que os processos de beatificação dos servos de Deus deveriam ser formulados a partir de dois processos: o Ordinário organizado pelos bispos com o poder que lhes é conferido pelos cânones (cânones 1999 § 3; 2038 § § 1 e 2, 1-3), e outro Apostólico (cânones 2087-2097), formulado pela Santa Sé e sob a sua jurisdição (cânones 2088-2100). A partir deste Motu Próprio, as causas dos santos poderiam ser realizadas a partir de um único processo ordinário, possibilitando desta forma a agilidade nas causas dos santos.

Desta forma, a abertura ou introdução de uma causa seria de competência dos bispos diocesanos ou todos aqueles que lhes são equiparados no território de sua jurisdição. Por este ato, o papa delegou aos bispos e às conferências episcopais a autoridade necessária para introduzir a causa e realizar os processos de instrução, autoridade que residia, até então, na Congregação romana.

Até este momento, os processos de instrução eram levados a cabo por mandatários dotados de 'litteras dimissorias' da Sagrada Congregação dos Ritos. Agora, o bispo poderia constituir tribunais diocesanos com autoridades especializadas para instruir os processos e caso não estivesse apto poderia recorrer aos tribunais constituídos ad hoc pela conferência episcopal.

Os fiéis, de forma individual ou em organizações religiosas legítimas, poderiam solicitar também a abertura de uma causa, desde que esta atendesse aos requisitos do direito canônico e das normas particulares concernentes as causas dos santos. Contudo, antes de instituir a causa, o bispo deveria consultar a Santa Sé, que analisaria o candidato e caso não encontrasse obstáculos a sua candidatura, expedia o nihil obstat (nada impede). Os demais autores, do processo de análise dos santos e beatos como os Advogados de Defesa e Promotores da Fé, continuaram a desempenhar as mesmas funções já estabelecidas no CDC 57 Tradução livre:... conveniente e oportuno rever os critérios e as modalidades da investigação, acima citada, e de adequá-las às exigências deste nosso tempo, para que a suprema autoridade do Sumo Pontífice e aquela dos Bispos entre eles intimamente ligadas pudessem tornar mais ágil e mais veloz o caminho para a introdução da causa de beatificação e de canonização dos Servos de Deus. Consultar http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/motu_proprio/documents/hf_p-vi_motu-proprio_19690319_sanctitas- clarior_it.html Acesso: 13/05/13.

de 1917.

A unificação dos Processos teve como efeito o aumento no número de causas de santos. Como era preciso a análise de todo o material enviado pelos bispos, a Congregação para a Causa dos Santos recebeu um número cada vez maior de proposições, aumentando significativamente a demanda de trabalho, o que resultou na manutenção ou até acréscimo no tempo entre abertura de uma causa e a canonização do santo.

Como o Motu Proprio Sanctitas Clarior, dePaulo VI (1963-1978) modificou apenas o modo de introduzir uma causa e não o seu tratamento, o sistema de fazer santos continuou como estabelecido no CDC de 1917, ou seja, refém dos debates entre o Advogado e Promotor da Fé, cabendo aos teólogos, requerentes e postulantes o papel de coadjuvantes no Processo. As mudanças empreendidas por Paulo VI (1963-1978) não surtiram o efeito desejado e as pessoas interessadas, principalmente os bispos diocesanos, que continuaram solicitando modificações mais substanciais na lei que regulamentava os processos de fazer santos.

Contudo, as mudanças na forma de introduzir uma causa na Congregação para a Causa dos Santos, realizada por Paulo VI (1963-1978), em detrimento de um movimento maior de reformular a Cúria Romana, proveniente das resoluções do Vaticano II e do desejo dos bispos de tornar estas causas mais descentralizadas e independentes da Cúria, surtiram de imediato alguns efeitos que podem ser observados na tabela abaixo que compara os dados de Paulo VI aos demais papas que utilizaram o CDC de 1917 como regra para as canonizações e beatificações.

Tabela 7: Canonizações e Beatificações dos papas do CDC de 1917 Papa Data do Pontificado Total de Canonizações Total de Beatificações Intervalo de anos para Canonização Intervalo de anos para Beatificação Bento XV (1914-1922) 3 42 62 83 Pio XI (1932-1939) 34 496 28 66 Pio XII (1939-1958) 33 169 31 49 João XXIII (1958-1963) 10 4 39 55 Paulo VI (1963-1978) 84 62 52 30* Total 164 773

FONTES:

(1)Total de Canonizações:Dati statistici del Pontificato di Giovanni Paolo II

http://www.vatican.va/news_services/press/documentazione/documents/pontificato_gpii/pontificato_dati- statistici_it.html#Beatificazioni%20e%20Canonizzazioni Acesso: 10/02/13

(2)Total de Beatificações: Consultar CICILIOT, V (2008, p. 221) La politica delle canonizzazioni di Giovanni Paolo II.

(3) Intervalo de anos para Canonização: Consultar PELLISTRAND, B. (2003, p. 178). <<La sainteté contemporaine>>.

(4) Intervalo de anos para Beatificação: Consultar PELLISTRAND, B. (2003, p. 179). <<La sainteté contemporaine>>.

(5) *A quarta fonte afirma um intervalo de 45 anos em Paulo VI. Contudo a data entre a morte e a beatificação é menor, 30 anos e não 45. Este intervalo de 30 anos refere-se a beatificação de Maximiliano Kolbe morto em 1941 em Auschwitz e beatificado em 1971. Consultar Homilia de beatificação em: http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/homilies/1971/documents/hf_p-vi_hom_19711017_it.html Acesso: 16/05/13.

O primeiro efeito nas mudanças empreendidas por Paulo VI (1963-1978) foi o aumento substancial de suas canonizações, totalizando 84 santos. As beatificações, por sua vez, não seguiram o mesmo ritmo já que o papa Pio XII (1939-1958) beatificou 496 Servos de Deus. O intervalo entre a morte do candidato e sua canonização também não diminuiu no pontificado de Paulo VI (1963-1978), mas o intervalo na beatificação foi o mais baixo com relação aos outros papas do CDC de 1917. Paulo VI (1963-1978) foi o papa que mais canonizou desde o pontificado de Clemente VII (1592-1605), excetuando, obviamente o papa João Paulo II (1978-2005). Dessas 84 canonizações, 67 delas foram de mártires. Em 1964, Paulo VI (1963-1978) canonizou 22 fiéis martirizados na Uganda entre 1885 e 188758, em 1967 canonizou 4 mártires mortos em Jerusalém59 e 40 mártires da Inglaterra e de Gales,60. Em 1975, Paulo VI (1963-1978) ainda canonizou Oliver Plunkett, mártir da Irlanda.61 No pontificado de Paulo VI (1963-1978), já se pode observar o início do delineamento de uma política de canonização para século XX e XXI, que fará do martírio o modelo maior de santidade na Igreja Católica, já que o mártir em sua opinião

[…] … scrive col sangue la sua fede: proclama, col suo sacrificio, che la verità ch‘egli possiede e per la quale si lascia uccidere, vale più della sua vita temporale, perché la fede è la sua nuova vita soprannaturale, presente e per l‘eternità. […] È il martire che mette in estrema evidenza la verità, che

58 A Homilia da canonização poder ser consultada em:

http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/homilies/documents/hf_p-vi_hom_19641018_martiri-uganda_lt.html Acesso: 16/05/13.

59

A Homilia da canonização poder ser consultada em:

http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/homilies/1970/documents/hf_p-vi_hom_19700621_it.html Acesso: 16/05/13.

60 A Homilia da canonização poder ser consultada em:

http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/homilies/1970/documents/hf_p-vi_hom_19701025_po.html Acesso: 16/05/13.

61 A Homilia da canonização poder ser consultada em:

http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/homilies/1975/documents/hf_p-vi_hom_19751012_en.html Acesso: 16/05/13.

Cristo ci ha portata; è il martire che afferma l‘amore nella sua suprema misura: il sacrificio aspirazione.62

Em 1978, o papa Paulo VI (1963-1978) morre e o conclave escolhe em 26 de agosto o cardeal italiano, Albino Luciani (João Paulo I (1978-1978))63, que após trinta e três dias falece abrindo um novo conclave, no qual o polonês Karol Józef Wojtyla é escolhido tendo como nome pontifício João Paulo II (1978-2005). Dentre as inúmeras resoluções do pontificado de João Paulo II (1978-2005), uma delas foi a reformulação na legislação relativa as causas dos santos.

De acordo com Valentina Ciciliot (2008) a ideia de modificar as normativas das causas dos santos já estavam sendo gestadas desde o pontificado de Paulo VI (1963-1978),que havia criado uma comissão com o intuito de elaborar uma revisão de toda a legislação. Esta comissão continuou os trabalhos após a morte de Paulo VI, e em 1983 João Paulo II (1978- 2005) publica as novas diretrizes para as causas dos santos e beatos. Assim, a próxima seção será inteiramente dedicada a João Paulo II (1978-2005) e os modos de fazer santos e beatos deste papa.