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CAPÍTULO 2 – A FORMAÇÃO DO PROFESSOR E SUAS RELAÇÕES COM O

2.3 O CONCEITO DE HABITUS E A IDENTIDADE DOCENTE: APROXIMAÇÕES

O significado da palavra habitus expressa a noção grega de hexis, com o intuito de conceituar características do corpo e da alma. A aquisição dessas características se daria durante o processo de aprendizagem. Vale ressaltar que o termo hexis foi utilizado por Aristóteles e designava uma postura positiva ou negativa de disposição em relação a algo (SETTON, 2002).

Bourdieu (1992) apresenta como concepção de habitus um sistema de esquemas individuais nos quais se constituem socialmente, tanto no que concernem as disposições estruturadas, quanto às disposições estruturantes. Segundo Bourdieu (1992) para entender o conceito de habitus se faz imprescindível o entendimento da sua relação com o conceito de campo. Ao fugirmos dos determinismos das práticas, adentramos no espaço da relação dialética entre sujeito e sociedade. Ressaltamos que essa relação é recíproca entre o habitus e a estrutura do campo, uma vez que estão socialmente determinados.

Os campos sociais apresentam-se com alguma autonomia formada pelo espaço social e são disputados pelos indivíduos que nele estão inseridos. Dessa forma, quem possui mais capital, consequentemente detem posições de domínio, assim, aqueles que possuem menores condições ocupam posições dominadas. Portanto, cada posição a que o indivíduo pertence constitui em um habitus (BOURDIEU, 1992).

Diante deste contexto, compreendemos que habitus é um conceito que se traduz como um auxílio no aprendizado de uma forma amálgama nas preferências dos grupos ou do indivíduo, resultando num mesmo caminho social, assim habitus e campo é uma forma de ajustamento, portanto o habitus é construído continuamente, permite ao indivíduo adquirir novas experiências, portanto não poderá ser considerado como imutável (BOURDIEU, 1992).

As mudanças de habitus são ajustamentos que o indivíduo faz, impostos pelas necessidades de mudanças as novas situações e contextos. Essas mudanças podem fazer com que ocorram transformações duráveis no habitus, no entanto estas transformações são limitáveis, uma vez que o habitus é que irá definir a percepção da situação. Desta forma, o habitus rompe com uma prática interpretada de forma determinista e única. (BOURDIEU, 1992).

Os habitus individuais se constituem em situações específicas na sociedade. Essas situações são construídas em diferentes espaços como na escola, trabalho, lazer, entre outros. Para Setton (2002) pensar em habitus do indivíduo moderno exige atentar para o fato de este ser forjado pela interação de diferentes ambientes, portanto sua configuração não apresenta padrões de condutas fechados. Desta forma, na perspectiva de Setton (2002), há uma abertura de possibilidades em pensar no surgimento de um novo sujeito social, o que possibilita que haja espaço também para pensar na construção da identidade do indivíduo inserido no contexto da modernidade, isso se daria a partir de um habitus hibrido, constituído tanto como expressão de um sentido prático, como também de uma memória em ação e construção. Vale ressaltar que esta incorporação não se dá de maneira automática e sim num processo contínuo de ações.

Para Casanova (1995) a noção de habitus está relacionada às ações que concernem uma intenção objetiva. Essa objetividade possibilita ultrapassar as intenções conscientes. Assim, o habitus representa o capital cultural no formato de incorporação que resultam em recursos de poder, uma vez que a cultura e a economia não se apresentam de forma igualitária na sociedade (BOURDIEU, 1992).

Desse modo, os princípios do habitus são constituídos a partir de uma acepção de cultura prática que evolui por meio de uma lógica prática estabelecida pela acumulação do capital cultural e a legitimação social, assim, o habitus tem por função unir as práticas sociais, permitindo assim, que os indivíduos tomem melhores atitudes diante do contexto de subjetividade que o cotidiano possa vir a apresentar (BOURDIEU, 2011).

Desta forma, o habitus enquanto produto social mostra o caminho das práticas e das aspirações dos indivíduos. Os indivíduos por meio de suas ações reproduzem estruturalmente a matriz de disposições e também as condições objetivas que dariam condições de suportar o habitus, portanto o habitus possui em suas características caráter de mediação entre condições estruturais objetivas produzidas e incorporadas ao longo do tempo e as representações sociais estruturadas (BOURDIEU, 2011).

Diante do contexto apresentado, o habitus científico se traduz por “uma regra, um modus operandi científico que funciona em estado prático, segundo as normas da ciência” (BOURDIEU, 2010, p. 23). Trata-se, portanto, de uma forma de jogo em que se executa o que for preciso no momento próprio, sem a necessidade de regras que possibilitem refletir se a conduta que se está tomando é adequada ou não.

Bourdieu (2010) ao se referir ao conceito de habitus traz como exemplo a ideia de que se um sociólogo for transmitir um habitus científico ele se parecerá mais com um treinador do que com um professor, uma vez que este procede por questões práticas, tendo como semelhança um treinador que trabalha com a imitação do movimento.

Portanto, o habitus científico expressa uma regra, que funciona por meio da prática circundada por normas científicas, sem que estas normas estejam na sua origem. Dessa forma, com o jogo estabelecido, a ideia é de que se faça o que tiver quer ser feito no momento próprio, sem a preocupação de tematizar ou contextualizar a regra que será utilizada (BOURDIEU, 2011).

Diante do contexto apresentado, no que tange especificamente a formação do professor, Bourdieu (2004) considera que quando se divide epistemologia e metodologia ocorre também a divisão dos professores considerados de sala de aula e professores pesquisadores, desta forma o concreto não poderá ser estabelecido, uma vez que esta combinação se dá por meio de duas abstrações.

Entretanto, para Bourdieu (1992) o habitus foge da representação do tempo e da história, uma vez que são realidades nelas mesmas. Dessa forma, o conceito de habitus faz a medição entre o indivíduo e a sociedade. Assim, o habitus permite conciliar a realidade exterior e as realidades do indivíduo, caso haja oposição ente elas, pois tem como premissa o diálogo e a troca entre o objetivo e o subjetivo.

No que tange a aproximação da TRS com o conceito de habitus, compreendemos que um grupo incorpora elementos que constituem a realidade social e de alguma maneira expõem esses conteúdos interiorizados, por meio dos quais compartilham aspectos culturais comuns. Esses aspectos podem ser examinados por meio do conceito de habitus, uma vez que o grupo apresenta aspectos dinâmicos e permanentes em suas ações, contrariando teorias que separam o sujeito da sociedade (ALBUQUERQUE, 2005).

O habitus possibilita que as pessoas tenham a necessidade de respeitar normas e valores instituídos na sociedade, os quais permitem que as pessoas estejam adequadas nas construções sociais exigidas como forma de se viver e conviver harmonicamente. Diante desta situação, se origina as práticas corporais, pois o habitus viabiliza a concretude de uma relação dialética (ALBUQUERQUE, 2005). Nesse sentido, o conceito de campo também se estabelece, uma vez que o mesmo é definido enquanto

um espaço parcialmente autônomo, parcialmente porque este se dá no estabelecimento de estratégias de ações adequadas àquele contexto (BOURDIEU, 1992).

O habitus enquanto produto tem o papel de estabelecer relações com o exterior e o interior, portanto trabalha com as subjetividades do indivíduo, criando dessa forma representações. Nesse sentido, permite, portanto, trocas constantes entre o objetivo e o subjetivo e também possibilita a capacidade de criação de estratégias coletivas e individuais com o intuito de lidar com a vida cotidiana (ALBUQUERQUE, 2005).

Com o habitus é possível a realização de tarefas diferenciadas, tal possibilidade se dá a partir das transferências analógicas de esquemas, os quais permitem a resolução de problemas, bem como possibilitam corrigir essas ações a partir dos resultados obtidos (BOURDIEU, 1992).

Para Albuquerque (2005) esses esquemas são resultados das condições materiais de vida e isso é determinado pelas condições sociais dos indivíduos, que se traduzem pela trajetória de vida, portanto essas condições são mutáveis, no entanto dependerá da posição que o indivíduo terá no espaço social no qual está inserido, principalmente em situações hierarquicamente consolidadas. O habitus cria representações, pois é resultado de condições objetivas, portanto, estabelece relações com situações concretas do cotidiano com as representações sociais (BOURDIEU, 2001).