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Hipóteses de McFadyen, Hoskins e

1.7 O conceito de Estado e política pública

Uma característica histórica da atividade cinematográfica é a intervenção do Estado em sua organização. Em todas as etapas da atividade audiovisual brasileira, ou seja, pesquisa, produção, distribuição, exibição, conservação e fiscalização, o poder público é cobrado a interferir com políticas para facilitar o desenvolvimento do setor. No campo das coproduções internacionais, o Estado tem sido um fundamental ator, no fomento direto e indireto, na assinatura de acordos bilaterais e multilaterais, no apoio a eventos internacionais e no aporte de um fundo de investimento intergovernamental.

Focando nas teorias políticas na tradição da Economia Política, a obra de Carnoy (2008) vai ajudar a compreender o conceito de Estado na perspectiva de uma análise das teorias neomarxistas. O autor resgata as teorias do pensamento político norte-americano; o marxista “tradicional”; o pós-lenilista; o gramisciano; o de Altthusser e Poulantzas; o alemão; entre outros debates, o autor aponta diretrizes para futuras pesquisas. Considerando que a discussão sobre o Estado “é um debate não solucionado, em meio a importantes transformações econômicas nas sociedades industriais adiantadas” (CARNOY, 2008, p. 328), o autor defende que a “própria falta de resolução deve promover um estudo cada vez mais intenso do Estado capitalista, tanto nas sociedades capitalistas adiantadas, como no Terceiro Mundo” (CARNOY, 2008, p. 328).

Segundo Carnoy, é predominante a visão de Estado enraizada no pensamento liberal em detrimento das ideias marxistas. Uma delas insiste que a “mão invisível” do mercado “ainda opera mesmo no novo contexto” (CARNOY, 2008, p. 313). No pensamento político norte-americano, é clara a “ideia de que o governo pretende servir aos interesses da maioria, mesmo que, na prática, nem sempre o faça” (CARNOY, 2008, p. 20). A teoria do Estado liberal é baseada nos direitos individuais e na ação do Estado de acordo com o “bem comum”. Na visão marxista, o Estado é colocado em seu contexto histórico e submetido a uma concepção materialista da história. “Não é o Estado que molda a sociedade, mas a sociedade

que molda o Estado. A sociedade, por sua vez, se molda pelo modo dominante de produção inerente a esse modo.” (CARNOY, 2008, p. 66).

Sobre a importância da política no contexto da mudança social no mundo contemporâneo, Carnoy afirma que o setor público (chamado de Estado na sua obra):

[...] parece deter a chave para o desenvolvimento econômico, para a segurança social [...]. Compreender o que seja política no sistema econômico mundial de hoje é, pois, compreender o Estado nacional e compreender o Estado nacional no contexto desse sistema é compreender a dinâmica fundamental de uma sociedade. (CARNOY, 2008, p. 9)

Para Carnoy, a mudança substancial da natureza da hegemonia capitalista, após a crise dos anos 1970 e 1980, é uma das principais transformações do capitalismo. Este passou a depender do subsídio direto e indireto do Estado. Observação que encaixa muito bem na relação entre setor público e atividade cinematográfica no Brasil, bem como nos mecanismos de apoio à coprodução.

Sobre o significado clássico e moderno de política, Bobbio, Matteucci e Pasquino explicam:

Derivado do adjetivo originado de pólis (politikós), que significa tudo o que se refere à cidade e, conseqüentemente, o que é urbano, civil, público, e até mesmo sociável e social, o termo Política se expandiu graças à influência da grande obra de Aristóteles, intitulada Política, que deve ser considerada como o primeiro tratado sobre a natureza, funções e divisão do Estado, e sobre as várias formas de Governo, com a significação mais comum de arte ou ciência do Governo, isto é, de reflexão, não importa se com intenções meramente descritivas ou também normativas, dois aspectos dificilmente discrimináveis, sobre as coisas da cidade. Ocorreu assim desde a origem uma transposição de significado [...] passando a ser comumente usado para indicar a atividade ou conjunto de atividades que, de alguma maneira, têm como termo de referência a pólis, ou seja, o Estado. (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 954)

Diante do exposto acima, entende-se, no decorrer deste trabalho, por políticas audiovisuais as relações existentes entre comunicação, cultura, Estado, sociedade civil e o mercado para a definição de metas, aprovação de diretrizes e realização de atividades para o desenvolvimento das indústrias cinematográficas nacionais, visando à sustentabilidade e, em um sentido mais amplo, ao benefício do Estado. Desta forma, estas políticas abrangem tanto o conjunto de princípios, disposições constitucionais, leis, regulamentos e instituições estatais, públicas e privadas que compõem o ambiente normativo do cinema; quanto os seus modos de produção, circulação e consumo de obras audiovisuais.

Posicionando-se sobre a política audiovisual brasileira, Manoel Rangel, diretor- presidente da ANCINE, fala em “aposta nas coproduções internacionais” (2009, p. xxvii) e destaca como importantes as “trocas entre agentes para além das fronteiras nacionais” (2009, p. xxvii) Rangel salienta ainda que “coproduzir é construir uma ponte para os mercados nacionais, mas sobretudo para o imaginário dos povos, a trajetória e o desafio das nações”, logo mais acrescenta: “é uma forma de por em prática a diversidade cultural” (2009, p. xxvii). Com tais declarações é possível fazer um delineamento sobre a visão da política audiovisual no Brasil, no entanto, apenas com uma pesquisa mais aprofundada será possível uma constatação sobre o que é apresentado no discurso e o que é realizado na prática.

Barbero19 (2000) defende que existe um grande desafio para as políticas culturais de comunicação. Segundo ele, dever-se-ia criar uma rede própria latino-americana para apresentar o melhor do cinema aos seus países membros. A ideia é pensar e trabalhar por uma integração cultural. Esta integração só seria possível através de alianças entre Estados, ONGs e organizações independentes:

“Por que eu só posso ver o cinema brasileiro que recebe prêmios nos EUA, cuja circulação é feita por uma distribuidora norte-americana? Como é possível que a América Latina não possa ter suas próprias distribuidoras? Não estou dizendo que sejam criadas pelo Estado, mas que o Estado saiba fazer alianças estratégicas, como fazem as empresas privadas.” (BARBERO, 2000, p. 161)

Observando que é papel da assessoria internacional da ANCINE preparar ou atualizar os acordos bilaterais de coprodução cinematográfica, consideramos importante analisar o conceito de política pública na visão de um assessor da agência. Respondendo à pergunta “Há uma política audiovisual brasileira?”,Valente (2011) diz:

Acredito que cada vez mais sim. A partir do surgimento da ANCINE, sem dúvida nenhuma. Mas essa política é múltipla porque existem vários tipos de cinema: você tem o cinema de blockbuster, que busca resultados comerciais, um público muito grande, a cada ano se fortalecendo; você tem a política do cinema de autor, cinema de arte para a inserção internacional desse cinema; você tem a política pra incentivar outras teias da cadeia que não só a produção, mas distribuição, a exibição, a televisão. Cada vez mais o cinema não existe sem a televisão, e as televisões e todos os seus derivados hoje em dia: televisão a cabo, internet, inclusive nessa perspectiva de inclusão de       

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Jesús-Martín Barbero é Doutor em Filosofia, pela Universidade de Lovain (Bélgica). É um dos teóricos, no campo da comunicação, de maior reconhecimento no mundo. Ele considera a comunicação uma área estratégica para a denominação da América Latina, para o imperialismo cultural. Com ele, a designação “estudos latino- americanos de comunicação” passa a ter uma marca distintiva, demonstrada através da importância das práticas e processos comunicativos dentro dos marcos da modernidade cultural e econômica de nossos países. Atualmente é assessor de projetos em Comunicação e Política da Fundación Social de Bagotá.

todas essas coisas, então acho que sim. Existe uma política, mas essa política não é uma política unívoca, uma diretriz que firma para todos os produtores, não é isso. O que chamo de ter uma política é ter uma instituição como a ANCINE, que é hoje onde se pensa e se busca a cada ano repensar, perceber as ausências, os espaços onde faltam incentivos, regulação, fomento e trabalhar a cada ano renovando o que é essa política. Acho que essa política a ANCINE tem feito com muita regularidade até. (VALENTE, 2011, em entrevista a esta pesquisadora)20

E por que este trabalho está intitulado “Coprodução cinematográfica e a política audiovisual brasileira (1995-2010)”, com a palavra “política” no singular? Porque no período pesquisado, cujas administrações foram marcadas pelos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, observamos uma continuidade na política audiovisual do país, no que se refere aos mecanismos voltados à coprodução cinematográfica. Não foram percebidas rupturas nem divergências no modo de conduzi-la. Princípios e objetivos norteadores da regulamentação sobre este tema, de forma geral, ou permanecem os mesmos ou não são observadas consideráveis alterações.