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O papel do Estado brasileiro na internacionalização do cinema: um breve histórico

Hipóteses de McFadyen, Hoskins e

CAPÍTULO 2 O AMBIENTE NORMATIVO

2.1 O papel do Estado brasileiro na internacionalização do cinema: um breve histórico

Com o objetivo de promover o desenvolvimento da indústria cinematográfica e o fortalecimento do intercâmbio cultural e econômico, a política audiovisual brasileira desempenha um importante papel no incentivo ao regime de coproduções internacionais. Embora a primeira iniciativa tenha sido datada de 1963, com a assinatura do acordo bilateral de coprodução cinematográfica entre os governos do Brasil e da Espanha, é a partir de 1995, com o chamado período da Retomada do Cinema Brasileiro, que observamos uma abertura para a ampliação de medidas de internacionalização dos filmes nacionais. Em 47 anos, ou seja, de 1963 até 2010, vários mecanismos foram implementados, além de assinaturas e reformulações de acordos bilaterais e multilaterais. Para compreendermos o papel do Estado na internacionalização do cinema brasileiro, apresentaremos, a seguir, os principais marcos legais e políticos da história da atividade cinematográfica no País.

Em 1990, a produção do cinema brasileiro foi quase abolida no governo de Fernando Collor de Mello, quando foi sancionada a Lei nº 8.029, dispondo sobre a dissolução ou privatização de entidades da Administração Pública Federal, entre elas: a Empresa Brasileira de Filmes S.A. Criada em 1969, a Embrafilme - responsável pela produção e distribuição das obras nacionais - representou, em sua primeira década de atuação, o auge da política cinematográfica brasileira.

Como uma das medidas para diminuir a desigualdade na concorrência entre os filmes nacionais e os estrangeiros, foi proposta a entrada da Embrafilme “na ação no mercado externo através de um consórcio de exportação, além do sistema de coprodução” (AMANCIO, 2000, p. 29). No caso, a coprodução aí tratada refere-se a uma associação entre o produtor privado e o Estado, garantindo à Embrafilme uma “participação societária de 30% de todas as receitas auferidas durante a vida comercial do filme” (AMANCIO, 2000, p. 49).

Nos quatro anos seguintes à extinção da estatal, a atividade cinematográfica brasileira entrou em grave crise. O ano de 1995 tornou-se emblemático. Assinala o início da Retomada do Cinema Brasileiro. A fase de euforia, que segue até 1998, ocorre em consequência principalmente de três fatores: o sucesso e a repercussão do filme “Carlota Joaquina, princesa do Brasil”, da cineasta estreante em longas-metragens, Carla Camurati, cuja obra produzida

com baixo orçamento36 atingiu um público de um milhão e 286 mil espectadores, quando a média para filmes nacionais em 1994 era de 38 mil e 500 espectadores; o início do governo FHC e o aprofundamento do Plano Real; e as comemorações pelos 100 anos do surgimento do cinema no mundo, que ganhou ampla repercussão da mídia, gerando uma grande divulgação dos filmes brasileiros.

Em 1997, os cineastas brasileiros, assim como os de outros países da Ibero América, ganham uma importante ferramenta de fomento: o Programa Ibermedia. O Programa de Desenvolvimento Audiovisual em Apoio à Construção do Espaço Visual Ibero-americano surgiu em conseqüência dos acordos feitos na VII Cimeira Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo celebrada na ilha de Margarita, Venezuela, nos dias 08 e 09 de novembro daquele ano. Neste evento chegou-se à conclusão da necessidade de estimular mecanismos de coprodução de filmes tanto para o cinema quanto para televisão entre os países ibero-americanos.

O Ibermedia é um programa de estímulo à promoção e à distribuição de filmes independentes ibero-americanos; funciona como um fundo financeiro multilateral de fomento da atividade cinematográfica; e faz parte da política audiovisual da Conferência de Autoridades Audiovisuais e Cinematográficas Ibero-americanas (CAACI). Cada país deve contribuir com no mínimo US$ 100 mil anuais. A Espanha, país-sede, é o maior investidor, com US$ 2 milhões por ano. O Brasil é o segundo maior financiador, colaborando com US$ 600 mil anuais. Há ainda 17 países membros que financiam o programa através de cotas anuais: Argentina, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Chile, Equador, Espanha, Guatemala, México, Panamá, Peru, Portugal, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.

O comitê intergovernamental do fundo desenvolve ações em várias modalidades, sendo que a mais importante é o apoio à coprodução de filmes Ibero-americanos. Em 13 anos do programa, 514 projetos de coprodução receberam financiamento, em um montante total de US$ 52.067.298 (cinquenta e dois milhões, sessenta e sete mil, duzentos e noventa e oito dólares). (ZAMBRANO, 2011, em entrevista a esta pesquisadora37).

Para a Espanha, o investimento no Programa Ibermedia significa a abertura da “possibilidade de trabalhar com talentos, com atores e técnicos da Espanha; facilita a possibilidade de se contar histórias de países fora da Espanha. Existe também um tema de       

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O filme custou 400 mil dólares.

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Durante a sua apresentação no Seminário “Difusão, Mercado e Integração das Cinematografias Ibero- americanas: a experiência Ibermedia”, realizado em 27 de setembro de 2011, em Brasília-DF.

interação cultural e o fomento do desenvolvimento, que também tem um grande atrativo” (ZAMBRANO, 2011, em entrevista a esta pesquisadora).

Dentro desse campo aparentemente fértil para realizadores dos países periféricos, alguns pesquisadores têm se empenhado em investigar sobre as implicações ideológicas que envolvem esse processo. Uma das indagações trazidas por Villazana (2009, p. 130, tradução nossa) é “[...] por que os atores e técnicos da América Latina muito raramente são convidados a participar de uma coprodução com a Espanha e o oposto é uma necessidade quando o filme é baseado em qualquer país da América Latina?”. Sobre questões de hegemonia no cinema latino-americano, Villazana considera que o programa “Ibermedia manifesta seu discurso neocolonizador de uma forma bastante sutil”.

[...] a desigualdade rege estas alianças. No entanto, a iniciativa de estabelecer colaborações precisa ser colocada no lugar. Em outras palavras, o projeto atual de elaboração de um bloco que invista em interesses financeiros e culturais dos seus membros é o caminho para começar a quebrar o apego à Hollywood. Mas esta independência é invalidada se um novo tipo de dependência e submissão é criado. (VILLAZANA, 2009, p. 149)

Voltando para o cenário interno, o ano de 2000 é outra data significativa. A atividade cinematográfica volta a enfrentar uma grave crise. Tentando reverter a situação e resolver os problemas da cadeia como um todo, a comunidade cinematográfica se reuniu no 3º Congresso Brasileiro do Cinema (CBC)38, um encontro amplo composto por produtores, distribuidores, exibidores, representantes das emissoras de TVs públicas e privadas, além de críticos e pesquisadores. Um dos resultados mais importantes, entre as 69 resoluções do documento final do Congresso, foi o apoio à criação de um órgão oficial para gerir a atividade cinematográfica, no âmbito do Governo Federal. No ano seguinte, em 2001, atendendo a reivindicação da entidade, é criada a Agência Nacional do Cinema (ANCINE)39, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC). Na época, foi vinculada ao Ministério do       

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O 1º Congresso do Cinema Brasileiro e o 2º Congresso Nacional do Cinema Brasileiro ocorreram, respectivamente, nos anos de 1952 e 1953. O 3º Congresso Brasileiro de Cinema ocorreu no período de 28 de junho a 1º de julho de 2000, na cidade de Porto Alegre (RS), organizado pela Fundacine (Fundação de Cinema do Rio Grande do Sul), tendo como presidente o cineasta Gustavo Dahl (1938-2011), que posteriormente foi convidado a integrar o Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica – GEDIC. Em conjunto com a Casa Civil da Presidência da República, Dahl - como relator do grupo - produziu o plano estratégico da Nova Política Cinematográfica, que contemplava a criação da Agência Nacional do Cinema. Em 2001, Dahl assumiu a presidência da ANCINE, dando uma importante contribuição tanto à sua idealização como à implantação, permanecendo no cargo até o fim do seu mandato em 2006.

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Antes da criação da ANCINE, houve uma polêmica discussão para a possibilidade da criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), autarquia que regularia também o setor de radiodifusão no País. Após reação principalmente das empresas de televisão, o projeto foi abortado, e a função da agência criada ficou limitada à atividade cinematográfica.

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, passando a partir de 2003 a ser vinculada ao Ministério da Cultura (MinC)40.

Antes da criação da ANCINE, o Ministério da Cultura já participava de programas de cooperação internacional, como o Programa Ibermedia ou o Protocolo de Co-produção com Portugal. Ambos, porém, tinham sido desativados. A presença em festivais, mostras e eventos se dava, porém, de forma ocasional e desinstitucionalizada. A Medida Provisória 2228-1 instava a Ancine a atuar nas duas áreas. A percepção de que um país grande como o Brasil, com vocação cinematográfica e uma indústria audiovisual poderosa, não podia estar ausente do mundo, fez com que a ANCINE retomasse a atividade internacional. Jom Tob Azulay e Alberto Flaksman, que por trajetória biográfica eram abertos ao exterior, foram chamados para ocupar- se, respectivamente, da revitalização dos acordos de co-produção e da presença brasileira nos festivais. (DAHL41, p. 07)

Com o surgimento da ANCINE é criado um Grupo de Transição encarregado de preparar a transferência operacional de parte das atividades da Secretaria do Audiovisual (SAv) do Ministério da Cultura para a agência reguladora. Porém, a divisão das atribuições permanece imprecisa.

Em 2009, o Decreto nº 5.711 de 2006 é revogado pelo Decreto nº 6.835, e a SAv ganha novas atribuições. Embora ultrapasse o período analisado nesta pesquisa, cabe destacar que em 2012 o Decreto de 2009 também é revogado, agora pelo Decreto nº 7.743, e as atribuições da SAv ganham novas alterações. Mesmo com as mudanças, continua o choque de competências entre a ANCINE e a SAv.

A ANCINE é uma agência que tem como atribuições o fomento, a regulação e a fiscalização do mercado do cinema e do audiovisual no Brasil. Entre outras funções, cabe à agência “executar a política nacional de fomento ao cinema”, definida pelo Conselho Superior de Cinema, órgão colegiado integrante da estrutura da Casa Civil da Presidência da República. Todas as suas competências são discriminadas na Medida Provisória 2228-1. Abaixo, discriminamos o que se refere às suas funções no âmbito de temas internacionais:

X - promover a participação de obras cinematográficas e videofonográficas nacionais em festivais internacionais;

XI - aprovar e controlar a execução de projetos de co-produção, produção, distribuição, exibição e infra-estrutura técnica a serem realizados com recursos públicos e incentivos fiscais, ressalvadas as competências dos Ministérios da Cultura e das Comunicações;

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Legalmente, a ANCINE continua, até a presente data (10 de junho de 2012), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, de acordo com a MP 2228-1.

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DAHL, Gustavo. Construindo a Ancine. Disponível em: <http://www.ancine.gov.br/sites/default/files/artigos/construindo_ancine_gd.pdf>. Visualizado em: 30 jan. 2012. A data da publicação do artigo não foi informada.

XIII - fornecer Certificados de Registro dos contratos de produção, co- produção, distribuição, licenciamento, cessão de direitos de exploração, veiculação e exibição de obras cinematográficas e videofonográficas;

XV - articular-se com órgãos e entidades voltados ao fomento da produção, da programação e da distribuição de obras cinematográficas e videofonográficas dos Estados membros do Mercosul e demais membros da comunidade internacional;

XXII - promover interação com administrações do cinema e do audiovisual dos Estados membros do Mercosul e demais membros da comunidade internacional, com vistas na consecução de objetivos de interesse comum; e (Redação dada pela Lei nº 12.599, de 2012)

XXIII - estabelecer critérios e procedimentos administrativos para a garantia do princípio da reciprocidade no território brasileiro em relação às condições de produção e exploração de obras audiovisuais brasileiras em territórios estrangeiros. (Redação dada pela Lei nº 12.599, de 2012) (BRASIL, 2001)

Já à Secretaria do Audiovisual cabe, entre outras atribuições42, propor a política nacional do cinema e do audiovisual, que deve ser submetida à aprovação do Conselho Nacional do Cinema; propor políticas, diretrizes gerais e metas para o desenvolvimento da indústria audiovisual e cinematográfica brasileira; promover a participação de obras cinematográficas e videofonográficas brasileiras em festivais nacionais e internacionais; elaborar (antes, de acordo com o Decreto nº 6.835, de 2009, a função era “acompanhar a elaboração de”) acordos, tratados e convenções internacionais sobre audiovisual e cinema; e apoiar ações para intensificar o intercâmbio audiovisual e cinematográfico com outros países; bem como representar o Brasil em organismos e eventos internacionais relativos às atividades cinematográficas e audiovisuais.

A natureza fomentadora da ANCINE a obrigara a dar procedência aos mecanismos de incentivo à produção cinematográfica para não prejudicar a participação do filme brasileiro no mercado, bem como o nível de emprego do setor. Mas o cumprimento do seu papel regulador e fiscalizador era primordial para não reduzir a ANCINE a um cartório. Tornava-se urgente inaugurar a atividade regulamentadora através de Instruções Normativas, bem como a necessidade de monitorar mercados e fiscalizar o cumprimento dos comandos normativos. (DAHL, p. 06)

Instituindo políticas públicas para a cultura nacional em todas as suas nuances, o Brasil dispõe da Lei nº 8.313, conhecida como Lei Rouanet, criada em 1991; e para incentivar especificamente o setor audiovisual, em 1993, foi criada a Lei nº 8.685, conhecida como a Lei do Audiovisual. Esta tem quatro dispositivos principais: a) o artigo 1º - determina que as empresas possam deduzir até 3% do total de seu imposto de renda devido as quantias       

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Atribuições descritas no Artigo 15 do Decreto nº 7.743, de 31 de maio de 2012, que revogou o Decreto nº 6.835, de 30 de abril de 2009.

referentes a investimentos feitos na produção de obras audiovisuais cinematográficas brasileiras, desde que esses investimentos ocorram no mercado de capitais e autorizados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM); b) o artigo 1º A – possibilita aos contribuintes deduzir do imposto de renda devido as quantias referentes ao patrocínio à produção de obras cinematográficas brasileiras de produção independente, cujos projetos tenham sido previamente aprovados pela ANCINE, do imposto de renda devido apurado; c) o artigo 3º - incentiva as distribuidoras estrangeiras a investir na produção nacional, permitindo a dedução de até 70% do imposto sobre suas remessas para o exterior; e d) o artigo 3º A, conforme veremos a seguir.

Em 2006, a Lei Federal 11.437 introduz o Artigo 3ºA na Lei do Audiovisual, treze anos depois de sua criação. O “3ºA” incentiva as empresas de radiodifusão de sons e imagens a participarem da produção e coprodução de obras audiovisuais brasileiras, porém, não vincula os canais de televisão pública, como é o caso do Canal Brasil. Assim, a lei desfavorece as condições de concorrência da TV Pública brasileira em benefício das TVs privadas, aumentando assim a desigualdade concorrencial da TV pública genuína brasileira, que fica com menor poder de produção.

Art. 3ºA. Os contribuintes do Imposto de Renda incidente nos termos do art. 72 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, beneficiários do crédito, emprego, remessa, entrega ou pagamento pela aquisição ou remuneração, a qualquer título, de direitos, relativos à transmissão, por meio de radiodifusão de sons e imagens e serviço de comunicação eletrônica de massa por assinatura, de quaisquer obras audiovisuais ou eventos, mesmo os de competições desportivas das quais faça parte representação brasileira, poderão beneficiar-se de abatimento de 70% (setenta por cento) do imposto devido, desde que invistam no desenvolvimento de projetos de produção de obras cinematográficas brasileira de longa-metragem de produção independente e na co-produção de obras cinematográficas e videofonográficas brasileiras de produção independente de curta, média e longas-metragens, documentários, telefilmes e minisséries. (BRASIL, 2006)

Já o artigo 3° da Lei do Audiovisual, de 1993, ao mesmo tempo em que é um mecanismo importante de fomento indireto à coprodução, desfavorece as distribuidoras independentes brasileiras, já que essas não têm poder de circulação no mercado internacional e têm pouco poder até mesmo dentro do mercado interno brasileiro. Observa-se ainda que as grandes redes de exibição instaladas nos shoppings centers do Brasil são vinculadas a marjors norte-americanas, como é o caso da maior rede de exibição em atividade no Brasil e na América Latina, a Cinemark. A lógica do artigo 3º é a de que as majors, detendo parte dos direitos patrimoniais da obra, possam se interessar também em distribuí-la. Por outro lado,

para diminuir tal disparidade, a política cinematográfica brasileira dispõe de um aparato para apoiar as distribuidoras com capital nacional, estas podem recorrer ao Prêmio Adicional de Renda, ao Fundo Setorial do Audiovisual ou a editais de comercialização promovidos por empresas estatais.

As majors estão ligadas às seis principais produtoras/distribuidoras norte-americanas, dominando o mercado cinematográfico mundial. “No Brasil, temos quatro grupos/empresas em atuação: Warner, Fox, Paramount (que também distribui os títulos da Universal) e Columbia Tristar Buena Vista Filmes do Brasil Ltda, que distribui as obras da Sony e da Disney” (ANCINE, 2011, p.24).

As distribuidoras majors foram responsáveis por 30% dos títulos exibidos nos cinemas em 2010, e conquistaram 71% do público. Entre as obras brasileiras, as majors distribuíram 21% dos títulos e totalizaram 25% dos espectadores. Dois títulos, brasileiros, foram distribuídos por uma parceria entre uma major e uma independente (Chico Xavier, da Downtown/Columbia e 5 Vezes Favela da Columbia/Riofilme). [...] No Brasil, as duas maiores empresas de exibição do país, Cinemark (multinacional norte-americana) e Grupo Severiano Ribeiro (capital nacional), respondem por quase metade da receita das salas de cinema no país que, em 2010, superou a marca de R$1,2 bilhão. (ANCINE, 2011, p. 27) Enquanto, por um lado, a gestora da atividade cinematográfica brasileira, a ANCINE, defende o mercado interno como prioridade, o marco regulatório legitima o poder hegemônico das majors e oferece o incentivo previsto no artigo 3°, que aumenta o poder de produção das majors.

Outro mecanismo que promove o incentivo à coprodução é o Art. 39 da MP 2.228-01, que criou a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica (CONDECINE). O artigo prevê isenção da contribuição a programadoras internacionais que optem por aplicar o valor correspondente a 3% dos rendimentos ou remuneração decorrentes da exploração de obras cinematográficas ou videofonográficas ou por sua aquisição ou importação a preço fixo, em projetos de produção ou coprodução de obras cinematográficas e videofonográficas brasileiras de longa, média e curtas-metragens de produção independente, além de telefilmes, minisséries, documentário, ficção, animação e programas de televisão de caráter educativo e cultural, brasileiros de produção independente, aprovados pela ANCINE.

Com o objetivo de ampliar a participação do audiovisual brasileiro no mercado internacional, tendo como um dos motes a realização de coproduções, foi criado, em 2006, o Programa “Cinema do Brasil”, pelo Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (SIAESP) e financiado pela Agência de Promoção de Exportações e Investimentos

(APEX-Brasil) e pelo Ministério da Cultura. Posteriormente, o Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores e a ANCINE também se tornaram parceiros do Programa, que atualmente reúne cerca de 140 empresas, participa de festivais e promove encontros com representantes de diversos países. A atribuição do Programa tem sido oferecer apoio logístico e estratégico para que os produtores associados possam realizar coproduções e abrir mercados no exterior para a distribuição dessa produção. Sobre o contexto em que surgiu o Programa, o idealizador André Sturm, em entrevista a esta pesquisadora, explica:

Eu ia para os festivais em Berlim, Cannes e outros e comecei a perceber o crescimento das coproduções internacionais dos filmes europeus, argentinos e de alguns países do Oriente. Muitos deles em coprodução com a França, com a Espanha e com a Alemanha. Não havia filmes brasileiros. A presença do cinema brasileiro era pífia nos festivais internacionais. De vez em quando eu via um produtor brasileiro perdido em festivais tentando fazer umas reuniões. Claro que duas ou três pessoas já estavam conseguindo caminhar nesse mundo, mas se você pensar em uma coisa mais estruturada ou mais significativa, não havia. Então, achei que era importante criar alguma coisa para isso. Eu era presidente do sindicato da indústria aqui de São Paulo e propus à APEX criar esse programa “Cinema no Brasil”. A APEX, que é a agência de promoção de exportações, concordou. Fomos ao Ministério da Cultura, eles também decidiram apoiar, e começamos então o programa há cinco anos. (STURM, 2011, em entrevista a esta pesquisadora)

Sobre como tem sido a atuação do programa, Sturm diz:

Montamos stands em alguns mercados que acontecem simultâneos em festivais. Quando fazemos isso montamos também pacotes que subsidiam a ida dos produtores, o que é importante. Compramos passagens reservamos hotéis e credenciais, e com isso conseguimos fazer com que os produtores começassem a ir regularmente para os mercados. Porque uma coprodução internacional é um processo, é demorado. Faz-se uma parceria que no começo não é concreta, tem que conversar com a pessoa, ambos colocarão dinheiro onde alguém irá coordená-lo, tem que ter confiança. Tem também que ter alguma sintonia artística nesse projeto. É importante que os produtores continuem indo aos mercados encontrando as pessoas e sendo vistos. Aos poucos os agentes internacionais que estão envolvidos nas coproduções começam a ver que aquelas pessoas são pessoas sérias. Afinal, continuam a vê-los repetidamente nos mercados. Percebem que não é um chutador, não é um aventureiro, e que é alguém profissional alguém que está investindo naquilo. Outro motivo o produtor brasileiro encontra um produtor internacional, eles se dão bem e vêem que tem um pensamento parecido, mas naquele momento não há um projeto que possa ser uma coprodução entre os dois. Entretanto, pode-se ir investindo nessa relação até que de repente em um ou dois anos surja um projeto que combina com ambos que