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1. Língua/linguagem, cultura e comunicação

1.1. O conceito de língua/linguagem

A língua não se confunde com a linguagem. A língua é apenas uma parte social da linguagem. Segundo Saussure (1966, p.25), a língua é «um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para possibilitar o exercício de tal faculdade pelos indivíduos. Considerada na sua totalidade, a linguagem é multiforme e heteróclita; cavalgando sobre diferentes domínios, ao mesmo tempo físico, fisiológico e psíquico, ela pertence ainda ao domínio individual e ao domínio social; ela não se deixa classificar em nenhuma categoria dos fatos humanos, e é por isso que não sabemos como determinar a sua unidade. (...) A língua é um todo em si mesmo e um princípio de classificação. Uma vez que nós lhe atribuímos o primeiro lugar entre os fatos da linguagem, introduzimos uma ordem natural num conjunto que não se presta a nenhuma outra classificação.»

Entende-se assim por «língua» um meio que qualquer ser humano utiliza para realizar uma atividade sociocultural básica, cuja estrutura serve a uma função cognitiva ou comunicativa. Embora a língua não seja considerada como única ferramenta a ser utilizada no processo da comunicação, ela produz os significados das palavras que servem para realizar a função interpessoal da linguagem. A teoria funcionalista considera a língua como um instrumento funcional de comunicação – um instrumento de interação social – que tem de funcionar comunicativamente. Cada abordagem funcionalista de uma língua tem como problema básico o de verificar como se obtém a comunicação com essa língua, isto é, a verificação do modo como os falantes da língua comunicam eficientemente. Por isso, todo o tratamento

funcionalista de uma língua põe sob exame a competência comunicativa. Segundo Lima, Martinez e Filho (1979, p.13), a língua é um produto cultural, em parte, produto e, em parte, condição de cultura. «A língua tem de criar constantemente novos substantivos, categorias, formas de expressão, de aperceber e definir novas relações. Tem de ser capaz de integrar novas funções e necessidades, culturais, sociais e críticas. São essas adaptações que constituem não só a história de uma língua como a prova da sua vitalidade» (Macedo, 1983, p.55).

Os falantes usam a linguagem como um meio de participar num ato de fala, as pessoas expressam os seus pensamentos pessoais e estabelecem relações entre si através da comunicação. Trata-se da linguagem como um ambiente estruturado onde os elementos são carregados de significado cultural. Krashen (1993, p.103) aponta que «a linguagem é produção humana acontecida na história; produção que – construída nas interações sociais, nos diálogos vivos – permite pensar as demais ações e a si própria, constituindo a consciência». Na história da comunicação humana, a linguagem tem também uma função social e comunicativa, pois é através da língua que se adquirem conceitos sobre o mundo, adaptando-se da cultura e da experiência dada pela sociedade de onde essa língua vem. É a linguagem a forma como se constitui a identidade pessoal, regional, étnica e cultural de ser humano. O estudo da língua é essencial e, sem ele, não podemos avançar muito na área da linguagem.

A linguagem, que se expressa através da língua, tem as suas funções. Pode ser verbal ou não-verbal. As pessoas fazem uso da linguagem verbal e também da não-verbal para comunicar. A linguagem verbal, que é a estudada pela linguística, é o código que utiliza a palavra falada ou escrita; qualquer outro código que não utilize sinais verbais, nem palavras, é a linguagem não-verbal. No nosso trabalho, dá-se mais atenção à investigação sobre o processo de ensino-aprendizagem da linguagem verbal, como forma de estabelecer uma comunicação intercultural eficaz, usando as línguas. Considera-se a linguagem como base para a antropologia filosófica desde o século XX, um dos primeiros frutos da semiótica moderna. Morris (1975, p.235) afirma que

«tudo que é caracteristicamente humano depende da linguagem. O ser humano é, em primeira instância, o animal falante. O discurso representa o mais essencial – mas não o único – papel no desenvolvimento e na preservação da identidade humana e de suas aberrações, assim como faz no desenvolvimento e na manutenção da sociedade e de suas aberrações».

A LE, no nosso trabalho, tem o sentido de uma outra língua inserida numa outra cultura, de um outro país, pela qual se desenvolve um interesse autónomo ou institucionalizado (por exemplo, o ensino em universidades) em conhecê-la ou em aprender a usá-la. A aprendizagem de uma LE inclui o estudo de todo o conteúdo das culturas que lhe estão associadas. Uma língua muda com o tempo e o pensamento. A linguagem dá a imagem da cultura e depende do meio social em que os conceitos são desenvolvidos e construídos de maneira diferente ao longo do processo histórico. Tylor (1977) entendia a linguagem como parte da cultura.

A palavra «língua/linguagem» em chinês simplificado é «语言» (yǔ yán) ou « 话» (huà); em chinês tradicional é «語言» ou «話». O caracter «语» ou «語» representa «palavra», «língua natural», «linguagem corporal», «provérbio», «falar» e «dizer». (Moderno dicionário de LC, 2010, p.2427) Antigamente, este caracter significava «minha palavra» e «minha voz», pois o radical «讠» ou «言» tem o significado de «palavra» e «voz»; o radical do lado direto «吾» é «eu», «meu» e «minha», a palavra «语言» pertence à categoria «ideogramas compostos». O caracter «话» significa «linguagem» e «falar/dizer» (Moderno dicionário de LC, 2010, p.776). O radical “舌” representa «língua» (órgão dentro da boca). A diferença entre «语言/語 言» e «话/話» é evidente. Os chineses usam «语言/語言» como um instrumento de comunicação que pode ser entendido como um código e um sistema simbólico. Por sua vez, geralmente a palavra chinesa «话/話» usa-se para referir o processo de comunicação entre pessoas e as palavras que são ditas. «语言/語言» tem um significado mais amplo do que «话 / 話 ». « 语 言 / 語 言 » pode ser o meio da comunicação e também linguagem escrita, falada, gestual, etc., mas «话/話» está

ligado sempre ao órgão – língua –, ou seja, tem de se referir sempre às palavras com voz. Por exemplo, em chinês, pode dizer-se «falar+话»,e «usar /aprender+语言». Quando uma pessoa diz «aprender+话», isso significa que aquela pessoa quer repetir o que as outras pessoas falam. O conceito de «língua» na China é absolutamente igual ao de Portugal, mas a expressão de «língua» em chinês divide-se em duas formas. Porém, a palavra «linguagem» tem uma outra forma em chinês que é «言语/言語» (yán yǔ), usando-se mesmo os dois caracteres chineses da palavra «língua» (语言/語 言) em ordem contrária, ou seja, refere-se a atividades para aprender e usar língua, tendo funções comunicativas, simbólicas e generalizadas.

Na China, a língua oficial é o mandarim, mas quando dizemos que uma pessoa fala chinês, não quer dizer só o mandarim, porque existem na China 129 dialetos. O mandarim, antigamente, era também um dialeto, que se tornou a língua padrão/oficial da China em 1956. Todos os chineses usam os mesmos caracteres chineses (caracteres simplificados ou caracteres tradicionais), mas as pessoas de diferentes regiões têm ainda dificuldade em realizar a comunicação, ou nem mesmo conseguem comunicar na língua falada, porque as pronúncias desses dialetos têm grandes diferenças. Reconhecemos que falar a mesma língua não é uma condição suficiente para que exista comunicação com o outro. Na China, para se compreender melhor as pessoas de diferentes regiões, é preciso dar tempo para o estabelecimento da comunicação; respeitar o ritmo e o estilo dos dialetos. Em síntese, a visão descrita anteriormente apresenta, na cultura chinesa, a língua como um instrumento de fala e sistema de comunicação entre pessoas, que está inicialmente ligada à voz humana, à língua de sinais ou à linguagem corporal. A linguagem que usamos no dia a dia não é apenas puramente um código mas também uma personalidade cultural com a finalidade principal de estabelecer e manter relações sociais.

O fenómeno da linguagem humana é um exercício da fala em sociedade. Os seres humanos são conhecidos por terem a linguagem na sua natureza. Borba (2003, p. 45) assume que «a linguagem humana é apenas uma aptidão ou capacidade que se

manifesta por meio de conjuntos organizados e que se chama língua e de que as comunidades se servem para a interação social». Uma língua pode servir para comunicação de grandes dimensões desde a casa, a rua até a escola, o trabalho e outros meios culturais. «(...) linguagem é, ao mesmo tempo, o principal produto da cultura, e é o principal instrumento para sua transmissão» (Soares, 2002, p.16). Percebe-se que a língua é veiculadora de ideologias e intenções. Na área do ensino-aprendizagem de uma LE, os educadores devem ter a consciência de que a transmissão de conhecimento não inclui só as regras da língua (gramática), mas os diversos conceitos de língua, de linguagem, de cultura e de comunicação intercultural, uma vez que os alunos recebem uma LE e, ao mesmo tempo, uma cultura diferente.

Como toda a gente usa a mesma gramática chinesa, o que causa a dificuldade de comunicação é a pronúncia. Considera-se que a língua tem um papel fulcral no desenvolvimento pessoal e cultural do indivíduo, pois é um elemento básico da identidade das pessoas nas suas relações com os outros.

Vivendo nós numa sociedade multicultural e multilingue, o multiculturalismo passa, em primeiro lugar, pela consciência de que uma língua é naturalmente multicultural, um espelho bem multifacetado de culturas. A falta da consciência deste fato leva certamente a muitos mal-entendidos. O ensino de LE tem a responsabilidade de apresentar as dificuldades de interação entre duas culturas distintas/línguas diferentes e a necessidade de uma preparação intercultural, e também de mostrar o que é necessário para facilitar essa interação e abrir um caminho para se chegar a uma preparação intercultural. O foco do nosso ensino, nesse momento, não é apenas as construções e as regras da língua, mas a melhor forma de se comunicar com um enfoque mais cultural.