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O Conhecimento e Reconhecimento da Le

4.1.1.1.1 A Posse da Coisa

4.3.2 A Sociedade Civil

4.3.2.2 A Administração da Justiça

4.3.2.2.2 O Conhecimento e Reconhecimento da Le

A obrigatoriedade em face da lei inclui a necessidade de que as leis sejam dadas a conhecer universalmente. Esse é um direito da subjetividade. Não conferir a todos o conhecimento das leis, “enterrá-las num vasto aparato de livros eruditos, de compilações de decisões resultantes de juízos e opiniões discordantes, de costume”, 363 é, para Hegel uma

injustiça, pois torna o conhecimento do direito acessível somente àqueles que doutamente a ele se dedicam. Ao contrário, dar a um povo um código definido e ordenado é um grande ato de justiça e também uma necessidade já que as leis para que sejam obedecidas, devem ser conhecidas por todos.

361 Ibidem, § 214, Nota, p. 40. 362 Ibidem, § 214, Adendo, p. 41. 363 Ibidem, § 215, p. 41.

As leis, segundo Hegel, devem constituir um todo fechado e acabado. Sempre existe, contudo, a carência contínua de novas leis. Esta contradição, no entanto, desaparece com a especificação dos princípios universais que permanecem imutáveis no direito. Assim, o direito está inteiramente contido em um código que contempla esses princípios universais, independentemente da sua aplicação. Exigir de um código a perfeição, querer que ele constitua algo inteiramente acabado, completo, ou querer impedi-lo de atingir a existência imperfeita é, para Hegel, um erro daqueles que desconhecem a natureza dos objetos finitos (são inacabados), “onde a exigida perfeição constitui uma aproximação perpétua”.364 Não se deve exigir a perfeição dos códigos, pois, dessa maneira, nada se leva adiante. Nenhum código é perfeito. Como a própria aplicação da lei que exige a consideração da contingência, também toda a legislação necessita ser continuamente

completada para que atenda a contingência que se apresenta em determinada realidade

histórica.

Como na sociedade civil, o direito em si se torna lei, o pressuposto para a estabilidade jurídica na esfera da sociedade é, portanto, que o direito privado seja efetivamente conhecido e reconhecido. Daí que nessa esfera a propriedade se funda no contrato e nas formalidades que a tornam susceptível de prova e lhe dão validade jurídica.365 Assim, as modalidades primitivas e imediatas de aquisição da propriedade, bem como seus títulos, desaparecem na sociedade civil, ou permanecem apenas como momentos contingentes e limitados. Desaparece também a vontade puramente subjetiva para conceder lugar à vontade objetiva manifesta pela forma da lei. Aqui são superadas as formas imediatas da vontade livre apresentadas no domínio do direito abstrato. A vontade subjetiva, ao ser reconhecida e validada pelo direito, passa a ser vontade universal.

Na esfera da sociedade civil, a lei é o direito posto como aquilo que o direito era em si. Aqui o direito de propriedade como direito em si precisa ter reconhecimento universal. Por isso, a propriedade na sociedade civil tem de estar assegurada pelo contrato e outras formalidades conforme a lei, que vão lhe conferir validade de título jurídico de reconhecimento universal. Hegel rejeita a posição de quem é contra as formalidades legais, por tomar o abstrato como essencial. Seu argumento é de que a essencialidade da forma

364 Hegel. Princípios da Filosofia do Direito, op. cit., § 216, Nota, p. 202. 365 Hegel, G. W. F. A Sociedade Civil, op. cit., § 217, p. 43.

está em reconhecer que aquilo que em si é direito seja também posto como direito. Para ele, só a forma pode dar a vontade a segurança, a firmeza e a objetividade que ela necessita para ser reconhecida. Assim, pela forma da lei o direito em si é direito posto; é direito reconhecido por todos.366

Em razão de a propriedade e a personalidade, na esfera da sociedade civil, terem reconhecimento jurídico, o crime, que no direito abstrato era apenas uma ofensa à vontade subjetiva, passa a ser também, nesse domínio, uma violação da vontade universal. Desse modo, o crime deixa de ser somente uma ofensa à liberdade da pessoa (um in-justo), para se tornar também uma violação do universal (da lei) efetivamente reconhecido por todos. Com essa concepção, Hegel apresenta o ponto de vista do perigo social que representa uma ação criminosa. Para ele, o crime vai ser punido em razão do perigo que impõe à sociedade. Daí resulta que a periculosidade da ação criminosa diminui na medida em que a sociedade se torna mais segura de si mesma, o que vai permitir maior moderação na punição do crime.367

O fato de, em um membro da sociedade, vítima de um crime, estarem ofendidos todos os seus demais membros, altera a natureza do crime não apenas em seu conceito, mas também em face de sua existência exterior. O crime ofende a representação e a consciência da sociedade civil e, portanto, não fica apenas na esfera subjetiva do ser que é diretamente atingido. Assim, o crime que é, em si, em seu conceito, uma ofensa infinita à subjetividade, deve ser avaliado como um fato existente, pois, somente a vontade existente pode ser lesada pela ação criminosa. Daí decorre que, nessa avaliação, deva ser o crime também considerado, conforme uma vontade existente seja violada em toda sua extensão, ou somente em parte, de acordo com uma determinação qualitativa e quantitativa. Assim, na esfera da sociedade civil, como o crime é uma violação à vontade universal existente, o perigo social é um meio para determinar a medida do crime, em termos qualitativos ou quantitativos.368

Assim, a pena imputável a determinado crime é variável em decorrência do estádio de civilização em que se encontra a sociedade civil. Para Hegel, é este estádio que vai justificar a pena, ou seja, que vai legitimar uma pena de morte para um roubo de alguns vinténs (legislações draconianas), ou uma pena mais suave para um roubo de mil vezes

366 Ibidem, § 217, Adendo, p. 44. 367 Ibidem, § 218, p. 44-45.

mais vinténs. Ele entende que determinar a pena conforme o ponto de vista do perigo social, embora pareça agravá-la, é, ao contrário do que se pensa, o que mais contribui para diminuir a severidade da pena. Hegel reconhece que um código penal pertence essencialmente a sua época, e ao estádio em que se encontra a sociedade civil nessa época. Portanto, penas duras não são em si algo injusto, mas estão em conformidade com a situação de insegurança vivida pela sociedade em determinada época. Daí que o crime, como existência aparente, pode atrair para si maior ou menor repulsa da sociedade. É por isso que, para Hegel, um código penal não pode valer para todas as épocas.369