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4.1.1.1.1 A Posse da Coisa

4.3.2 A Sociedade Civil

4.3.3.1 O Direito Político Interno

O Estado, para Hegel, é o lugar da liberdade concreta, isso porque é uma determinação da realização particular e universal do indivíduo. A condição para que a liberdade concreta se realize, no entanto, consiste em que os indivíduos tenham, nos sistemas da família e da sociedade civil, o pleno desenvolvimento de suas particularidades e o reconhecimento de seus direitos, ao mesmo tempo em que compreendem o interesse universal como seu particular espírito substancial, para o qual “agem como seu último fim”. 416 Realizar a liberdade concreta, portanto, não é garantir apenas os interesses particulares, mas significa integrá-los à universalidade. Nessa unidade, o interesse do Estado como universal não é distinto dos interesses individuais. O Estado se configura como um todo ético em que o direito de cada parte que o constitui é assegurado. Há no Estado uma conexão íntima entre o particular e o universal.

Ao formular sua filosofia política, Hegel pensava o seu tempo. Assim, procurou resolver nela o desafio que se apresentava à sua época, que era pensar a unidade entre indivíduos e Estado, que naquele momento histórico começava a ser gerada, como resultado do processo da Revolução Francesa que tinha oposto os indivíduos ao Estado, o que resultou por impedir a realização da liberdade. Hegel pensa esse novo Estado, que surge desse momento histórico como forma capaz de conciliar a liberdade individual, tão cara aos tempos modernos, com a vontade universal. Segundo ele, essa é a idéia de Estado trazida pelos acontecimentos revolucionários da época moderna. Portanto, o princípio do Estado moderno é, para sua filosofia política, a unidade da vontade universal com a plena

415 Hegel. Princípios da Filosofia do Direito, op. cit., § 259, p. 232-234. 416 Ibidem, § 260, p. 233.

liberdade individual. A força desse Estado reside em ser o lugar do livre desdobramento das particularidades e do reconhecimento dos direitos individuais, ao mesmo tempo em que é o universal, que reconduz o princípio da subjetividade à unidade substancial.417 Daí que não cabe o argumento de que Hegel privilegia o princípio da universalidade, que se imporia sobre o princípio da subjetividade. Para ele, os indivíduos são a alma do Estado, concebido como a efetivação da idéia da liberdade, logo, como aquele que respeita os direitos individuais, não podendo, portanto, ser confundido com um Estado autoritário.

Hegel não deixa dúvida de que concebe o Estado como o lugar da unidade dos interesses individuais com os da universalidade e dispõe como condição, para que a liberdade se realize, que a particularidade se desenvolva e tenha seus direitos reconhecidos, ao mesmo em que os interesses individuais se convertem por si mesmos em interesse geral. Concretizar, pois, a liberdade não significa apenas realizar a liberdade individual, mas integrar os interesses particulares à universalidade. Assim é que, na sua concepção de Estado moderno, o universal está unido ao particular, e um somente é em razão do outro.

O Estado é, em face da família e da sociedade civil, uma necessidade exterior e o poder mais alto, porque a ele estão subordinados as leis e os interesses próprios desses domínios. Ao mesmo tempo, é também para esses dois domínios seu fim imanente, e tem sua força na unidade do seu fim universal e o interesse particular dos indivíduos. Esta unidade é expressa em terem a família e a sociedade civil deveres para com o Estado, na medida em que também têm direitos e vice-versa.418 Conforme Hegel, é essa restrição que torna possível a realização da liberdade.

Portanto, é o sistema de direitos e deveres que vai articular as relações de direito político interno entre a família e a sociedade civil com o Estado, considerado em sua individualidade. A unidade substancial entre o Estado e suas partes constitutivas manifesta- se politicamente pelo sistema de direitos e deveres. Estes se encontram reunidos no Estado em uma só e mesma relação. Do ponto de vista formal, direito e dever são idênticos, na esfera do Estado, mas, do ponto de vista do conteúdo, existe uma diferença entre direito e dever, que decorre das figuras que constituem o Estado.

417 Ibidem, § 260, p. 233.

Na esfera do direito abstrato e da moralidade, nas quais a liberdade é ainda abstrata e as relações são privadas, não há uma diferença, nem de forma nem de conteúdo, entre direitos e deveres, visto que ser direito para um, ter de ser direito para o outro, e o que é dever para um, será também dever para o outro (o direito de propriedade de um é o dever de reconhecer a propriedade do outro; e vice versa). Essa identidade absoluta de direito e dever (a cada direito corresponde um dever de igual conteúdo; e vice-versa) só ocorre como similitude do conteúdo, e tem por condição ser o conteúdo do direito e do dever completamente universal, isto é, ser a liberdade pessoal do homem “o único princípio do direito e do dever”.419 Daí Hegel dizer que o escravo não tem dever porque não tem direito, e não tem direito nem dever porque não é um homem livre.

Na esfera da eticidade, na qual a liberdade se efetiva, a relação formal entre direito e dever permanece igual, mas as determinações do direito e do dever apresentam uma diferença de conteúdo. É assim que, na esfera da família, os filhos não têm direitos, em relação ao pai, com os mesmos conteúdos dos deveres (o filho tem direito à educação e dever de obediência ao pai), como também o cidadão não tem um direito, com o mesmo conteúdo de um dever, diante do Estado (o cidadão tem direito a saúde e dever de pagar impostos). O direito de cada um (filho, pai, cidadão), no âmbito da moralidade objetiva, não corresponde imediatamente a um dever da vontade particular para com o universal. De forma mediata, entretanto, há uma correspondência entre direitos e deveres, pois, ao procurar cumprir o seu dever, o indivíduo deve encontrar também seu interesse particular, e sua satisfação, no que lhe advém da coisa publica como direito, e que, para ele, é uma coisa particular. Assim, o particular se satisfaz no universal.

A identidade entre direitos e deveres, para Hegel, é a condição mais importante para a força interna de um Estado particular. Por isso, conforme Hegel, o Estado não deve menosprezar o interesse particular, este deve ser conservado em concordância com o interesse geral, para que um e outro sejam assegurados pelo sistema dos direitos e deveres. O indivíduo que está subordinado ao Estado pelos deveres, ao cumpri-lo como cidadão, obtém a proteção da sua pessoa e da sua propriedade, “o respeito pelo seu bem particular e

419 Ibidem, § 261, p. 235.

a satisfação da sua essência substancial, a consciência e o orgulho de ser membro de um todo”.420

Essa identidade de direitos e deveres se funda sobre um princípio universal: o da liberdade do homem. É ele que garante as relações jurídicas de direitos e deveres do Estado perante os indivíduos; e vice-versa. Os direitos e deveres são os momentos apontados por G.W.F. Hegel mediante os quais o Estado se concretiza politicamente. A relação entre direitos e deveres, em sua compreensão, é a única na qual se dá a relação entre indivíduos livres e Estado. É nessa relação, segundo Hegel, que os deveres para com o Estado são também a existência da liberdade particular. Daí que o Estado não é opressão da particularidade, mas a esfera de sua realização. O sistema de direitos e deveres interno de um Estado, no qual há a correspondência entre direito e dever, é a garantia da realização da liberdade.

Hegel insiste na concepção de que a família e a sociedade civil são momentos da idéia do Estado que constituem seu aspecto empírico e finito. É por meio dessas esferas que o Estado sai de sua idealidade e se torna uma universalidade concreta; um espírito real infinito.421 A família e a sociedade civil são o aparecer do Estado ideal que se apresenta a si por meio da concretização de suas próprias figuras. Essa é a forma de Hegel apresentar o Estado como totalidade orgânica, como relação entre o todo e as partes. Os indivíduos alcançam sua realidade finita e particular como membro da família e da sociedade civil, e sua realidade universal (infinita) como membro do Estado. Desse modo, os interesses particulares dos indivíduos se conservam nos interesses e fins universais. O Estado, como totalidade na qual estão compreendidos os interesses particulares e universais dos indivíduos, apresenta-se como o lugar onde o indivíduo se torna plenamente livre. Daí dizer Hegel que o Estado é a efetivação da liberdade concreta. Isso significa que o Estado, como reino da liberdade realizada, é o lugar de realização do conceito do direito.

O Estado, como organismo de direito político interno, tem na mútua restrição de direitos e deveres o critério indicado para assegurar a unidade da particularidade e da universalidade, no seu interior. Se no Estado o indivíduo tem direitos na medida em que tem deveres e vice-versa, então, os deveres não vão além dos direitos; o conteúdo do dever

420 Ibidem, § 261, p. 236.

está restringido de maneira recíproca ao conteúdo do direito. É essa restrição a condição de possibilidade de identidade do particular com o universal, ou seja, da realização da liberdade. De acordo com Hegel, a realização da liberdade do indivíduo está condicionada à liberdade universal concreta que se realiza nas instituições sociais e políticas do Estado, por isso não há liberdade absoluta como fruto da vontade abstrata do homem. A realização da liberdade está restringida ao sistema de direitos e deveres, portanto, limitada à esfera interior do Estado. Isso, contudo, não significa a eliminação da particularidade. Esta é garantida exatamente pela relação recíproca entre direito e deveres, que é o critério para a realização da liberdade concreta.

4.3.3.1.1 A Constituição Política

O Estado como totalidade orgânica é uma unidade individual que está, na sua interioridade, em uma relação consigo mesmo por meio de seus poderes diferenciados, e na sua exterioridade, em uma relação de exclusão com os outros Estados. Isso significa que o Estado, como unidade individual, deve ser apreendido do ponto de vista interno e externo. A Constituição política, como ser aí do direito político externo, é esse duplo processo pelo qual passa o Estado que, por um lado, em relação a si mesmo, se diferencia no seu interior e dá existência exterior aos seus momentos, e, por outro lado, como unidade exclusiva, apresenta-se em sua relação com os outros Estados.422 Assim, a Constituição política é a unidade desse duplo processo, a saber: de diferenciação de si (soberania interna) e de identificação de si (soberania externa).