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Hegel afirma ser destino próprio da assembléia representativa conferir direito ao

fator de liberdade formal (à opinião) dos membros da sociedade civil que não participam

no governo. Para isso, no entanto, é preciso informá-los sobre os assuntos públicos, para que sobre estes sejam convidados a deliberar. Para atender tal exigência, porém, é necessário universalizar a informação por meio da publicidade das deliberações e decisões das assembléias.471 Isso não quer dizer, contudo, que as assembléias dos estados se apresentam como órgãos que refletem a mera opinião pública, como expressão da liberdade subjetiva dos indivíduos que, como tais, têm o direito de formular sua opinião sobre o universal. Ao contrário disso, a opinião pública se forma ao ser informada sobre os debates da assembléia representativa.

Somente mediante tal informação, segundo Hegel, a opinião pública é capaz de atingir o verdadeiro pensamento do que é o conceito do Estado e dos seus assuntos. Só, assim, a opinião pública pode alcançar a capacidade de julgar racionalmente os assuntos de interesse público e aprender a conhecer e a valorizar a ocupação, o talento, a virtude e a aptidão das autoridades do Estado e de seus funcionários. Estes, por sua vez, têm na opinião pública um teatro para se honrarem. Na opinião pública têm os indivíduos um dos mais importantes meios de educação.472

Desse modo, no conjunto de fenômenos a que se chama opinião pública manifesta- se à liberdade subjetiva formal de os indivíduos exprimirem seus juízos, a própria opinião sobre os assuntos políticos. Na opinião pública se dá a unidade entre o que é substancial e

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Ibidem, § 313, p. 292-293.

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verdadeiro e o que é irracional e falso; entre o essencial e o inessencial. Nisso está a contradição imanente à opinião publica, enquanto conhecimento como aparência.473 Contém, portanto, a opinião pública, os princípios eternos da justiça e da vida coletiva em geral, na forma de bom senso, e também os princípios morais imanentes a todos, na forma de preconceitos. Encerra, também, as verdadeiras carências e as tendências profundas da realidade, ao mesmo tempo em que absorve tudo o que há de contingente na opinião, sua incerteza e perversão (o mal), bem como os falsos conhecimentos e juízos. Contra a crença da originalidade de uma opinião, ou seja, de uma opinião própria, Hegel assinala que o mal que contém uma opinião em nada se relaciona com a opinião em si, mas com o que há de

completamente particular em seu conteúdo. Por isso, quanto pior for seu conteúdo, mais

própria será ela do indivíduo, pois “o particular é aquilo em que a opinião se baseia”.474 Por mais paixão que se ponha no que se imagina ser uma opinião verdadeira, por mais sérias que sejam as afirmações, os ataques e os combates, não é isso um critério para avaliar aquilo de que na realidade se trata. Jamais quem tem uma opinião de tal modo seriamente defendida se convencerá de que a sua séria aparência não constitui a verdade. Hegel quer chamar atenção para o caráter de infinita verdade e infinito erro que se unem na opinião pública, de forma a não se poder atribuir, nem a um nem ao outro, autêntica seriedade. Ele diz que a resposta ao problema, expresso por Frederico II “O Grande”, sobre se “É permitido enganar o povo”, deveria ser que um povo não se deixa enganar no que é seu fundamento substancial, sua essência, mas que ele se engana a si mesmo quanto aos modos de conhecê-lo (o fundamento substancial), e quanto aos juízos que formula sobre suas ações e os fatos delas decorrentes.475

Daí decorre que a opinião pública tanto merece ser apreciada quanto desdenhada. Apreciada na sua essência, que só mais ou menos aparece na manifestação concreta (no fenômeno), e desdenhada como expressão da consciência concreta imediata. Como a opinião pública, em si mesma, não possui a capacidade de elevar a um saber verdadeiro o que tem de substancial, Hegel aponta como condição formal para se fazer algo de grande e racional, tanto na ciência como na realidade, ser independente dela. Para ele, a opinião 472 Ibidem, § 315, p. 293.

473 Ibidem, § 316, p. 294. 474 Ibidem, § 317, p. 294. 475 Ibidem, § 317, Nota, p. 295.

pública reconhecerá a grandeza da ação realizada a sua revelia.476 Não se deve ver aqui, porém, nenhum desprezo pela opinião pública, por parte de Hegel. Trata-se, apenas, de admitir que a impossibilidade de elevar o fundamento substancial da opinião pública a um saber definido (porque aquele está sempre ligado ao inessencial) não deve impedir uma grande ação, que deve se realizar independente dela. Uma grande ação deve desdenhar da opinião publica porque esta em geral expressa as considerações da contingência, e não o seu fundamento substancial.

Em Hegel, a opinião pública, conforme seu conceito, é algo necessário, visto conter um elemento essencial, embora este se expresse de forma inadequada, mediante o fenômeno, não sendo possível separar o essencial do inessencial. Hegel defende a universalização da informação por meio da publicidade das deliberações públicas, das quais participam os membros da sociedade com suas opiniões. Daí que as decisões do Estado não podem ser impostas aos cidadãos, uma vez que estes devem reconhecê-las também como suas. Isso significa que a opinião pública, ao avaliar a ordem de razões que fundamenta as deliberações públicas, concretiza uma liberdade subjetiva que questiona qualquer decisão pertinente à totalidade do corpo social. É por isso que Hegel diz ser a opinião pública o meio mais importante de educação política dos cidadãos.

A liberdade da comunicação pública, da qual a liberdade de imprensa é um dos meios, segundo Hegel, obtém a sua garantia direta nas leis e disposições administrativas, que também previnem e punem seus excessos,477 quando da violação da honra dos indivíduos em geral, do escárnio das leis, das incitações ao crime e à revolta. Isso porque a liberdade de imprensa não é a liberdade de dizer e escrever o que se quer, assim como a definição de liberdade não é liberdade de fazer o que se quer. Para Hegel, quando se trata de liberdade, o formalismo se defende com maior teimosia e, assim, é menos admissível. Daí que na indeterminação da matéria e da forma de liberdade reside o obstáculo que impede as leis sobre a liberdade de atingir a precisão e a objetividade que a lei se exige. Essa indeterminação, contudo, não suprime a responsabilidade pelos delitos, crimes e danos causados pela liberdade de expressão.478

476 Ibidem, § 318, p.296.

477 Ibidem, § 319, p.296. 478 Ibidem, § 319, p.296-298.

Como garantia indireta da liberdade de imprensa, Hegel aponta as determinações do Estado racional: constituição racional, solidez do governo e publicidade das deliberações das assembléias representativas. A liberdade de imprensa, como determinação da idéia da liberdade, é assegurada, assim, de modo indireto, pela realização do conceito do Estado como efetividade da liberdade concreta. É por isso que essa é uma garantia inócua, pois a liberdade de expressão é uma determinação do Estado racional. As proibições à liberdade de imprensa ocorrem quando o Estado se afasta do seu conceito.