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PARTE II PESQUISA EMPÍRICA

4. Metodologia do estudo

5.3. As facetas da cultura do consumo no SofiaBBeauty

5.3.2. O consumismo percebido

Quando a indústria trabalha no sentido dos hábitos e dos desejos despertados nos consumidores serem continuamente reciclados, gera-se uma necessidade constante de consumir. Consome-se não pela utilidade do produto mas por todo o valor simbólico que ele agrega. Este processo, que nasceu junto com a sociedade de consumo, como explicado no capítulo I, é nomeado por Bauman (2008) como consumismo. O vídeo Weekly vlog: Sou uma tia babada! apresenta alguns pontos de sinergia com esta temática. Este é um upload da categoria Vlog, pertencente à Esfera da Comunidade. Na sua caixa de descrição há a seguinte nota: “este vídeo não é patrocinado!”. Entretanto, dos 10 vídeos analisados em profundidade é neste que Sofia cita ou mostra mais marcas. São 16, ao todo. A média é de quase uma marca por minuto. No vídeo, Sofia partilha detalhes do seu quotidiano, como o almoço com a irmã, a assistir uma série no domingo à noite, a visitar a bebé da amiga youtuber ou apenas a comentar assuntos rotineiros enquanto passeia por um parque da cidade de Lisboa. Intercaladas a estas cenas, a vlogger pontua sua narrativa com frases como:

Agora vou almoçar e encomendei do Natural Crave com o Uber Eats. Isto não é ad, ok? Mas pronto, eu vou vos mostrar o que eu encomendei.

Acabei de receber o batom mais fixe de sempre. Isto aqui é da Guerlain. (…) Tem até o meu nome no espelho. Howcute?

Estive aqui a arrumar o quarto que ainda está muito vazio e eu tenho aqui esta mesinha de cabeceira que é da Area, que é muito gira.

Eu por mim já estava no inverno ou no outono a vestir meus casaquinhos. Aliás, eu até há pouco tempo fui ao site da Urban Outfitters e comprei um casaco quente porque eu prefiro mil vezes o inverno.

Eu vou variando nos cremes que eu costumo utilizar. Este creme aqui é da Belief, é o Aqua Bomb e eu sinto que ele é super hidratante. Parece que vocês tão a por água na vossa pele. Ah, é tão smoothie.

Chegou uma encomenda da Pull & Bear, que depois vou ter que fotografar na sexta-feira, depois vocês vão ver. O que vou fazer agora, basicamente, é passar a roupa a ferro e eu acho que não vos tinha mostrado o ferro que eu costumo utilizar. Eu costumo utilizar este ferro da Rowenta Acess Steam e ele é muito simples de usar, eu vou vos mostrar.

A youtuber consegue “circular” por diversas categorias de produtos (alimentação, transporte, maquilhagem, decoração, moda, cosmético e utensílios do lar) em um vídeo que, teoricamente, não tem o foco no comercialismo mas nas experiências pessoais da jovem. O que está em questão, neste caso, não é o facto de Sofia consumir estes ou outros produtos. O consumo é um ato da vida quotidiana inerente à sobrevivência humana (Bauman, 2018), é natural que em um vídeo que “conta” o dia-a-dia da vlogger durante uma semana, ela apareça a utilizar variados produtos. A reflexão que mostra-se pertinente, no entanto, é sobre o lugar que o consumo ocupa na vida de Sofia e a excessiva importância dada à menção das marcas. A todo instante, é preciso citar e, muitas vezes, mostrar a marca no vídeo como se estivesse a tentar legitimar seu consumo e o seu papel como influenciadora digital. Uma possibilidade de Sofia dar tamanho destaque às marcas é porque sabe do interesse do público nos artigos que utiliza, portanto, antecipa-se às possíveis perguntas, já informando as referências comerciais dos mesmos (Jorge et al., 2018).

Entretanto, uma nova questão surge, neste contexto: Sofia dá destaque às marcas porque sabe que seu público tem interesse ou o interesse do público é uma consequência do discurso consumista incitado pela jovem? Analisemos a forma como os seguidores se relacionam com o viés comercial comparando este vídeo com outro da mesma tipologia que, portanto, partilha a retórica carismática e íntima da youtuber.

O vídeo Weekly vlog: sou uma tia babada! foi um dos que recebeu mais comentários, 237 ao todo. Destes, 26 abordavam de alguma forma o viés comercial48, como este da A. L.: “Compreendo-te tb prefiro inverno, tipo chocolate quente, a roupa é mais cute e gira e tipo ainda hoje comprei uma swet shirt para o inverno e estamos em pleno verão😂”. No entanto, o facto de Sofia destacar as marcas e os produtos que utiliza no vídeo parece não ser suficiente, por dois motivos distintos: 1) os subscritores continuam a questioná- la sobre as suas práticas de consumo, como no comentário de M. S.: “Quais são as lojas onde compras a tua decoração vintage?” ou no de Y. S.: “Não consigo encontrar o sítio onde encomendas as saladas! Podes deixar aqui o link ou referir, pelo menos, o nome da app por favor?”. 2) o interesse dos subscritores sobrepõe-se ao que Sofia apresenta e alcança elementos que aparecem, completamente, em segundo plano no vídeo, como no caso de C. C.: “Sofia, de onde são os cestinhos brancos que estavam no armário da tua casa de banho? Está a ficar linda a casaaa, ly 💗☺” ou no de A. C.: Ola! Gosto muito do teu sofá. Podes dizer onde compraste? Obrigado e bjs”. Os desejos de consumo dos seguidores giram em torno do universo da influenciadora, seja na constatação de que já possuem produto similar, seja na tentativa de adquirir o mesmo produto. Sofia, portanto, promove o consumismo mesmo quando ele aparece de forma casual na sua narrativa.

Já no vídeo Chegou ao fim!, pertencente à categoria Tête-à-tête, também da Esfera da Comunidade, a

youtuber está em seu quarto a suscitar uma espécie de desabafo sobre o momento em que vivia à época, o fim do secundário e as questões relacionados a esta temática, como a conclusão de etapas importantes na vida, o saudosismo de um tempo que não volta mais e a falta que sentirá dos colegas da escola. Este é o único vídeo em que Sofia não cita nenhuma marca. Como consequência, o interesse dos subscritores por aspetos mercadológicos foi consideravelmente menor. Foram feitos 211 comentários. Destes, apenas sete relacionam- se a um viés comercial. Assim como Sofia desenvolve sua narrativa em tom confessional, os seus subscritores confirmam a intimidade percebida com comentários afetivos e de cunho subjectivo. Em sua maioria, são

feedbacks mais longos em que comentam sobre cenas similares às que Sofia partilhou no vídeo, como no caso de J. M.: “Foi dos vídeos que mais gostei Sofia! És tão querida tão honesta e sincera, a sério eu amo ouvir te falar! Esse penteado fica te super bem, és linda 💛 também acabei o 12 este ano e identifico me tanto com o

48 Em cada um dos vídeos do corpus reduzido de análise, os comentários dos subscritores com viés comercial poderiam ser classificados como 1) pedido de

informações sobre produtos ou marcas, 2) elogios à performance comercial de Sofia, 3) críticas à publicidade feita pela youtuber e 4) comentários sobre as marcas ou a cultura do consumo. Neste vídeo, os 26 comentários só contemplaram duas categorias: 12 referiram-se a pedidos de informações e 14 foram comentários diretos sobre as marcas ou a cultura do consumo.

que disseste.. só damos o devido valor as coisas quando elas acabam… Também adorei o baile de finalistas mas dancei tanto que fiquei com os pés tão doridos dos saltos que tive que dançar descalça ahah beijinhos”. Esta análise comparativa dos dois vídeos fornece “pistas” de como a audiência do canal SofiaBBeauty negoceia os conteúdos comerciais e também afetivos promovidos por Sofia. Os comentários são, em grande medida, um espelho do que a youtuber aborda. Bauman (2008) afirma que o consumo torna-se consumismo quando aquele ocupa um lugar central na vida do indivíduo. Não podemos afirmar que o consumismo é a “força propulsora” da vida de Sofia, mas com base em alguns dados, podemos afirmar que o consumismo permeia, de forma destacada, a narrativa da jovem e é promovido em seu canal: Sofia trabalha diretamente com o mercado da moda, a espinha dorsal da cultura do consumo (Lipovetsky, 2009), do efémero, da estética, da “eterna novidade”; incita desejos pelos produtos que apresenta e pelos modos de vida característicos de uma digital influencer de sucesso; parece ter dificuldades em discorrer sobre assuntos variados sem que o viés comercial não se faça presente; e, por último, a audiência corresponde aos anseios comerciais conforme Sofia promove o consumismo em maior ou menor intensidade.

5.3.3. O consumo como ritual de estabelecimento e manutenção das relações

O consumo também pode ser interpretado como um ritual social. Nele os indivíduos experimentam, aprendem, ensinam, julgam, incluem, excluem e contribuem com a construção da cultura, das relações sociais, dos valores e modos de vida (Douglas & Isherwood, citados em Oliveira, 2013). Sofia e sua comunidade de fãs partilham continuamente deste ritual social. A cada novo vídeo e as centenas de interações que se seguem fortalecem este “microsistema social” construído a partir das experiências de vida de cada indivíduo que o integra. Ao mostrar os locais que frequenta, seus artistas e séries favoritas, as marcas que consome, os novos produtos que experimenta, Sofia exerce inúmeras funções: faz uso do seu capital simbólico, investe em sua reputação e imagem como influenciadora, partilha informação, mantém suas redes sociais ativas, mas também cria e fortalece vínculos. Nas três afirmações de Sofia a seguir, o consumo está presente como ponte para a manutenção das relações. Na primeira afirmação, Sofia partilha uma “descoberta prazerosa” e que sabe que poderá agradar os fãs. Na segunda, a youtuber faz uma recomendação, como os amigos costumam fazer uns aos outros e na última afirmação a jovem procura criar um vínculo forte ao afirmar que os subscritores a conhecem verdadeiramente quando percebem, sem que ela tenha dito anteriormente, o estilo de decoração da sua nova casa.

Quando vocês estiverem ao Popolo, peçam o crumble de maçã com framboesa. É a melhor coisinha de sempre. É tão bom, vocês não estão a perceber. (Primeiros passos para a minha mudança de casa)