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Sobre Sofia Barbosa: a construção da influencer e o hobby como empreendedorismo

PARTE II PESQUISA EMPÍRICA

4. Metodologia do estudo

5.2. Sobre Sofia Barbosa: a construção da influencer e o hobby como empreendedorismo

arrisca a movimentar as hierarquias sociais, a mudar o seu lugar na sociedade. Em contrapartida, a autora acredita que este tipo de “empreendedorismo juvenil” não diz respeito a mudanças estruturais. Este jovem empreendedor continua a ir para a escola, a realizar as suas atividades diárias, a divertir-se no tempo livre, mas destaca-se dos demais por “performar” sua rotina, rentabilizando-a, ao mesmo tempo que se desloca para espaços de relevância social, normalmente, ocupados apenas por adultos. Tomaz (2017) comenta que estas crianças e adolescentes “se valem de uma espécie de capital simbólico acumulado por meio de sucessivas práticas e interações lúdicas, a partir das quais será possível, graças aos recursos tecnológicos, quantificar e, em seguida, comodificar sua influência e, assim, exercer uma atividade lucrativa” (Tomaz, 2017, p. 118). Ao longo dos últimos seis anos, Sofia investiu em seu capital simbólico, fundamental na construção de sua imagem como microcelebridade do meio digital. Resgatando as noções de capital de Bourdieu (citado em Karhawi, 2017) aplicadas ao desenvolvimento de reputação e de influência dos produtores de conteúdo digitais, pode-

se afirmar que Sofia construiu bons relacionamentos e uma rede de seguidores, parceiros e patrocinadores que, juntos, representam o seu capital social. Centenas de milhares de pessoas seguem-na nos seus perfis de redes sociais, a jovem estabelece contacto com inúmeros profissionais da área da comunicação, como fotógrafos, editores, apresentadores, profissionais de marketing e relações públicas, também criou vínculos com outras influenciadoras digitais e firmou parcerias com marcas como Tezenis, Sumol, Garnier e Clinique.

Figura 8: Imagens dos 10 vídeos pertencentes ao corpus reduzido da análise

A youtuber apresenta constantemente os investimentos feitos no seu capital cultural, ao longo do tempo, que contribuíram para a formação do seu “gosto legítimo” e da sua credibilidade como influenciadora. Sofia sempre frequentou a escola, é fluente em inglês, já fez intercâmbio, viaja para outros países e conhece novas culturas, tem conhecimentos técnicos para editar os próprios vídeos, mostra ter habilidade no uso de variados bens de consumo e discursa com desenvoltura sobre temas e marcas relacionadas à beleza e moda.

Dois hobbies, ok, obviamente que um deles é o YouTube, mas pronto, para não tá a dizer o YouTube porque isto é um bocado óbvio, é sem dúvida, ouvir música e tá no YouTube, nos tutoriais a ver cenas novas e formas novas de editar vídeos. (TAG: 13 Perguntas Pessoais)

Há uma tendência muito gira. Uma das minhas favoritas deste ano da Tezenis. Quando fui ao desfile em Verona, eles falaram que isso ia acontecer e acabou mesmo por acontecer. (Haul Back to School 2018)

Primeiro eu vou utilizar o meu creme favorito de sempre. Isto é para pele um bocadinho mais seca, embora uma coisa que eu adoro neste creme e por isso que eu uso all the time, é o facto dele hidratar a pele mas não de maneira que eu fique com a pele toda oleosa, sabem?. (Maquilha e Fala: Não vou para a faculdade e a minha alimentação)

Por último, o capital económico de Sofia cresce a partir do momento em que ela trabalha no sentido de ter acesso a recursos financeiros, bens e serviços ou que tem a capacidade de promover o próprio sustento por meio do seu trabalho.

Figura 9: Imagens da coleção de pins produzida e comercializada por Sofia

retiradas dos vídeos: Vlogmas dias 15 e 16: Finalmente posso contar-vos tudo! e Vlog: Primeiros passos para a minha mudança de casa!

Além de rentabilizar via Programa de Parceiros do YouTube e com o conteúdo patrocinado dos vídeos, a influenciadora digital lançou em 2017 uma coleção própria de pins com figuras que representam seus gostos ou que aparecem em seus vídeos com recorrência, como o cão Simba e a torradeira do pequeno-almoço (Figura 9). Ainda em 2018 eles estavam à venda no site de Sofia, que atualmente está fora do ar. Os vídeos em que ela mostra os produtos que ganha das empresas, eventos de marcas que participa ou apresenta detalhes da mudança da casa dos pais para o novo apartamento que passou a dividir com a irmã, em Lisboa, são indícios do investimento que faz em seu capital económico.

Ao dedicar-se ao desenvolvimento dos capitais social, cultural e económico e referenciá-los no conteúdo que produz e partilha nos media digitais, Sofia capacita-se como uma intermediária cultural (Bourdieu, citado em Featherstone, 1995) que apresenta um estilo de vida almejado pelas suas audiências, ajuda a construir valores sociais e culturais para os bens de consumo e atua como interlocutora entre o público e as marcas, como pode ser percebido nos comentários a seguir feitos pela própria Sofia e por dois seguidores. Esta análise ainda terá lugar na conclusão, a fim de que este aspeto de Sofia como uma “intermediária cultural” seja discutido em maior profundidade.

Para quem quiser saber o meu colar é da 5Store, o meu top e as calças são da Pull & Bear e o casaco é da Zara. (A minha Rotina Matinal para os fins de semana)

Olá, Sofia, sei que já fizeste um vídeo do que usas para fazer os teus vídeos, mas gostaria de saber quanto pagaste pelo teu editor (Final Cut Pro)? Bjs adoro-te!!!!! (C. S. M. - Maquilha e Fala: Não vou para a faculdade e a minha alimentação)46

Eu aprendi contigo a gostar e amar maquilagem ❤. (P. S. - Sou uma tia babada!)47

Sofia cresceu junto com o YouTube e a prosumer que se inspirava nas vloggers internacionais de beleza para gravar seus primeiros vídeos, ainda como uma brincadeira entre ela e a irmã, deu lugar à uma empreendedora do próprio hobby. Assim como muitos youtubers de sucesso, Sofia percebeu que o conteúdo amador teria cada vez menos espaço na plataforma e não haveria outra maneira de crescer se não pela produção de um conteúdo cada vez mais profissional, conforme comentamos no capítulo III. Como afirmam Pereira et al. (2018, p. 109), no YouTube “o PGC tornou-se o tipo de conteúdo mais favorecido, mesmo se produzido fora das emissoras tradicionais e ainda com as marcas do UGC”.

A influenciadora assume o caráter profissional de seu canal e afirma que, por ser ainda um fenómeno recente, as pessoas “olham para esta profissão um bocadinho de lado” (Barbosa, 2018, TEDx Talk Braga), como se não fosse trabalho. Entretanto garante que ser youtuber é mais que apenas gravar vídeos, é algo que exige disciplina, criatividade e disposição para lidar com os que questionam a seriedade do trabalho. Pensam que “ou é dinheiro fácil ou dizem que somos uma má influência para os jovens e a verdade é que eu sei que muitos de nós conseguimos influenciar bastante jovens com os nossos vídeos. Acho que é preciso ter muito

46 Muitos utilizadores do YouTube trocam seus nomes reais por “nicknames”. Todos os comentários de utilizadores deixados nos vídeos analisados e usados neste

trabalho são identificados pelas inicias dos nomes ou nicknames, seguidas do título do vídeo ao qual o comentário se refere.

47 Todos os comentários presentes neste trabalho, tanto aqueles feitos por Sofia como os de autoria dos subscritores foram transcritos tal como estão no canal,

cuidado” (Barbosa, 2018, TEDx Talks Braga). Em contrapartida, Sofia reconhece os pontos positivos de fazer algo que a ajudou a amadurecer e a ter responsabilidades desde cedo, o que lhe dá autonomia para trabalhar como, quando e onde lhe apetece.

Para gravar e editar um vídeo, incluindo o tempo de organizar o cenário, arranjar-se e preparar os equipamentos de luz e filmagem, a vlogger afirma que despende oito horas de trabalho. A qualidade de som e imagem é fator que Sofia considera de extrema importância. Assim, acompanha sempre os lançamentos do mercado, investe em boas câmaras, luzes e programas de edição (Cardoso, 2017). Estes já seriam argumentos relevantes para mostrar como suas produções deixaram o amadorismo e, atualmente, aproximam-se da profissionalização. Entretanto, há que considerar também o cuidado que dedica aos aspetos estéticos dos vídeos, com referências originadas nas produções televisivas (Lana, citada em Tomaz, 2017): os uploads

possuem vinheta de abertura, bem como uma saudação (“Olá, sejam bem-vindos a mais um vídeo”) e uma assinatura (“Espero que tenham gostado. Um grande beijinho e vemo-nos no próximo vídeo”) no encerramento, costumam ser gravados em ângulo frontal, têm enquadramentos que variam de planos abertos, que permitem mostrar os cenários, a planos mais fechados ou primeiro plano, que privilegiam a intimidade. O uso de banda sonora é algo que se destaca e é elogiado com bastante recorrência pelos fãs, assim como as técnicas de edição, que dão dinamismo aos vídeos.

A edição está fantástica, qualquer dia tens q nos ensinar a editar esse tipo de vídeos😋como sempre estás lindíssima 😍❤. (M.C. - Lookbook swimwear 2018)

Gostei imenso do teu video Sofia, adorei os ângulos e a qualidade de imagem, está mesmo muito bom. Tens um gosto musical com que me posso identificar! Nunca fico desiludida com os conteúdos, continua miúda, tens futuro :). (C.P. - A minha rotina matinal para os fins de semana)

Sofia utiliza com bastante frequência termos em inglês em sua narrativa e nos títulos dos vídeos. Além de facilitar a busca dos espetadores casuais, o uso de palavras-chave como “weekly vlog”, “lookbook”, “tutorial” para identificar os vídeos mostra como a youtuber procura integrar-se à comunidade global das youtubers de beleza. Esta é uma “estratégia que provavelmente pode ser eficiente do ponto de vista do algoritmo do YouTube: aumentam-se as chances de um youtuber português atrair a atenção do público que fala inglês” (Jorge et al., 2018, p. 90). Emular esta área internacional da plataforma, principalmente a anglo-sanxônica, não só com os termos em inglês, mas com uma réplica de temáticas e com a forte presença de marcas é outro sinal que

indica os esforços da influenciadora para ganhar credibilidade junto ao público e estar bem posicionada entre as youtubers de moda e beleza, nomeadamente as portuguesas.

Um dos principais motivos apontados por Sofia para se mudar com a irmã para Lisboa foi o desejo de se profissionalizar ainda mais e poder dedicar-se exclusivamente à produção de conteúdo para o canal. Por fim, o facto de ter recebido prémios de importantes veículos de comunicação, bem como participado em campanhas publicitárias de grandes marcas, também legitima Sofia não só como uma microcelebridade, mas como uma jovem empreendedora de sucesso enquadrada na lógica do capitalismo neoliberal. Um contexto que pode não se relacionar com as mudanças estruturais típicas que acompanham a figura do “empreendedor”, como comentou Tomaz (2017) na citação acima, mas que valoriza a responsabilidade pessoal, o sucesso e o trabalho autónomo (Khamis et al., 2016) destes jovens que vislumbram sucesso e reconhecimento.