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1. NOVO COTIDIANO NA ESFERA PÚBLICA: CIBERDEMOCRACIA EM

1.2 Consumo cidadão em governo eletrônico

1.2.4 O consumo de serviços públicos na sociedade em rede

Ainda hoje, grande parte da deficiência nos serviços públicos dos municípios decorre da oferta insuficiente em relação à demanda, qualidade inferior contrapondo-se aos serviços particulares, escassez de recursos humanos capacitados e gestão deficiente sob diversos aspectos. Embora o Estado possua papel regulador para oferta de tais serviços, os desafios e

barreiras são crescentes e observa-se que ainda não há um consenso sobre o tamanho que este Estado tem que ter para ser capaz de prover qualitativamente todo o conjunto de serviços essenciais, conforme se pode constatar no Ranking de Eficiência dos Municípios (2016) divulgado pela Folha de São Paulo em parceria com o Datafolha.

A pesquisa objetiva mostrar quais prefeituras do Brasil entregam mais serviços básicos à população usando menor volume de recursos financeiros e apresenta dados de 5.281 municípios, ou 95% do total de 5.569. Contudo, a metodologia pode ser questionada por alguns parâmetros, pois restringe a análise à aplicação da receita per capita da administração pública municipal das cidades às áreas de saúde, educação e saneamento como forma de calcular a eficiência na gestão. Além disso, apresenta quantos servidores o município possui por habitantes e a média nacional. Tomando por este último exemplo, a eficiência é medida por quem entrega mais serviços gastando menos. Entretanto, a relação de servidores por cada cem habitantes é definida pela média nacional e não por um estudo científico que possibilite a indicação ideal desta quantidade.

O conteúdo científico e o contexto social devem ser considerados nos estudos realizados. Ambos são compostos por uma rede diversa de agentes humanos e não humanos. Latour e Woolgar (1997) destacam que o observar das práticas cotidianas possibilita identificar como ações, aparentemente sem importância, auxiliam na construção social, enfatizando o caráter comportamental e o contexto apresentado.

A proposta encontra argumentos em uma abordagem prática que contempla a dinâmica não hierárquica e multidirecional nas relações da sociedade em rede, distante da tendência enfocada nos parâmetros exclusivamente técnicos ou nos aspectos estritamente sociais. Segundo os autores, a atividade científica tem por natureza uma dimensão coletiva, pública, de modo que a construção de fatos e máquinas somente se viabiliza através da conjugação de interesses e mobilização de um grande número de aliados.

Um caminho teórico para entendimento dessas relações na cibercultura é a Teoria de Ator-Rede18 (TAR) criada por um grupo de antropólogos, sociólogos e engenheiros franceses e ingleses, dentre os quais Bruno Latour, Michel Callon e John Law fizeram parte. Pautado nas noções de simetria, ator, rede e tradução, tal método de estudo adquiriu status de teoria ao contemplar os aspectos híbridos da sociedade ao invés de concebê-la por meio das suas segmentações. Latour considerava que o modelo teórico definido por ele e por seus parceiros

consistia em “seguir as coisas através das redes em que elas se transportam, descrevê-las em seus enredos” (2004, p. 397).

A partir da observação pela TAR, novos padrões de comunicação puderam se estabelecer na cultura contemporânea, onde a relação tradicional de emissor e receptor não se aplica, uma vez que o papel do ator é mutante e depende da sua atividade e capacidade repercussiva em rede, não sendo necessariamente atribuído a um ser humano, mas podendo ser representado por uma instituição, um objeto ou um animal.

Por sua vez, a rede é constituída por interconexões infinitas entre estes atores, capaz de percorrer qualquer direção e tender para regiões que concentram agentes que demonstram afinidades entre si. Os atores não humanos poderiam ser representados por objetos técnicos de inteligência artificial, computadores, servidores e a infinidade de dispositivos móveis existentes na cultura contemporânea, que promovem interferências mútuas no comportamento entre ambos. Um exemplo disso é a relação temporal entre agentes de um aplicativo de troca de mensagens instantâneas, como o Whatsapp por exemplo. A noção de aqui e agora é diferente para os dois agentes.

No entanto, o aqui do agente emissor considera que o agente receptor estará numa condição temporal contígua. No entanto, o que está em vigor é que a comunicação do agente humano emissor está sendo feita a partir de um objeto técnico para um agente não humano receptor, que depende de condições de sinais por satélite, carga de bateria etc. O agente não humano reordena o ritmo do cotidiano humano regrando, no mínimo, a expectativa das interações em rede, promovendo uma nova forma de comunicação mediada em diferentes níveis sociabilidade na cultura digital.

Para a TAR, a produção de redes e associações surge da relação de mobilidade estabelecida entre os atores humanos e não humanos que se dá na convergência dos novos meios de sociabilidade que aparecem com a cultura digital, como por exemplo, as redes sociais e as comunidades virtuais (LATOUR, 2011, p. 796).

A definição de rede considerada pela TAR refere-se, predominantemente, à descrição das vias multidirecionais que pulsam entre os canais, em vez de contemplar seus elementos. A representação particular que cada agente faz da rede e na rede traduz o ponto central da TAR, também conhecida como “sociologia da tradução” (LAW, 1992). Essa “tradução” possui sentido de redirecionar objetivos, interesses, dispositivos, seres humanos, reordenando as vias de forma não linear e alterando os atores envolvidos. Tal reordenamento incide na expectativa de comunicação entre os agentes humanos. Essa temática se contrapõe com a noção de real e virtual de Adriana Souza e Silva, que será apresentada no capítulo 2.

Contudo, a partir da sociedade em rede, vislumbra-se outro cenário para o consumo de serviços públicos frente aos novos paradigmas estabelecidos pela relação do cidadão com as mídias pela multiplicidade de interfaces coletivas e, principalmente, pelas novas formas de interações sociais, conforme veremos no capítulo a seguir.