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O contexto histórico e sociocultural do lugar em que a escola se encontra

CAPÍTULO III. A PESQUISA NO COLÉGIO MUNICIPAL ALFAZEMA

3.2. O contexto histórico e sociocultural do lugar em que a escola se encontra

construção social, que se associa à memória e às identidades sociais dos sujeitos. (BNCC, 2017). O conceito de espaço é inseparável do conceito de tempo e ambos precisam ser pensados articuladamente como um processo. Assim, buscar entender os processos históricos do ‘lugar’ onde se localiza a escola, como fração de uma totalidade maior, é essencial no trabalho escolar, ou seja, no desenvolvimento integral do estudante e na percepção do seu lugar no mundo, focalizando-se as noções de pertencimento e identidade, com a consciência de que todos somos sujeitos da história.

Será apresentado um breve histórico do bairro de forma a conhecer as mudanças ocorridas no espaço geográfico, decorrentes do processo de reprodução das relações sociais. Cada lugar é objeto das relações atuais da sociedade e, “através dos seus movimentos próprios, apenas participa de uma fração do movimento social total”. (CARLOS, p.30). A história do lugar passa pela história compartilhada que se produz além dos limites físicos do lugar e, como explica Carlos (2007, p.21) “assim a situação muda na trama relativa das relações que ele estabelece com os outros lugares no processo em curso de globalização que altera a situação dos lugares porque relativiza o sentido da localização”.

O Colégio Municipal Alfazema localiza-se no bairro Cururuquara, a oeste do município de Santana de Parnaíba (Figura 5), a quinze quilômetros da cidade e cerca de quatro quilômetros da Rodovia Castelo Branco, sendo a única escola do bairro de Ensino Fundamental e Ensino Médio, que em 2013, atendia a 400 alunos. O bairro possui aproximadamente 2000 habitantes, é atravessado pela Rodovia Castelo Branco e formado por condomínios residenciais, casas de veraneio e habitações populares.

Figura 11 Localização do Colégio Alfazema

Fonte google maps (2017)

A história do bairro Cururuquara, palavra de origem indígena que significa “buraco do sapo”, está intimamente ligada à história afrodescendente do município. Em 1820, o município de Santana de Parnaíba possuía 1888 escravos, sendo que a maioria localizava-se a oeste, onde se encontra o bairro Cururuquara. A história desse bairro representa a riqueza da História do Brasil, desde a sua fundação, por volta de 1890 e era constituído por maioria negra. “As informações sobre o bairro já aparecem nas estatísticas demográficas, nos registros de terra e nos inventários e testamentos do século XIX”. (2013, PREFEITURA DE SANTANA DE PARNAÍBA, Fundação Eprocad, p.21). Esse material bibliográfico editado16 tem registros detalhados de maneira significativa histórica, porém não ficou evidenciado, no Colégio Municipal Alfazema, o seu valor e a sua utilização como fonte de consulta dos professores e alunos, para que desencadeasse um estudo e pesquisa.

Em 2009, foi implantado o Ponto de Cultura17 – Centro Cultural Leandro Manoel de Oliveira, no bairro Cururuquara, por meio da parceria entre a Fundação

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Material bibliográfico: O Ponto de Cultura Leandro Manoel de Oliveira e a Preservação da Cultura Afro-Brasileira em Santana de Parnaíba, Prefeitura de Santana de Parnaíba, Fundação EPROCAD, 2013, 1ª edição.

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O processo de iniciação do Centro Cultural no bairro do Cururuquara se deu em 2009, quando o projeto foi um dos 300 aprovados entre os mais de 1000 apresentados a Secretaria do Estado e

EPROCAD - Fundação Esportiva Educacional Pró-Criança e Adolescente e a Prefeitura de Santana de Parnaíba, com o patrocínio do Ministério da Cultura e da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo/Programa Cultura Viva. O espaço oferecia: Oficinas de capoeira; Artesanato e Sala de leitura com obras sobre cultura popular, arte e literatura, entre outros. Embora, esta iniciativa tenha sido importante por permitir aos jovens moradores vivenciar a cultura afrodescendente, ficou restrita ao trabalho de enriquecimento daqueles alunos que participaram em oficinas no Ponto de Cultura, moradores do bairro. O Ponto de Cultura encerrou suas atividades no ano de 2016, segundo informação da Prefeitura de Santana de Parnaíba, devido à perda do espaço que ocupava e sem verbas para a manutenção.

Cururuquara, juntamente com o bairro do Suru, foi um lugar que concentrou o maior número de escravos e apresenta até os dias de hoje aspectos importantes da cultura africana, que revela a forma bárbara e inescrupulosa como a população foi tratada ao longo da história.

Aos 13 de maio de 1888, os antigos escravos comemoraram uma herança de terras doadas por um antigo proprietário de escravos durante três dias seguidos. Assim, nesse dia e mês de cada ano acontece a Festa do Cururuquara em louvação a São Benedito e pela libertação. A reza cabocla, a procissão, o encontro das procissões, o levantamento do mastro e o Samba de Bumbo são elementos fundamentais dessa comemoração.

O Samba de Bumbo praticado na localidade há 126 anos (tendo como base 2013) tem sua origem nos ritmos e instrumentos trazidos da África e pode ser considerado um bem imaterial ainda presente nas celebrações, sendo ensinado pelos moradores antigos aos seus descendentes. É o elemento agregador que faz com que todos os anos as famílias de sambadores se desloquem de outros bairros do município, de Itapevi, Grajaú e outras localidades, para participar dessa manifestação festiva e religiosa.

Devido à expansão urbana metropolitana, o bairro foi atravessado, em 1965, pela construção da Rodovia Castelo Branco e, aos poucos, os antigos herdeiros afrodescendentes foram vendendo suas propriedades, devido, principalmente, à especulação imobiliária, à construção de condomínios e sítios e, assim, mudando-se

Cultura, e assim passou a receber o apoio do Estado na disseminação dessa cultura a crianças e jovens de 10 a 17 anos moradores do bairro.

para outras localidades. Porém, no dia dessa tradicional festa, as famílias afrodescendentes que atualmente moram em outros lugares, moradores do lugar e outros visitantes celebram e confraternizam-se no bairro Cururuquara.

Vale ressaltar que o “Projeto Brasil Cabo Verde: Olhares Cruzados”18

ocorreu em 2009 e teve como objetivo realizar um intercâmbio cultural entre crianças brasileiras e cabo-verdianas. As ações do projeto são alinhadas com as políticas públicas, pela Lei 11.645/200819, para o enfrentamento da discriminação racial, pois valorizam a contribuição dos povos africanos e ameríndios para a construção da identidade brasileira. O projeto possibilitou o conhecimento recíproco entre 1600 crianças e adolescentes de 48 comunidades quilombolas e indígenas no Brasil e de outros onze países da América Latina, Caribe e África que compartilharam vivências e saberes por meio de trocas de fotografias, cartas, entrevistas e objetos produzidos em oficinas de fotografia, redação e arte. Visou o resgate e fortalecimento da identidade das comunidades tradicionais.

Em 2013, Santana de Parnaíba foi o município escolhido por ser o lugar em que ocorre a Festa do Cururuquara. O objetivo foi promover através da música a troca de informações e identidades entre 25 crianças do bairro do Cururuquara e das cidades de Mindelo e Praia do Cabo Verde, arquipélago reconhecido pela musicalidade. As oficinas promoveram a expansão dos horizontes culturais dessas crianças, destacando também o reconhecimento de raízes históricas semelhantes por meio de fotos e objetos produzidos nas próprias oficinas de fotografia, redação e música que, ao final, possibilitaram a troca desses objetos de culturas diferentes e ao mesmo tempo tão parecidas. Focados na valorização da contribuição dos

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A proposta de fazer o intercâmbio com Cabo Verde teve início em setembro de 2009, com o apoio da embaixada do Brasil, naquele país. Inicialmente, o projeto fez a integração entre 50 crianças cabo- verdianas de Mindelo, na Ilha de São Vicente e de Praia na Ilha de Santiago, no Cabo-Verde que participaram através de oficinas de foto, desenho e confecção de instrumentos. Contou inicialmente com o apoio do Ministério de Relações Públicas Exteriores e da Embaixada do Brasil no Cabo Verde, e em 2013, com o apoio do HSBC, por meio do Instituto HSBC Solidariedade.

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§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.” (NR)

afrodescendentes e na sensibilização dos educadores locais, para a importância da inserção de temáticas africanas nos currículos escolares, foram realizadas palestras e disponibilizadas gratuitamente para as escolas e instituições os materiais produzidos pelo projeto. Houve a troca de cartas e fotografias entre crianças brasileiras de comunidades em situação de grande dificuldade e crianças de países africanos de língua portuguesa que vivem em áreas de grande carência - uma ideia concebida na perspectiva de inclusão social das pessoas envolvidas.

Figura 12. 12º livro do projeto Olhares Cruzados

O grupo de alunos que participou das oficinas do projeto Brasil Cabo Verde realizou apresentações na 126ª Festa do Cururuquara que ocorre ininterruptamente todo mês de maio, desde 1888, para comemorar o dia em que os escravos recém- libertados dançaram por três dias e três noites, para festejarem a liberdade e a posse do território onde viviam e que lhes foi concebida pelo seu senhor. (OSCIP IMAGEM DA VIDA, 2014, p.44).

Contudo, apesar de alguns alunos terem sido escolhidos na escola do bairro Cururuquara para participarem do projeto, na escola, internamente, segundo a

coordenadora pedagógica, não foi gerado um processo que pudesse propiciar um novo dinamismo para reflexões, pesquisas e novos projetos correlacionados ao tema (história do bairro e o contexto sociocultural) em que os professores se motivassem e se mobilizassem. Tendo base no reconhecimento do lugar em que se vive, pode-se melhor entender as relações de produção e de poder que se manifestam em condições próprias e, assim, posicionar-se diante de problemas desse lugar inserido no mundo.

A pesquisa, no processo colaborativo, pretendeu contribuir para uma análise crítica do mundo social e cultural, considerando suas variações de significado no tempo e no espaço, tendo como referência as transformações do lugar e a vida da comunidade escolar. Após as conversas que ocorreram no segundo semestre de 2013 com o supervisor de ensino, iniciou-se a pesquisa na escola.