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O CONTROLE DO PROCESSO ELEITORAL NO BRASIL

3. PODER E ATIVIDADE ELEITORAL

3.6 O CONTROLE DO PROCESSO ELEITORAL NO BRASIL

A lição de FÁVILA RIBEIRO permanece atual: “Para que os governos se sucedam pacificamente, deve ser racionalmente estruturada uma técnica que assegure a normal apuração da vontade popular, com rigorosa probidade.” 121 Dessas técnicas, quatro merecem destaque: a) sistema parlamentar ou da verificação dos poderes, b) sistema eclético ou misto, com participação política e jurisdicional; c) sistema em que a eleição é realizada por um “quarto poder” e d) sistemas jurisdicionais. 122

O sistema parlamentar (ou técnica de verificação de poderes) surgiu após a derrocada do poder real para o controle das eleições. França e Inglaterra foram os primeiros países a utilizarem tal sistema. Uma das principais justificativas para a adoção do controle do processo eleitoral pelo legislativo surge a partir de uma interpretação restrita da tripartição de poderes. Somente ao Poder Legislativo caberia controlar a validade dos mandatos de seus próprios membros bem como a validade do processo que os escolheram. 123 Atualmente, nem França124 nem Inglaterra adotam essa técnica. Como exemplo de quem ainda a utiliza, pelo menos nas eleições legislativas nacionais, podemos citar Bélgica125, Itália126 e Argentina127.

121

RIBEIRO, Fávila. Direito eleitoral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.109. 122

Ibid., Capítulo IV e PEREIRA, Rodolfo Viana. Tutela coletiva do direito eleitoral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, Capítulo 1.

123

PEREIRA, op. cit., p. 29. 124

Para uma detalhada noção de como ocorre o controle do sistema eleitoral na França: TELLES, Olivia Raposo da Silva. Direito eleitoral comparado – Brasil, Estados Unidos, França. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 442-449.

125

Constituição Belga, art. 48: "Chaque Chambre vérifie les pouvoirs de ses membres et juge les contestations qui s'élèvent à ce sujet."

O modelo eclético ou misto surgiu a partir da compreensão, por alguns países, de que a verificação exclusivamente política acerca da validade ou não das eleições trazia prejuízos. Pensou-se, assim, em um sistema capaz, ao mesmo tempo, de evitar interferências de cunho exclusivamente político partidário na tomada de decisões em matéria eleitoral e o indesejado predomínio do judiciário nessas decisões. 128 Podemos citar a Alemanha como exemplo de país que adota tal técnica atualmente. Conforme o Art. 41 da Constituição alemã, o controle dos mandatos pertence ao Bundestag (Dieta Federal ou parlamento alemão), mas suas decisões são recorríveis ao Tribunal Constitucional. 129

Na Nicarágua, o modelo escolhido merece destaque por ser um dos mais singulares. Além dos conhecidos poderes executivo, legislativo e judiciário, prevê sua Constituição, o Poder Eleitoral. 130

O sistema jurisdicional veio com a intenção de superar modelos cuja participação política trazia prejuízos. O objetivo foi substituir o controle político, de decisões por vezes casuísticas e discricionárias, por um controle “técnico e juridicamente enquadrado” 131.

Curioso notar que o modelo de composição temporária das cortes eleitorais é resquício do modelo parlamentar. 132 Isso porque a renovação constante dos cargos

126

Constituição italiana, art. 66: “Ciascuna Camera giudica dei titoli di ammissione dei suoi componenti e delle cause sopraggiunte di ineleggibilità e di incompatibilità.”

Disponível em: < http://www.governo.it/Governo/Costituzione/2_titolo1.html> Acesso em 02 de março de 2013.

127

Constituição argentina, art. 64. “Cada Cámara es juez de las elecciones, derechos y títulos de sus miembros en cuanto a su validez. Ninguna de ellas entrará en sesión sin la mayoría absoluta de sus miembros; pero un número menor podrá compeler a los miembros ausentes a que concurran a las sesiones, en los términos y bajo las penas que cada Cámara establecerá.”

Disponível em: < http://www.senado.gov.ar/web/interes/constitucion/disposiciones.php> Acesso em 02 de março de 2013.

128

RIBEIRO, Fávila. Direito eleitoral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.112. 129

Constituição alemã, art. 41: “(1) O controle das eleições compete ao Parlamento Federal. Ele decide também, se um deputado perdeu o seu mandato ao Parlamento Federal. (2) Contra a decisão do Parlamento Federal há a possibilidade de recurso junto ao Tribunal Constitucional Federal. (3) A matéria será regulamentada por uma lei federal.” Disponível em:

<http://www.brasil.diplo.de/contentblob/3254212/Daten/1330556/ConstituicaoPortugues_PDF.pdf>, acesso em 2 de março de 2013.

130

Constituição da Nicarágua, art. 7º: “Nicaragua es una República democrática, participativa y representativa. Son órganos de gobierno: el Poder Legislativo, el Poder Ejecutivo, el Poder Judicial y el Poder Electoral.”

Disponível em: < http://www.asamblea.gob.ni/wp-content/uploads/2012/06/Constitucion.pdf> Acesso em 2 de março de 2013.

131

PEREIRA, Rodolfo Viana. Tutela coletiva do direito eleitoral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 38.

132

políticos trazida pela periodicidade dos mandatos impunha a renovação também daqueles que controlavam o processo eleitoral para que não houvesse desgastes entre magistrados eleitorais e candidatos. Estes, por exemplo, ao disputarem reeleições, poderiam acusar aqueles de perseguição política oriunda das lides em eleições anteriores. Eis um dos argumentos utilizados até hoje por aqueles que defendem que o Judiciário Eleitoral não deve ter membros perenes.

Quem primeiro submeteu decisões sobre litígios acerca da validade eleitoral à apreciação jurisdicional foi a Inglaterra, justamente uma das pioneiras no sistema parlamentar de controle. Isso para combater graves corrupções em seus processos de escolha política133.

Atualmente, o sistema jurisdicional de controle eleitoral pode ser observado em outros países e RODOLFO VIANA PEREIRA ensina que ele pode ser dividido em quatro

tipos. O primeiro seria o sistema de jurisdição ordinária, em que juízes comuns possuem competência para resolver contencioso eleitoral. O sistema de jurisdição

constitucional, por outro lado, qualifica o controle das eleições como matéria de teor

constitucional. Já pelo sistema da dupla jurisdição, adotado na França, se a eleição for local, incide a jurisdição administrativa; sendo o caso de eleições nacionais, será responsável a jurisdição constitucional. Por fim, há a jurisdição especializada, adotada atualmente, entre outros, pelo Brasil. 134

O primeiro Código Eleitoral do Brasil foi o Decreto 21.076, de 24 de fevereiro de 1932 que instituiu a Justiça Eleitoral. O segundo foi a Lei n. 48, de 4 de maio de 1935 que, embora trouxesse como título “Modifica o Código Eleitoral”, com 227 artigos, consistia, na verdade, de nova codificação. Houve, ainda, os códigos de 1945 (Decreto-Lei n. 7.586, de 28 de maio de 1945) e de 1950 (Lei n. 1.164, de 24 de julho de 1950). Atualmente, vige o Código Eleitoral resultante da Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965. 135 Não sendo nosso objetivo analisar a história da justiça eleitoral brasileira, o fato é que desde seu primeiro Código Eleitoral, percebe-se a opção brasileira pelo controle jurisdicional das atividades eleitorais136. Essa opção foi ratificada pela

133

RIBEIRO, Fávila. Direito eleitoral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.117 e PEREIRA, Rodolfo Viana. Tutela coletiva do direito eleitoral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 40.

134

PEREIRA, Rodolfo Viana. Tutela coletiva do direito eleitoral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 45-48.

135

FERREIRA, Pinto. Código eleitoral comentado. 4. ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 12. 136

Constituição de 1988 que dedicou parte de seus preceitos à matéria eleitoral dispondo, inclusive, sobre Tribunais e Juízes Eleitorais (artigos 118 a 121). 137

O Brasil adota o sistema de jurisdição138 especializada para a realização e fiscalização das eleições.

137

Para saber mais sobre a evolução da Legislação Eleitoral: CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral

brasileiro. 14 ed. rev. atual. e amp. Bauru/SP: Edipro, 2010, RIBEIRO, Fávila. Direito eleitoral. 4. ed.

Rio de Janeiro: Forense, 1996, FERREIRA, Pinto. Código eleitoral comentado. 4. ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva e PIMENTA, José Carlos. Processo eleitoral e controle jurisdicional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. Esta última obra apenas com breve resumo do que abordado nas outras.

138

O termo jurisdição é aqui utilizado apenas para dizer que é o Poder Judiciário é quem realizará a tarefa. Isso não quer dizer que desempenhará, para esse fim, apenas atividade jurisdicional.

4 ATIVIDADES DA JUSTIÇA ELEITORAL

O Poder Judiciário (poder na segunda acepção acima tratada) foi instituído pelo Poder Político (primeira acepção) do povo, conforme estabelecido em nossa Constituição Federal 139, para exercer, sobremaneira, a atividade jurisdicional. Dizemos sobremaneira, uma vez que é possível, ao judiciário, exercer atipicamente atividades não jurisdicionais. Vários são os exemplos: ao dispor como gastará seus recursos, ao realizar concursos, ao apurar eventuais desvios de condutas de seus integrantes, o judiciário está realizando atividade eminentemente administrativa. Por outro lado, elaborando seus regimentos internos, estará legislando. Todavia, sua atividade primordial é a jurisdicional.

Cada um dos Poderes do Estado brasileiro possui sua função típica, principal. Isso não quer dizer que não realiza as demais funções, mas acessoriamente, uma vez que não foi essa a razão de sua criação.

O Judiciário, primordialmente, exerce a Jurisdição. E o que é jurisdição? Para nosso trabalho, basta a lição de DIDIER:

A Jurisdição é a função atribuída a terceiro imparcial (a) de realizar o Direito de modo imperativo (b) e criativo (c), reconhecendo/efetivando/protegendo situações jurídicas (d) concretamente deduzidas (e), em decisão insuscetível

de controle externo (f) e com aptidão para tornar-se indiscutível (g). 140

O artigo 92 da Carta Maior prescreve, como integrantes do Poder Judiciário: o Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça, o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais, os Tribunais e Juízes do Trabalho, os Tribunais e Juízes Eleitorais, os Tribunais e Juízes Militares e os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. A matemática é simples. Cada

139

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

140

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. V. 1. 12. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010, p. 83.

um desses órgãos deve exercer, tipicamente, a atividade jurisdicional que lhe é pertinente. E assim é141, com exceção da Justiça Eleitoral.

A Justiça Eleitoral não possui como atividade única e principal solucionar casos na seara eleitoral. Bem pensadas as coisas, quiçá, o que menos realiza, é exercício de jurisdição na seara eleitoral. E isso por uma razão simples. As lides/casos eleitorais surgem, justamente, no exercício de sua função maior: tornar possível o parágrafo único do Art. 1º da Constituição: “Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

O Poder Político do povo só pode ser exercido, direta (plebiscito/referendo), ou indiretamente (por representantes eleitos), mediante um processo, a saber, o processo eleitoral. Organizar, realizar e zelar por esse processo é missão precípua da Justiça Eleitoral.

Diferentemente dos demais órgãos do Judiciário que exercem, de forma precípua, Jurisdição em suas áreas de competência, a Justiça Eleitoral possui como missão maior possibilitar o exercício do Poder Político titularizado pelo povo brasileiro. Ela legitima o Poder instituído.

Apenas descrevendo brevemente as atividades necessárias à realização de uma eleição política é possível compreender a real extensão das atividades da Justiça Eleitoral. A seguir, realizaremos tal empreita. Não é nosso objetivo minudenciar tais atividades, mas apenas dar um panorama geral dessas atividades.

Todas essas atividades, inúmeras, aliás, podem ser basicamente divididas em cinco grupos:

a) Cadastro Nacional de Eleitores; b) Partidos Políticos e Filiação Partidária;

c) Registro de Candidaturas e Prestação de Contas de Campanha Eleitoral; d) Organização das Eleições;

e) Eleição e Diplomação dos Eleitos.

141

O Conselho Nacional de Justiça precisa de análise mais detalhada no particular. Entretanto não é nosso objeto de estudo.